Nathan, um
simples rapaz vítima de um atentado terrorista, foi encerrado em uma prisão. Suspeito
de atividade criminosa, ele foi preso até que as investigações preventivas o
inocentem.
Em sua minúscula
cela, campos de força transmitem ondas eletromagnéticas, inibindo o
funcionamento de seus implantes, permitindo que apenas seus membros
fisionômicos se movimentem normalmente. Os guardas não querem que ele seja um
ameaça.
Olhando pela
pequena janela no alto da parede, ele vê as chaminés, caldeiras, reatores e
instalações da indústria pesada. O presídio fica em um dos distritos
industriais espalhados pela metrópole. Ali é um local afastado,
convenientemente escolhido para abrigar os inadequados para viver em sociedade.
O tempo passa em
longos e demorados minutos. Nathan chora. O vírus está se espalhando por seu
organismo, ele vê sua pele empalidecer. Preocupado com seu futuro, ele se
pergunta o que será de sua vida agora.
Alguém abre a
porta de sua cela. Um guarda – um verdadeiro ciborgue com membros
robóticos e olhos sintéticos – põe um colar eletrônico em seu
pescoço. No colar o rapaz vê uma luz vermelha piscando constantemente. Ao
tirá-lo da cela, o rapaz pergunta:
- Aonde está me
levando?
- À sala de
interrogatório. – responde o guarda, com voz robótica.
O rapaz entra na
sala com paredes brancas e um espelho mágico na parede. No meio da sala há uma
mesa com duas cadeiras. Ele se senta e vê uma pasta de arquivos sobre a mesa. A
porta se abre e um homem mais velho, vestido com terno e gravata, entra. Seus
trajes elegantes e sua postura requintada não combinam com o subversivo
ambiente.
- Boa tarde, senhor Nathan. Como vai? – pergunta o homem, sentando-se à sua frente.
- Bem, eu acho. –
responde o rapaz, um pouco confuso e sem a eloquência de seu visitante.
- Meu nome é
Galileu, sou o ministro de Segurança Pública de Sonata.
- Galileu...? – intriga-se
Nathan.
- Há algo errado?
– pergunta o ministro, mirando seus olhos azuis para o rapaz.
- Não é nada. É
que eu conheci outra pessoa com nome de astrônomo antigo.
- Ah, é mesmo? É
uma grande coincidência outra pessoa ter um nome tão diferente... Como se
chamava essa pessoa que você conheceu?
Nathan responde:
Então o ministro
arregala os olhos. A partir desse momento, o homem o observava friamente como
uma máquina.
- E onde você
conheceu este... Copérnico?
- Em um... – ele
hesita – bar... Um happy hour sexta à noite, no distrito comercial Skyline. –
Mente ele.
- Qual é o nome
do bar?
- Eu não me
lembro.
- Você não se
lembra dos lugares que você frequenta?
- Não.
- Não?
- Na verdade eu
não frequento aquele bar. Foi o convite de um amigo. Íamos nos encontrar lá.
- E esse cidadão,
o tal Copérnico, você se lembra dele?
- Não. Quero
dizer, eu já tinha bebido algumas doses quando o conheci.
- É bastante
incomum alguém ter um nome tão diferente assim, você não acha? Alguém assim a
gente não esquece tão fácil.
O rapaz
amargamente percebe que havia se complicado ao falar demais.
- Bem, você
sabe... Era um happy hour, muita gente estava no bar.
- Eu não
frequento bares. – a simpatia do ministro havia desaparecido.
Galileu abre a
pasta e lê alguns arquivos, percorrendo minuciosamente os trechos grifados nas
páginas de papel. Nathan lê “Ministério da Informação” na capa e se pergunta o
que seria tão importante em sua vida para terem uma volumosa pasta ao seu
respeito.
- Nathan Hill,
funcionário da Electro Core há dez anos. Mora sozinho, perdeu os pais na
infância. Ambos foram executados acidentalmente pela polícia. Eram acusados de
terem envolvimento com criminosos e terroristas. – narra brevemente o ministro
– Li o relatório sobre sua incursão no Setor L, e o atentado terrorista que
felizmente não tirou sua vida. Também assisti à gravação de seus relatos sobre
o que aconteceu além da Contenção. Devo acrescentar que há várias contradições,
incertezas e inverdades no que disse. Quer me dizer o que realmente aconteceu,
senhor Nathan?
- Eu já disse
tudo o que aconteceu.
- Então o senhor
crê que foi contaminado por um vírus, contraído ocasionalmente por estar
exposto às ruínas da velha metrópole?
- Sim. Eu estou
morrendo e tenho apenas 72 horas de...
- E esse vírus –
interrompe ele – só pode ser curado com a ajuda de um homem sem histórico e sem
registro que vive na superfície?
O rapaz abaixa
sua cabeça. Pesarosamente ele percebe que nada do que disser o tirará dali.
- Sim.
Tirando um
notebook de sua mala, o homem o posiciona para Nathan e diz:
- Você sabe que
no para-brisa do táxis costuma haver uma câmera de segurança, aquelas dashboard
cams que muitos motoristas usam para registrar acidentes no trânsito. Em seu
táxi também havia uma e felizmente ela não foi destruída após o acidente. Ao
contrário, ela ficou ligada o tempo todo. Assista ao vídeo, por favor.
Um
vídeo começa. O rapaz reconhece a filmagem, é o táxi voando de um lado ao outro
durante o ataque terrorista. Então há a explosão e a imagem do aerocarro
subindo ao lado da Contenção. Em determinado momento a câmera se apaga devido
ao impacto na superfície, mas ao ligar novamente, Nathan vê a si mesmo
caminhando fora do veículo. Alguns minutos se passam e então ele se vê correndo
desesperadamente de volta. Homens vestindo mantos pretos e máscaras de gás
atiram algo nele e ele vai ao chão, sendo capturado em seguida.
Avançando o
vídeo, Nathan aparece novamente, desta vez aparentando estar cansado e doente.
Ele é trazido por aqueles mascarados, que instalam um sinalizador e deixam o
rapaz ali. Em seguida a polícia aparece e o leva de volta. Quando tudo se
silencia novamente, o vídeo fica sinistro ao mostrar dezenas de silhuetas
monstruosas vindo da escuridão. Elas se aproximam da câmera, sua aparência fica
mais clara e Nathan os reconhece. São aqueles ciborgues.
O ministro pausa
o vídeo e olha para o espelho mágico. Ao ouvir dois toques, ele
pressiona uma tecla e o vídeo prossegue.
Após alguns
minutos, os dois veem os sinistros ciborgues das ruínas. Aparecendo brevemente
na imagem, um deles para em frente à câmera e, observando-a atentamente, bruscamente a ataca. Então a filmagem se encerra.
O coração de
Nathan dispara. O ministro lhe faz um olhar de quem descobre mentiras.
- O que está
escondendo, senhor Nathan?
- Nada. – responde
ele, tremendo.
O rapaz se cala e
se indispõe a falar mais. Irritado, o ministro diz:
- Senhor Nathan,
você teve contato direto com criaturas desconhecidas, ajuntou informações proibidas
sobre o exterior da metrópole e comprometeu a infalibilidade simbólica da Contenção.
Claramente você esconde mais do que sabe. Este ato o classificaria como Inimigo
de Estado, você jamais sairia impune deste crime.
- Qual crime? Não cooperar dizendo o que não sei é crime?
- Obstrução de
investigação.
- Besteira!
O ministro
continua:
- Estou aqui em
nome da metrópole, represento a segurança e proteção de seus habitantes. Meu
trabalho é zelar para que a população não seja ameaçada por agentes internos e
externos, e isto inclui estes seres mutagênicos e cibernéticos – dos quais o
senhor viu no Setor L – jamais comprometam o bem-estar dos trabalhadores
sonatenses. Resumindo, estou aqui para defender a metrópole.
- Não. Você está
aqui para defender as corporações.
- Pois bem! – sorri
Galileu – As corporações são as fundadoras e mantenedoras da metrópole, merecem nossa total dedicação. Nathan,
ajude-me a fazer meu trabalho. Não esconda algo que pode ser usado contra a
cidade onde você vive. O equilíbrio e a paz estão em suas mãos.
- Já disse que
não sei de nada! Eu não deveria estar aqui, eu sofri um acidente! Em algumas
horas eu vou morrer infectado por um vírus e tudo o que vocês fazem é me acusar
com ameaças! Eu sou inocente!
Nathan resiste,
ele não é idiota, sabe que cooperar com a polícia corporativa é o primeiro
passo para a prisão ou o desaparecimento.
Percebendo sua
falta de vontade em cooperar, o ministro se apoia na mesa e, encarando-o, lhe pergunta:
- Por acaso você
sabe o que está em jogo aqui?
Antes que Nathan
possa respondê-lo, Galileu se levanta e sai pela porta, encerrando o
interrogatório.
Observando-o do
outro lado do espelho mágico, duas pessoas com a mesma aparência elegante de
Galileu conversam aos sussurros. O ministro de Segurança Pública entra e então
diz:
- Claramente ele esconde
algo. O que quer que tenha visto no Setor L ele oculta em segredos.
- Você tem
certeza? Talvez ele seja mais um desses terroristas com um manifesto político.
– diz um dos dois. Em seu crachá está escrito “Ministro da Informação”.
-
É provável, Arquimedes. Ele conheceu Copérnico, seu antecessor que foi banido
por cooperar com os habitantes das ruínas. Em que outro lugar ele poderia tê-lo
conhecido senão no Setor L?
- Não está se
precipitando, Galileu? Talvez o ex-ministro esteja morto, ninguém sobreviveria
tanto tempo lá fora. Pode ser um outro Copérnico. – responde o terceiro homem.
Em seu crachá está escrito “Ministro da Telecomunicação”.
- E existe outro com
um nome tão diferente que não seja da cúpula, Sócrates? Não vou permitir
que este homem ponha em risco a segurança pública. As corporações não
serão tão complacentes conosco se falharmos aqui.
Os três assentem.
Medidas extremas devem ser tomadas para manter a ordem. A mão de ferro das
corporações não perdoa os erros de seus ministros.
O guarda conduz
Nathan de volta à sua cela. Após retirar seu colar, o guarda tranca a porta
atrás de si.
Da janela ele vê
três aerocarros caríssimos voarem por cima da prisão e voltarem para a metrópole.
Com seu acidente, Nathan incomodou gente importante e agora jamais terá sua
vida de volta por causa disso.
§
À noite, o rapaz
está deitado olhando para o teto. A comida está ao seu lado, mas é difícil
come-la pois cheira a óleo lubrificante e tem gosto ácido. A cela é apertada e
maçante, ele luta para manter o controle no confinamento.
De repente uma
luz brilhante emana de seu prato, assustando-o. Ele encontra um objeto oculto
na comida. Segurando-o, ele enxerga um Holocubo.
De repente a
imagem holográfica aparece, exibindo um homem vestido com uma jaqueta de couro
e calça jeans. Ele tem cabelos castanhos e uma arma laser em sua perna.
- Prisioneiro
Nathan, aqui é o Agente Maynard. A porta de sua cela está destrancada, siga
exatamente minhas instruções e seja rápido. Você não tem muito tempo.
Ele ouve a porta
se destrancar e, hesitante, a abre. Assim que põe os pés no corredor, os
alarmes disparam e luzes vermelhas acordam toda a prisão. Assustado, Nathan
corre pelo corredor aos gritos de centenas de detentos agitados com o grande
alvoroço. Sem perceber, ele passa por cima de uma luz piscante, então alguém
atrás dele grita:
- Ei, você!
O
guarda semi-robótico corre atrás dele. Ao passar por cima da luz ela explode,
despedaçando o homem-máquina em centenas de pedaços. O lugar tinha armadilhas,
sua fuga estava sendo monitorada.
Chegando ao
refeitório, vários guardas aparecem numa plataforma sobre o salão, cercando-o. Acopladas
ao teto, metralhadoras lasers são ativadas e alvejam os cibernéticos guardas, eliminando-os um a um.
Um deles grita:
- Alguém está na
sala de comando!
No centro do
refeitório, uma sala redonda e saliente serve posto de vigilância sobre o local, ali é a sala de comando da prisão. Nathan vê os guardas correrem sobre a plataforma
em direção a ela. Ao abrirem a porta, a sala inteira se explode, criando uma
imensa esfera de fogo, vidro e estilhaços.
No outro lado do salão,
uma enorme porta se abre, revelando um corredor com mais celas. Um guarda grita
aos demais:
- Estão hackeando
as portas!
Passando pelo corredor,
Nathan vê que a porta das celas são vidros inquebráveis e vários detentos batem
nele, tentando escapar daquela hermética prisão. Correndo o mais rápido que
pode, Nathan se depara com uma escadaria e uma placa escrito “saída”. Subindo
os degraus, ele estranhamente se lembra que esteve fugindo de bizarras
criaturas no Setor L, desesperado para salvar sua vida. A história se repete.
Uma voz no
alto-falante diz:
“Prisioneiro
Nathan, a porta do estacionamento no fim das escadas está trancada. Você terá
de hackear a trava eletrônica”.
- Eu não sei
hackear! – responde ele, mesmo achando que seu interlocutor não pode ouvi-lo.
“Você sabe sim”.
- Pode me ouvir?
“Cale a boca e
faça o que eu mando!”
Nathan se
assusta. Hackear sistemas públicos é crime gravíssimo, a punição prevista é
reclusão de no mínimo uma década. Até isso o desconhecido sabe ao seu respeito?
Imediatamente as
funções extras em suas próteses biomecânicas são restabelecidas e o chip
implantado em seu crânio cria imagens informativas em sua visão cerebral.
“Visão cognitiva...
Iniciado”.
“Interface no
sistema integrado do ciberespaço... Iniciado”.
“Funções
sistematizadas nas próteses biomecânicas... Iniciado”.
“Armazenamento de
dados no Neural Drive... Iniciado”.
“Acesso às redes
corporativas... Liberado”.
“Iniciando
sessão...”
“Sistema online”.
A trava
eletrônica da porta à sua frente é semelhante à trava da porta de seu
apartamento, um pequeno visor e um painel com números e letras. De seu braço
mecânico ele abre um compartimento e retira um cabo com dois conectores. Ele
insere uma ponta no plugue da trava e a outra ponta ele conecta a um um plugue
oculto na lateral de seu crânio. Colunas de letras surgem em sua visão, depois
vários números vão se formando em uma extensa matriz numérica. Opções surgem:
decifrar; codificar; interromper; liberar. Em comando cerebral, ele navega pela
interface do equipamento, tentando recuperar a sequência do código de destrave.
“Rápido, Nathan.
Eu não posso segurá-los por muito tempo”.
Minutos se
passam, o rapaz escorre em suor. Se seu braço fosse orgânico ele estaria
tremendo agora. As letras e números inundam a visão com colunas e colunas sem
fim. Os gritos lá embaixo estão mais audíveis.
“Depressa! Você
quer viver?”
- Estou fazendo o
mais rápido que posso!
Nove espaços
aparecem e lentamente são preenchidos com algarismos retirados das colunas. A
palavra se forma: L1B3RTY.
“Liberdade”?!
A porta se abre.
Retirando rapidamente o cabo da trava e desligando a interface neural do
ciberespaço, ele entra no estacionamento, fechando a porta atrás de si.
Nathan corre. O local
está repleto de aerocarros e adiante ele vê a área descoberta onde eles
levantam voo. Como uma má notícia em um momento de euforia, ele percebe em
espanto: “para onde eu estou indo?”.
O tiro laser
atinge o chão ao lado de seu pé e desfaz sua distração. Os guardas já estão no
estacionamento, eles o encontraram! Sem tempo para pensar, ele corre novamente
para seu objetivo, o ponto de aterrissagem.
Os tiros atingem
os aerocarros ao redor, disparando os alarmes. O chão sujo de óleo suja seus
pés descalços, os passos metálicos dos guardas formam uma marcha fúnebre
predizendo sua morte. Será que eles estão tão possessos que não querem mais
capturá-lo, mas sim exterminá-lo por causar tanto transtorno?
O rapaz se
esconde atrás de um aerocarro e grita:
- Não é minha
culpa! A ideia não foi minha!
Os guardas o
respondem com uma rajada de tiros lasers. Eles não estão para conversa.
Voltando a correr, ele chega na área descoberta e vê as estrelas no noturno céu
pós-apocalíptico. Parando à beira do edifício, ele se desequilibra ao ver a
elevada altura sobre o fosso negro. Não há mais para onde correr.
- Maynard, se
você consegue me ouvir, me ajude!
Diante da
abertura, os guardas param um ao lado do outro e apontam suas armas, mirando o
laser inofensivo antes do laser destrutivo que tirará sua vida. De
repente um objeto cai aos pés dos guardas e explode, lançando-os ao ar. Nathan então se desequilibra e cai da beirada do prédio.
Seu corpo mal
consegue sentir a aceleração da gravidade quando colide
contra o teto de um aerocarro logo abaixo. Ele se confunde.
O teto solar do
veículo se abre e uma voz ordena:
- Entre no
aerocarro, rápido!
Há um homem lá
dentro, é Maynard. Ao apertar um botão vermelho, o painel inteiro se acende em
dezenas de luzes coloridas. O para-brisa também se acende, exibindo o sistema
viário do espaço aéreo metropolitano.
- Boa noite! – cumprimenta
alguém com voz feminina.
- Computador, nos
leve para o setor comercial Titan. – Então ele olha para o rapaz e diz – Olá,
Nathan.
O rapaz está todo
desajeitado no carro, de ponta-cabeça no banco de passageiro. Ao ver o homem
lhe estender a mão, ele timidamente o cumprimenta.
- Quem é você?
- Eu já te falei
quem eu sou. Agora me ouça. Tirá-lo da prisão me custou muitos créditos, então
não estrague tudo e fique perto de mim se quiser viver.
Então o aerocarro
levanta voo e deixa a caótica prisão para trás.
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