quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Sonata - Parte 7 - Runners




Laura e Vertigo correm. Com agilidade extrema, eles passam por obstáculos com tremenda facilidade. Ninguém que os vê correndo pode negar-lhes admiração, pois eles correm com perfeição, com maestria, como alguém que corre por puro prazer. Correr é sua profissão, seu estilo de vida, sua maneira mais pura e emocionante de viver.
Eles pulam de tubo em tubo, correndo entre as enormes megatorres em uma altura vertiginosa. Cada músculo de seus corpos trabalhando para os tornarem ágeis como os gatos e fluídos como o vento. Naquela agitada noite eles cruzavam os céus como morcegos.
Os runners chegam a uma passarela. Lentamente subindo pelo ar, uma viatura aparece às suas frentes. Mirando o holofote aos seus olhos, uma voz no alto-falante diz:
- Parados! Aqui é a Polícia!
Os transeuntes abandonam a passarela, assustados. Vertigo olha ao redor, pensando no que fazer. Ficar parado ali é arriscado demais. Então a voz na viatura continua:
- Vocês pensaram que podiam invadir o Ministério da Informação e fugir facilmente da polícia, seus filhos da...
Rápida como um relâmpago, Laura saca sua arma e atira contra o holofote. Erguendo-se no capô da viatura, uma metralhadora começa a girar e prepara-se para atirar neles. Os dois então pulam sobre o aerocarro e a arrancam, desarmando-o.
Vestindo seus capacetes de tropa de choque com viseiras escuras, os policiais olham para o para-brisa e veem aquela bela garota, uma loira atlética e de olhar feroz, apontar a metralhadora de volta para eles. Os canos começam a girar e então um dos policiais grita:
- Abaixe-se!
Laura dispara freneticamente, alvejando repetidas vezes o aerocarro. Destruindo os sistemas de voo, a viatura perde o controle e começa a subir, elevando-se entre as megatorres.
Ganhando mais altitude, a viatura sobe pelas vias virtuais, obstruindo perigosamente o trânsito. Os aerocarros desviam bruscamente por cima, por baixo e pelos lados, passando por eles a poucos metros de distância. Os runners pulam no terraço de um edifício pouco antes de um aerocarro colidir contra a viatura e causar uma explosão.
Em seguida os runners escalam uma megatorre com agilidade esplêndida. Mais viaturas aparecem, mas não conseguem enxergá-los entre os numerosos outdoors. Correndo sobre uma passarela, o hacker vê uma avenida e vários aerocarros parados no sinal vermelho.
- Laura! Por aqui!
Pulando sobre os veículos, os dois correm por cima dos tetos, assustando os distraídos motoristas atrás dos volantes.
Como se os dois tivessem um elo mental para suas loucuras em suas fugas alucinantes, o hacker se agarra na parte de baixo de um aerocarro voando na direção contrária. Laura o vê e, pegando outro aerocarro, faz o mesmo. Pendurados a centenas de metros de altura acima do solo, eles voam pelo céu de Sonata.
A polícia se aproxima e os persegue. Tiros são disparados contra os veículos, sem se importar se os motoristas têm envolvimento com os runners ou não. Aparentemente o motorista do aerocarro de Vertigo é atingido e ele perde a direção do veículo. Soltando-se, ele cai sobre um terraço, rolando agilmente para conter o impacto. Laura vê seu companheiro e se solta também, caindo no teto de um aerocarro abaixo e lançando-se sobre o terraço de outra megatorre.
Vendo o local onde Vertigo se encontra, Laura corre em sua direção. Ela pula por sobre os parapeitos, rola por debaixo dos dutos e consegue inclusive correr verticalmente pela parede antes de se impulsionar e alcançar outra saliência. Nada consegue conte-la em seu percurso.
Vertigo corre ao lado dos enormes letreiros de neon. A polícia está em seu encalço e atira contra ele, fazendo as coloridas lâmpadas se estourarem em milhares de fragmentos de luz. Vendo uma barra à sua frente, ele a agarra e impulsiona-se, lança-se contra outro terraço. O outro prédio tem mais painéis luminosos, tornando a visão dos policiais difícil.
Enquanto procuram pelo fugitivo, alguém ao lado chama os policiais.
- Ei!
Os policiais viram suas cabeças. Eles então veem uma mulher parada ao lado, curiosamente olhando para eles. De repente ele ergue seu braço e lhes aponta sua arma. Assustados, os policiais se abaixam e ela atira, fria e implacável como uma assassina. Os policiais se protegem, mas são feridos pelo vidro estilhaçado do veículo.
Vertigo está em outro terraço e vê sua companheira atirando. Ela não demonstra reação ou hesitação alguma, o hacker se assusta. Database estava certo sobre ela, Laura não abandonou seus velhos hábitos e seu passado. Na verdade, nada mudou. Laura ainda é Lótus.
A viatura perde o controle e voa sem direção pelo céu. Vertigo aponta a direção a seguir e os dois continuam seu caminho.
Algumas megatorres à frente, os runners chegam a uma larga passarela. Ali eles veem os vendedores e camelôs fazendo seus negócios normalmente. De repente uma explosão é ouvida na entrada do túnel, assustando-os. Uma dúzia de policiais aparecem entre a fumaça e, ao verem Laura, dizem:
- Parada!
Portando rifles lasers, eles os apontam para ela e abrem fogo. Vertigo a puxa e a joga no chão, virando um balcão de vendas em seguida. Os transeuntes fogem desesperados, e em meio à confusão, alguns são atingidos nas costas.
- Eles nem esperaram as pessoas evacuarem! – comenta o hacker.
Os policiais atiram novamente, arruinando sua improvisada proteção. Laura pede mais munição a Vertigo, preocupando-o.
- O que você vai fazer? Eles são muitos!
- Observe.
Passando por cima da entrada do túnel, a garota vê tubulações vermelhas de gás propano. Esperando pelo momento certo, ela ergue sua cabeça e atira, provocando uma enorme labareda da explosão. Os policiais são lançados ao ar, caindo pela passarela.
Atrás deles, no outro túnel, eles ouvem mais policiais chegando. Vertigo diz para eles irem quando Laura vê um rifle laser caindo em sua direção. O hacker já está em outra megatorre quando vê a garota empunhando um rifle com grande curiosidade e habilidade.
- Laura, temos que ir! Deixe isso aí!
Os runners sabem que é difícil correr portando rifles, portanto eles preferem armas menores, deixando livre as duas mãos. Objetos longos e desajeitados atrapalhavam, limitando seus movimentos.
Mas a garota o ignora. Ela pula sobre uma plataforma adjacente e esconde-se até a polícia aparecer.     
Os policiais aparecem e, ao se depararem com a passarela vazia, são surpreendidos com uma rajada de tiros lasers vindos abaixo de si. Alguns são atingidos nos ombros e nos braços, obrigando-os a se abaixar. Enquanto atira, o hacker olha para Laura e tem a impressão de vê-la sorrindo. Instaurado o caos, Vertigo a puxa e ambos continuam fugindo.
Alguém lá em cima, vendo-os fugir, grita:
- Essa garota é louca...!
Atravessando algumas megatorres, o hacker avista um andar estacionamento. Correndo entre os aerocarros, ele avista uma bela aeromoto vermelha. Interrompendo-a, ele diz:
- Laura, espere.
Agachando-se, ele conecta um aparelho na ignição do veículo e tenta hackea-lo. Viaturas policiais passam pelo edifício, aumentando a tensão.
- Rápido, Vertigo.     
Mais viaturas são vistas. Algumas entram no andar e procuram pelos fugitivos entre os aerocarros estacionados.
- Vertigo...
- Calma, estou indo o mais rápido que posso...!
De repente o painel da aeromoto se ilumina todo e o motor se inicia.
Atrás do para-brisa, os policiais sondam o andar lentamente. Então uma aeromoto surge às suas frentes, com os ousados runners sobre ela. Manobrando-a, a aeromoto sai em arrancada pelo estacionamento.
- Lá estão eles!
Há uma vidraça na saída do andar. Avançando contra ela, Vertigo a atravessa, estourando-a em milhares de pedaços pelo céu noturno. Os estilhaços voam livremente, e entre eles o belo casal em uma aeromoto vermelha. A cena era emocionante, quase cinematográfica.
A moto avança pelas vias virtuais, desviando-se perigosamente dos aerocarros. Duas viaturas aparecem em seu encalço. Tiros são disparados mas, protegidos pelos demais aerocarros, os runners continuam ilesos.
A perseguição se estende pelo céu de Sonata. As sirenes lhes davam dor de cabeça, mas não era isso que os preocupava agora. Muitos aerocarros compunham o trânsito e, atravessando os cruzamentos no sinal vermelho, Vertigo não colidia por um triz.
Vertigo se aproxima de uma passagem sinuosa entre as megatorres. Manobrando habilmente o veículo, ele a adentra e uma viatura colide contra a parede, explodindo em seguida. Outra, porém, vira-se na vertical e continua perseguindo-os.
De volta ao trânsito, a viatura aparelha-se com a aeromoto. Descendo o vidro, um policial aponta sua arma contra os runners e atira. O hacker vira rapidamente a moto, deixando-os na vertical. Laura é obrigada a agarrar-se em Vertigo, quase pendurando-se no rapaz.
Aprumando a moto, os policiais veem a garota de olhar irritado voltar apontando-lhes um rifle. Então, sem hesitação, ela abre fogo. Protegendo-se, os policiais têm sua viatura metralhada pela rajada laser. Laura atinge o motor do aerocarro e ele desliga, caindo livremente pelas alturas até colidir contra uma megatorre abaixo.
O vento sacode seus cabelos, refrescando o seu corpo. Ela sorri em satisfação. Então o hacker diz:
- Laura, a aeromoto está com problemas. Temos que pular.
O painel da moto pisca desordenadamente, soltando faíscas.
- Você não pode estaciona-la?
- Ela vai explodir antes.
A garota se levanta e salta sobre o terraço de uma megatorre. Vertigo se levanta e salta também, abandonando o veículo. A aeromoto segue desgovernada em queda livre, até explodir no meio do trânsito.         
Laura olha ao redor, procurando pelo hacker. Abaixo, em outro terraço, ele diz:
- Laura! Eu estou aqui!
A runner salta por cima das torres e se reúne com seu amigo. Laura se levanta, abana suas roupas e enxuga o suor de seu rosto. Passado o perigo, Vertigo está um pouco assustado com sua amiga. Ele pergunta:
- Você está bem?
- Sim. – responde ela, despreocupada.
O ruído dos trens é ouvido perto deles, eles estavam próximos a uma estação de aerometrô. Faltando apenas duas horas para amanhecer, os trabalhadores já enchiam as estações. O hacker continua:
- A polícia ainda está atrás de nós. Temos de nos esconder e esperar um pouco antes de voltar à superfície.
A runner parece distraída.
- Esconder? – pergunta ela misteriosamente, recarregando sua arma.
- Sim. Está muito perigoso aqui em cima. Vamos entrar naquela estação e nos misturar entre o povo.
Laura olha para ele e responde:
- Eu não vou a lugar algum.
Vertigo não entende.
- Como assim? Por quê?
Ela parece trata-lo com indiferença. Vertigo está preocupado com ela, os dois são velhos conhecidos, cresceram juntos e passaram por situações difíceis durante toda a vida, mas Laura foi mudando com o tempo. Tornou-se mais fria, mais feroz, mais implacável. Talvez o trabalho tenha lhe desgastado demais, fugindo da polícia, esquivando-se dos tiros e correndo nas alturas. No que sua amiga estava se tornando?
- Você quer se esconder... – responde ela, segurando firmemente sua arma – Agora que a diversão está só começando?
- Laura, por favor! Somos procurados aqui, policiais morreram! Temos que voltar se quisermos viver!
A runner não é do tipo de mulher que acata a ordens, mas Vertigo está certo. Nenhum lugar nos níveis superiores é seguro agora. Contrariada, ela olha para o hacker e concorda em acompanhá-lo, para o alívio de seu amigo.
Correndo pelos terraços, eles descem pelos parapeitos e tubos de ventilação até chegarem ao telhado da estação de aerometrô.

§

Os trens param nas plataformas e pegam seus passageiros. A noite fica menos brilhante com a chegada do novo dia. Do telhado, os runners veem muitas viaturas policiais voando ao longe, eles ainda os perseguiam. Não fazia sentido se expor, os runners estariam arriscando suas vidas.
Os runners caminham pela estação. Laura e Vertigo estão encapuzados e usam roupas exóticas e sujas, mas ninguém parecia se importar. Os sonatenses os ignoram, pois na cidade grande é normal ver todo o tipo de gente estranha por aí.
O trem se aproxima. Ao abrir as portas os passageiros rapidamente entram. Nos vagões eles assistiam aos noticiários nos canais corporativos.
- Devemos desembarcar em uma estação chamada Obedience.
Laura sorri.
- Gostei do nome. Combina com a cidade. – ironiza ela.
O trem avança por trilhos suspensos no teto. Próximo à janela, eles contemplam a bela vista da metrópole. Torres altas e esbeltas, as muitas linhas de aerometrô em diferentes níveis de altitude, antenas e torres de transmissão no topo dos prédios, edifícios coloridos e espelhados, a incontável frota de aerocarros em toda parte... Eles observam as luzes dos aerocarros, dos painéis de neon, dos holofotes nos terraços... Eles sentem que estão no céu entre as estrelas, uma megalópole na estratosfera elevando-se rumo à escuridão do universo.
- Você acha que a vida seria diferente se morássemos aqui em cima? – pergunta o hacker.
- Diferente como?
- Melhor.
A garota sorri.
- E ser uma escrava das corporações? Estou melhor lá embaixo.
Vertigo ia responder algo, mas desiste. Laura estava certa, apesar da baixíssima qualidade de vida, eles tinham uma liberdade incomparável na superfície.
Da janela do trem os dois veem as viaturas da polícia voando entre as megatorres. Os policiais usam holofotes e patrulham em grupo, vestindo suas fardas azuis e capacetes de tropa de choque. Suas expressões são frias e severas, nunca parecendo estar calmos. Eles procuram pelo casal de runners, ousados o bastante para invadir o Ministério da Informação.
Passando ao lado do trem, eles miram seus holofotes nas pessoas, provocando certo transtorno. Laura vira sua cabeça, tentando esconder o seu rosto. Ela diz:
- Pensei que eles tivessem desistido.
- É melhor a gente se cuidar.
Vertigo cobre seu rosto e os policiais se afastam, finalmente indo embora.
Chegando à estação Obedience, eles sobem as escadas e seguem para o ar livre.
No lado de fora eles veem a infinidade de passarelas em vários níveis. As gigantescas torres de apartamentos são altas e densas, próximas umas das outras a poucos metros de distância. As passarelas se conectam passando por seu interior, formando túneis iluminados por postes e luminárias. Os aerocarros voam ordenadamente nas vias virtuais, fazendo o seu zunido.
Abaixo de si eles veem a escuridão, o infame nível que abriga a rede de habitações clandestinas chamada simplesmente de superfície.
- É aqui que descemos. – comenta Vertigo.
- Então vamos.
Saltando sobre o parapeito, eles descem, agarrando-se em tubos e dutos até chegar ao seu destino.


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