sábado, 1 de novembro de 2014

A Pessoa Que Mais Amei



Nesta guerra eu vi meninos se transformarem em homens
E vi homens chorarem como crianças
E esses meninos dóceis e ingênuos
Que ainda não sabem nada sobre a vida
Se tornaram homens embrutecidos pela selvageria da guerra

Meninos cujos sorrisos alegres, típicos da juventude
Se tornaram semblantes carrancudos de angústia e desespero
Vejo nos olhos dessas crianças o medo
Vejo o vigor de seus corpos se desvanecer no horror
Crianças cheias de vida, tão cheias de vontade de viver
Tendo de encarar a face infernal da morte

Mais uma vez um ataque
Mais uma vez um bombardeio
Mais uma vez cairá uma chuva de explosões
Os badalos dos sinos do próprio inferno
O som de Lúcifer cavalgando sobre a terra
Hoje as bombas do inimigo levarão mais vidas

E esses meninos tornados homens, tornados soldados
Morrem às centenas em montes de terra, fogo e fumaça
E antes de partir eles agonizam dolorosamente
Em gritos horríveis e choros extensos
E em seus últimos minutos
Eles chamam por suas mães

Chamam por aquela que mais os amou
Pela pessoa que os amou desde quando estavam em seus ventres
Que sempre cuidou deles
Que sempre lhes deu amor e carinho
Que os alimentou
Que os vestiu
Que os educou
Que os ensinou a serem bons meninos
Que prometeu protegê-los
Que nunca os deixaria sozinhos

Diferente deles eu não tive uma mãe para chamar
O que eu tive foi uma mãe leviana e dissimulada
Uma mãe que nunca me deu amor e carinho
Uma mãe que foi uma vadia barata
Uma mãe que me odiava
Uma mãe que me deixou passando fome
Alguém que me desprezou
Alguém que nunca me educou
Uma mãe que me deixou passando frio
Uma mãe que logo cedo me abandonou

Mas a vida me presenteou com uma mulher
Que mais que tudo no mundo me amou
Uma esposa carinhosa e dedicada
Que jamais me abandonou
Abro o meu colar e vejo a foto dela
E passo a ponta dos dedos em seu rosto
Sinto tanta saudade
Deus sabe como sinto saudade
Maldita guerra que separou meu amor de mim
Não sei dizer se sairei vivo daqui
Talvez ninguém sobreviva ao conflito
Então eu me pergunto:
Será que a verei novamente?

Começa outro ataque
Correria e pânico se alastram pelo front
Se esquivar das bombas é como se esquivar das investidas de Satanás
Os jovens soldados morrem novamente
Eles não têm experiência em combate
Eu corro de um lado ao outro
A fumaça densa ofusca meus olhos
Então a bomba explode ao meu lado
E voo pelos ares em meio a lama e a fumaça
Ao cair no chão tudo perde o sentido
Meu corpo estava destruído
A guerra acabou para mim

A morte se aproxima
As feridas se abrem e meu corpo sangra
Incapaz de resistir ao choque
Eu percebo que não vou sobreviver
Eu sinto medo
Eu sinto muito medo
Finalmente sei o que aqueles meninos sentiram antes de morrer
Solitários e assustados sem suas mães para os socorrerem

Lágrimas se formam em meus olhos e eu sofro
Estou com tanto medo
Me sinto tão fraco, solitário e desprotegido
A dor é forte, mas a dor maior é em meu peito
Onde está você, meu amor?

Encho meus pulmões e grito
Chamo o mais alto que posso pela única pessoa que pode me ajudar
Eu peço socorro
Na vã tentativa que ela venha e me diga que a guerra acabou
Que eu estou a salvo
E que eu não mais sentirei dor
Me diga que eu não ficarei sozinho de novo
E que ela cuidará sempre de mim
Que juntos iremos para casa
E que tudo vai ficar bem

Chamo pela pessoa que mais amo
Sim, a pessoa que mais amei
A pessoa que cuidou de mim
A pessoa que faria tudo por mim
Eu grito:
“Talita!”
“Talita!”
Mas não há resposta
Nunca haverá resposta
Por que ela nunca me ouvirá
E nunca virá ao meu socorro

A morte vem e põe um véu negro sobre meu rosto
Meus olhos arregalados veem apenas escuridão
Minha respiração intensa perde a força e cessa
E aquela dor intensa se esgota e logo vai embora
Mas a imagem dela fica em minha mente
E ficará até o dia em que eu viver novamente

Quando morreram, os meninos chamaram pela pessoa que mais amaram
Eu também


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