sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Sonata - Parte 8 - Flashback

 

Nathan, um simples rapaz vítima de um atentado terrorista, foi encerrado em uma prisão. Suspeito de atividade criminosa, ele foi preso até que as investigações preventivas o inocentem.
Em sua minúscula cela, campos de força transmitem ondas eletromagnéticas, inibindo o funcionamento de seus implantes, permitindo que apenas seus membros fisionômicos se movimentem normalmente. Os guardas não querem que ele seja um ameaça.
Olhando pela pequena janela no alto da parede, ele vê as chaminés, caldeiras, reatores e instalações da indústria pesada. O presídio fica em um dos distritos industriais espalhados pela metrópole. Ali é um local afastado, convenientemente escolhido para abrigar os inadequados para viver em sociedade.
O tempo passa em longos e demorados minutos. Nathan chora. O vírus está se espalhando por seu organismo, ele vê sua pele empalidecer. Preocupado com seu futuro, ele se pergunta o que será de sua vida agora.
Alguém abre a porta de sua cela. Um guarda – um verdadeiro ciborgue com membros robóticos e olhos sintéticos – põe um colar eletrônico em seu pescoço. No colar o rapaz vê uma luz vermelha piscando constantemente. Ao tirá-lo da cela, o rapaz pergunta:
- Aonde está me levando?
- À sala de interrogatório. – responde o guarda, com voz robótica.
O rapaz entra na sala com paredes brancas e um espelho mágico na parede. No meio da sala há uma mesa com duas cadeiras. Ele se senta e vê uma pasta de arquivos sobre a mesa. A porta se abre e um homem mais velho, vestido com terno e gravata, entra. Seus trajes elegantes e sua postura requintada não combinam com o subversivo ambiente.
- Boa tarde, senhor Nathan. Como vai? – pergunta o homem, sentando-se à sua frente.
- Bem, eu acho. – responde o rapaz, um pouco confuso e sem a eloquência de seu visitante.
- Meu nome é Galileu, sou o ministro de Segurança Pública de Sonata.
- Galileu...? – intriga-se Nathan.
- Há algo errado? – pergunta o ministro, mirando seus olhos azuis para o rapaz.
- Não é nada. É que eu conheci outra pessoa com nome de astrônomo antigo.
- Ah, é mesmo? É uma grande coincidência outra pessoa ter um nome tão diferente... Como se chamava essa pessoa que você conheceu?
Nathan responde:
- Copérnico. 
Então o ministro arregala os olhos. A partir desse momento, o homem o observava friamente como uma máquina.
- E onde você conheceu este... Copérnico?
- Em um... – ele hesita – bar... Um happy hour sexta à noite, no distrito comercial Skyline. – Mente ele.
- Qual é o nome do bar?
- Eu não me lembro.
- Você não se lembra dos lugares que você frequenta?
- Não.
- Não?
- Na verdade eu não frequento aquele bar. Foi o convite de um amigo. Íamos nos encontrar lá.
- E esse cidadão, o tal Copérnico, você se lembra dele?
- Não. Quero dizer, eu já tinha bebido algumas doses quando o conheci.
- É bastante incomum alguém ter um nome tão diferente assim, você não acha? Alguém assim a gente não esquece tão fácil.
O rapaz amargamente percebe que havia se complicado ao falar demais.
- Bem, você sabe... Era um happy hour, muita gente estava no bar.
- Eu não frequento bares. – a simpatia do ministro havia desaparecido.
Galileu abre a pasta e lê alguns arquivos, percorrendo minuciosamente os trechos grifados nas páginas de papel. Nathan lê “Ministério da Informação” na capa e se pergunta o que seria tão importante em sua vida para terem uma volumosa pasta ao seu respeito.
- Nathan Hill, funcionário da Electro Core há dez anos. Mora sozinho, perdeu os pais na infância. Ambos foram executados acidentalmente pela polícia. Eram acusados de terem envolvimento com criminosos e terroristas. – narra brevemente o ministro – Li o relatório sobre sua incursão no Setor L, e o atentado terrorista que felizmente não tirou sua vida. Também assisti à gravação de seus relatos sobre o que aconteceu além da Contenção. Devo acrescentar que há várias contradições, incertezas e inverdades no que disse. Quer me dizer o que realmente aconteceu, senhor Nathan?
- Eu já disse tudo o que aconteceu.
- Então o senhor crê que foi contaminado por um vírus, contraído ocasionalmente por estar exposto às ruínas da velha metrópole?
- Sim. Eu estou morrendo e tenho apenas 72 horas de...
- E esse vírus – interrompe ele – só pode ser curado com a ajuda de um homem sem histórico e sem registro que vive na superfície?
O rapaz abaixa sua cabeça. Pesarosamente ele percebe que nada do que disser o tirará dali.
- Sim.
Tirando um notebook de sua mala, o homem o posiciona para Nathan e diz:
- Você sabe que no para-brisa do táxis costuma haver uma câmera de segurança, aquelas dashboard cams que muitos motoristas usam para registrar acidentes no trânsito. Em seu táxi também havia uma e felizmente ela não foi destruída após o acidente. Ao contrário, ela ficou ligada o tempo todo. Assista ao vídeo, por favor.
Um vídeo começa. O rapaz reconhece a filmagem, é o táxi voando de um lado ao outro durante o ataque terrorista. Então há a explosão e a imagem do aerocarro subindo ao lado da Contenção. Em determinado momento a câmera se apaga devido ao impacto na superfície, mas ao ligar novamente, Nathan vê a si mesmo caminhando fora do veículo. Alguns minutos se passam e então ele se vê correndo desesperadamente de volta. Homens vestindo mantos pretos e máscaras de gás atiram algo nele e ele vai ao chão, sendo capturado em seguida.
Avançando o vídeo, Nathan aparece novamente, desta vez aparentando estar cansado e doente. Ele é trazido por aqueles mascarados, que instalam um sinalizador e deixam o rapaz ali. Em seguida a polícia aparece e o leva de volta. Quando tudo se silencia novamente, o vídeo fica sinistro ao mostrar dezenas de silhuetas monstruosas vindo da escuridão. Elas se aproximam da câmera, sua aparência fica mais clara e Nathan os reconhece. São aqueles ciborgues.
O ministro pausa o vídeo e olha para o espelho mágico. Ao ouvir dois toques, ele pressiona uma tecla e o vídeo prossegue.
Após alguns minutos, os dois veem os sinistros ciborgues das ruínas. Aparecendo brevemente na imagem, um deles para em frente à câmera e, observando-a atentamente, bruscamente a ataca. Então a filmagem se encerra.
O coração de Nathan dispara. O ministro lhe faz um olhar de quem descobre mentiras.
- O que está escondendo, senhor Nathan?
- Nada. – responde ele, tremendo.
- Nós assistimos ao vídeo gravado pela câmera do veículo. Muito assustador, devo dizer.
O rapaz se cala e se indispõe a falar mais. Irritado, o ministro diz:
- Senhor Nathan, você teve contato direto com criaturas desconhecidas, ajuntou informações proibidas sobre o exterior da metrópole e comprometeu a infalibilidade simbólica da Contenção. Claramente você esconde mais do que sabe. Este ato o classificaria como Inimigo de Estado, você jamais sairia impune deste crime.
- Qual crime? Não cooperar dizendo o que não sei é crime?
- Obstrução de investigação.
- Besteira!
O ministro continua:
- Estou aqui em nome da metrópole, represento a segurança e proteção de seus habitantes. Meu trabalho é zelar para que a população não seja ameaçada por agentes internos e externos, e isto inclui estes seres mutagênicos e cibernéticos – dos quais o senhor viu no Setor L – jamais comprometam o bem-estar dos trabalhadores sonatenses. Resumindo, estou aqui para defender a metrópole.
- Não. Você está aqui para defender as corporações.
- Pois bem! – sorri Galileu – As corporações são as fundadoras e mantenedoras da metrópole, merecem nossa total dedicação. Nathan, ajude-me a fazer meu trabalho. Não esconda algo que pode ser usado contra a cidade onde você vive. O equilíbrio e a paz estão em suas mãos.
- Já disse que não sei de nada! Eu não deveria estar aqui, eu sofri um acidente! Em algumas horas eu vou morrer infectado por um vírus e tudo o que vocês fazem é me acusar com ameaças! Eu sou inocente!
Nathan resiste, ele não é idiota, sabe que cooperar com a polícia corporativa é o primeiro passo para a prisão ou o desaparecimento.
Percebendo sua falta de vontade em cooperar, o ministro se apoia na mesa e, encarando-o, lhe pergunta:
- Por acaso você sabe o que está em jogo aqui?
Antes que Nathan possa respondê-lo, Galileu se levanta e sai pela porta, encerrando o interrogatório.
Observando-o do outro lado do espelho mágico, duas pessoas com a mesma aparência elegante de Galileu conversam aos sussurros. O ministro de Segurança Pública entra e então diz:
- Claramente ele esconde algo. O que quer que tenha visto no Setor L ele oculta em segredos.
- Você tem certeza? Talvez ele seja mais um desses terroristas com um manifesto político. – diz um dos dois. Em seu crachá está escrito “Ministro da Informação”.
- É provável, Arquimedes. Ele conheceu Copérnico, seu antecessor que foi banido por cooperar com os habitantes das ruínas. Em que outro lugar ele poderia tê-lo conhecido senão no Setor L?
- Não está se precipitando, Galileu? Talvez o ex-ministro esteja morto, ninguém sobreviveria tanto tempo lá fora. Pode ser um outro Copérnico. – responde o terceiro homem. Em seu crachá está escrito “Ministro da Telecomunicação”.
- E existe outro com um nome tão diferente que não seja da cúpula, Sócrates? Não vou permitir que este homem ponha em risco a segurança pública. As corporações não serão tão complacentes conosco se falharmos aqui.
Os três assentem. Medidas extremas devem ser tomadas para manter a ordem. A mão de ferro das corporações não perdoa os erros de seus ministros.
O guarda conduz Nathan de volta à sua cela. Após retirar seu colar, o guarda tranca a porta atrás de si.
Da janela ele vê três aerocarros caríssimos voarem por cima da prisão e voltarem para a metrópole. Com seu acidente, Nathan incomodou gente importante e agora jamais terá sua vida de volta por causa disso.

§

À noite, o rapaz está deitado olhando para o teto. A comida está ao seu lado, mas é difícil come-la pois cheira a óleo lubrificante e tem gosto ácido. A cela é apertada e maçante, ele luta para manter o controle no confinamento.
De repente uma luz brilhante emana de seu prato, assustando-o. Ele encontra um objeto oculto na comida. Segurando-o, ele enxerga um Holocubo.
De repente a imagem holográfica aparece, exibindo um homem vestido com uma jaqueta de couro e calça jeans. Ele tem cabelos castanhos e uma arma laser em sua perna.
- Prisioneiro Nathan, aqui é o Agente Maynard. A porta de sua cela está destrancada, siga exatamente minhas instruções e seja rápido. Você não tem muito tempo.
Ele ouve a porta se destrancar e, hesitante, a abre. Assim que põe os pés no corredor, os alarmes disparam e luzes vermelhas acordam toda a prisão. Assustado, Nathan corre pelo corredor aos gritos de centenas de detentos agitados com o grande alvoroço. Sem perceber, ele passa por cima de uma luz piscante, então alguém atrás dele grita:
- Ei, você!

O guarda semi-robótico corre atrás dele. Ao passar por cima da luz ela explode, despedaçando o homem-máquina em centenas de pedaços. O lugar tinha armadilhas, sua fuga estava sendo monitorada.
Chegando ao refeitório, vários guardas aparecem numa plataforma sobre o salão, cercando-o. Acopladas ao teto, metralhadoras lasers são ativadas e alvejam os cibernéticos guardas, eliminando-os um a um. Um deles grita:
- Alguém está na sala de comando!
No centro do refeitório, uma sala redonda e saliente serve posto de vigilância sobre o local, ali é a sala de comando da prisão. Nathan vê os guardas correrem sobre a plataforma em direção a ela. Ao abrirem a porta, a sala inteira se explode, criando uma imensa esfera de fogo, vidro e estilhaços.
No outro lado do salão, uma enorme porta se abre, revelando um corredor com mais celas. Um guarda grita aos demais:
- Estão hackeando as portas!
Passando pelo corredor, Nathan vê que a porta das celas são vidros inquebráveis e vários detentos batem nele, tentando escapar daquela hermética prisão. Correndo o mais rápido que pode, Nathan se depara com uma escadaria e uma placa escrito “saída”. Subindo os degraus, ele estranhamente se lembra que esteve fugindo de bizarras criaturas no Setor L, desesperado para salvar sua vida. A história se repete.
Uma voz no alto-falante diz:
“Prisioneiro Nathan, a porta do estacionamento no fim das escadas está trancada. Você terá de hackear a trava eletrônica”.
- Eu não sei hackear! – responde ele, mesmo achando que seu interlocutor não pode ouvi-lo.
“Você sabe sim”.
- Pode me ouvir?
“Cale a boca e faça o que eu mando!”
Nathan se assusta. Hackear sistemas públicos é crime gravíssimo, a punição prevista é reclusão de no mínimo uma década. Até isso o desconhecido sabe ao seu respeito?
Imediatamente as funções extras em suas próteses biomecânicas são restabelecidas e o chip implantado em seu crânio cria imagens informativas em sua visão cerebral.
“Visão cognitiva... Iniciado”.
“Interface no sistema integrado do ciberespaço... Iniciado”.
“Funções sistematizadas nas próteses biomecânicas... Iniciado”.
“Armazenamento de dados no Neural Drive... Iniciado”.
“Acesso às redes corporativas... Liberado”.
“Iniciando sessão...”
“Sistema online”.
A trava eletrônica da porta à sua frente é semelhante à trava da porta de seu apartamento, um pequeno visor e um painel com números e letras. De seu braço mecânico ele abre um compartimento e retira um cabo com dois conectores. Ele insere uma ponta no plugue da trava e a outra ponta ele conecta a um um plugue oculto na lateral de seu crânio. Colunas de letras surgem em sua visão, depois vários números vão se formando em uma extensa matriz numérica. Opções surgem: decifrar; codificar; interromper; liberar. Em comando cerebral, ele navega pela interface do equipamento, tentando recuperar a sequência do código de destrave.
Sons de disparos das metralhadoras são ouvidos lá embaixo. A voz fala pelo autofalante:
“Rápido, Nathan. Eu não posso segurá-los por muito tempo”.
Minutos se passam, o rapaz escorre em suor. Se seu braço fosse orgânico ele estaria tremendo agora. As letras e números inundam a visão com colunas e colunas sem fim. Os gritos lá embaixo estão mais audíveis.
“Depressa! Você quer viver?”
- Estou fazendo o mais rápido que posso!
Nove espaços aparecem e lentamente são preenchidos com algarismos retirados das colunas. A palavra se forma: L1B3RTY.
“Liberdade”?!
A porta se abre. Retirando rapidamente o cabo da trava e desligando a interface neural do ciberespaço, ele entra no estacionamento, fechando a porta atrás de si.
Nathan corre. O local está repleto de aerocarros e adiante ele vê a área descoberta onde eles levantam voo. Como uma má notícia em um momento de euforia, ele percebe em espanto: “para onde eu estou indo?”.
O tiro laser atinge o chão ao lado de seu pé e desfaz sua distração. Os guardas já estão no estacionamento, eles o encontraram! Sem tempo para pensar, ele corre novamente para seu objetivo, o ponto de aterrissagem.
Os tiros atingem os aerocarros ao redor, disparando os alarmes. O chão sujo de óleo suja seus pés descalços, os passos metálicos dos guardas formam uma marcha fúnebre predizendo sua morte. Será que eles estão tão possessos que não querem mais capturá-lo, mas sim exterminá-lo por causar tanto transtorno?
O rapaz se esconde atrás de um aerocarro e grita:
- Não é minha culpa! A ideia não foi minha!
Os guardas o respondem com uma rajada de tiros lasers. Eles não estão para conversa. Voltando a correr, ele chega na área descoberta e vê as estrelas no noturno céu pós-apocalíptico. Parando à beira do edifício, ele se desequilibra ao ver a elevada altura sobre o fosso negro. Não há mais para onde correr.
- Maynard, se você consegue me ouvir, me ajude!
Diante da abertura, os guardas param um ao lado do outro e apontam suas armas, mirando o laser inofensivo antes do laser destrutivo que tirará sua vida. De repente um objeto cai aos pés dos guardas e explode, lançando-os ao ar. Nathan então se desequilibra e cai da beirada do prédio.
Seu corpo mal consegue sentir a aceleração da gravidade quando colide contra o teto de um aerocarro logo abaixo. Ele se confunde.
O teto solar do veículo se abre e uma voz ordena:
- Entre no aerocarro, rápido!
Há um homem lá dentro, é Maynard. Ao apertar um botão vermelho, o painel inteiro se acende em dezenas de luzes coloridas. O para-brisa também se acende, exibindo o sistema viário do espaço aéreo metropolitano.
- Boa noite! – cumprimenta alguém com voz feminina.
- Computador, nos leve para o setor comercial Titan. – Então ele olha para o rapaz e diz – Olá, Nathan.
O rapaz está todo desajeitado no carro, de ponta-cabeça no banco de passageiro. Ao ver o homem lhe estender a mão, ele timidamente o cumprimenta.  
- Quem é você?
- Eu já te falei quem eu sou. Agora me ouça. Tirá-lo da prisão me custou muitos créditos, então não estrague tudo e fique perto de mim se quiser viver.
Então o aerocarro levanta voo e deixa a caótica prisão para trás.


Nenhum comentário:

Postar um comentário