Laura e Vertigo
correm. Com agilidade extrema, eles passam por obstáculos com tremenda
facilidade. Ninguém que os vê correndo pode negar-lhes admiração, pois eles
correm com perfeição, com maestria, como alguém que corre por puro prazer.
Correr é sua profissão, seu estilo de vida, sua maneira mais pura e emocionante
de viver.
Eles pulam de
tubo em tubo, correndo entre as enormes megatorres em uma altura vertiginosa.
Cada músculo de seus corpos trabalhando para os tornarem ágeis como os gatos e
fluídos como o vento. Naquela agitada noite eles cruzavam os céus como
morcegos.
Os runners chegam
a uma passarela. Lentamente subindo pelo ar, uma viatura aparece às suas
frentes. Mirando o holofote aos seus olhos, uma voz no alto-falante diz:
- Parados! Aqui é
a Polícia!
Os transeuntes
abandonam a passarela, assustados. Vertigo olha ao redor, pensando no que
fazer. Ficar parado ali é arriscado demais. Então a voz na viatura continua:
- Vocês pensaram
que podiam invadir o Ministério da Informação e fugir facilmente da polícia,
seus filhos da...
Rápida como um
relâmpago, Laura saca sua arma e atira contra o holofote. Erguendo-se no capô
da viatura, uma metralhadora começa a girar e prepara-se para atirar neles. Os
dois então pulam sobre o aerocarro e a arrancam, desarmando-o.
Vestindo seus
capacetes de tropa de choque com viseiras escuras, os policiais olham para o para-brisa
e veem aquela bela garota, uma loira atlética e de olhar feroz, apontar a
metralhadora de volta para eles. Os canos começam a girar e então um dos
policiais grita:
- Abaixe-se!
Laura dispara
freneticamente, alvejando repetidas vezes o aerocarro. Destruindo os sistemas
de voo, a viatura perde o controle e começa a subir, elevando-se entre as megatorres.
Ganhando mais
altitude, a viatura sobe pelas vias virtuais, obstruindo perigosamente o
trânsito. Os aerocarros desviam bruscamente por cima, por baixo e pelos lados,
passando por eles a poucos metros de distância. Os runners
pulam no terraço de um edifício pouco antes de um aerocarro colidir contra a
viatura e causar uma explosão.
Em seguida os
runners escalam uma megatorre com agilidade esplêndida. Mais viaturas aparecem,
mas não conseguem enxergá-los entre os numerosos outdoors. Correndo sobre uma
passarela, o hacker vê uma avenida e vários aerocarros parados no sinal
vermelho.
- Laura! Por
aqui!
Pulando sobre os
veículos, os dois correm por cima dos tetos, assustando os distraídos
motoristas atrás dos volantes.
Como se os dois
tivessem um elo mental para suas loucuras em suas fugas alucinantes, o hacker
se agarra na parte de baixo de um aerocarro voando na direção contrária. Laura
o vê e, pegando outro aerocarro, faz o mesmo. Pendurados a centenas de metros
de altura acima do solo, eles voam pelo céu de Sonata.
A polícia se
aproxima e os persegue. Tiros são disparados contra os veículos, sem se
importar se os motoristas têm envolvimento com os runners ou não. Aparentemente
o motorista do aerocarro de Vertigo é atingido e ele perde a direção do
veículo. Soltando-se, ele cai sobre um terraço, rolando agilmente para conter o
impacto. Laura vê seu companheiro e se solta também, caindo no teto de um
aerocarro abaixo e lançando-se sobre o terraço de outra megatorre.
Vendo o local
onde Vertigo se encontra, Laura corre em sua direção. Ela pula por sobre os
parapeitos, rola por debaixo dos dutos e consegue inclusive correr
verticalmente pela parede antes de se impulsionar e alcançar outra saliência.
Nada consegue conte-la em seu percurso.
Vertigo corre ao
lado dos enormes letreiros de neon. A polícia está em seu encalço e atira
contra ele, fazendo as coloridas lâmpadas se estourarem em milhares de fragmentos
de luz. Vendo uma barra à sua frente, ele a agarra e impulsiona-se, lança-se
contra outro terraço. O outro prédio tem mais painéis luminosos, tornando a
visão dos policiais difícil.
Enquanto procuram
pelo fugitivo, alguém ao lado chama os policiais.
- Ei!
Os policiais
viram suas cabeças. Eles então veem uma mulher parada ao lado, curiosamente
olhando para eles. De repente ele ergue seu braço e lhes aponta sua arma.
Assustados, os policiais se abaixam e ela atira, fria e implacável como uma
assassina. Os policiais se protegem, mas são feridos pelo vidro estilhaçado do veículo.
Vertigo está em
outro terraço e vê sua companheira atirando. Ela não demonstra reação ou
hesitação alguma, o hacker se assusta. Database estava certo sobre ela, Laura
não abandonou seus velhos hábitos e seu passado. Na verdade,
nada mudou. Laura ainda é Lótus.
A viatura perde o
controle e voa sem direção pelo céu. Vertigo aponta a direção a seguir e os
dois continuam seu caminho.
Algumas megatorres
à frente, os runners chegam a uma larga passarela. Ali eles veem os vendedores
e camelôs fazendo seus negócios normalmente. De repente uma explosão é ouvida
na entrada do túnel, assustando-os. Uma dúzia de policiais aparecem entre a
fumaça e, ao verem Laura, dizem:
- Parada!
Portando rifles
lasers, eles os apontam para ela e abrem fogo. Vertigo a puxa e a joga no chão,
virando um balcão de vendas em seguida. Os transeuntes fogem desesperados, e em
meio à confusão, alguns são atingidos nas costas.
- Eles nem
esperaram as pessoas evacuarem! – comenta o hacker.
Os policiais
atiram novamente, arruinando sua improvisada proteção. Laura pede mais munição a
Vertigo, preocupando-o.
- O que você vai
fazer? Eles são muitos!
- Observe.
Passando por cima
da entrada do túnel, a garota vê tubulações vermelhas de gás propano. Esperando
pelo momento certo, ela ergue sua cabeça e atira, provocando uma enorme
labareda da explosão. Os policiais são lançados ao ar, caindo pela passarela.
Atrás deles, no
outro túnel, eles ouvem mais policiais chegando. Vertigo diz para eles irem
quando Laura vê um rifle laser caindo em sua direção. O hacker já está em outra
megatorre quando vê a garota empunhando um rifle com grande curiosidade e
habilidade.
- Laura, temos
que ir! Deixe isso aí!
Os runners sabem
que é difícil correr portando rifles, portanto eles preferem armas menores, deixando
livre as duas mãos. Objetos longos e desajeitados atrapalhavam, limitando seus
movimentos.
Mas a garota o
ignora. Ela pula sobre uma plataforma adjacente e esconde-se até a polícia
aparecer.
Os policiais
aparecem e, ao se depararem com a passarela vazia, são surpreendidos com uma
rajada de tiros lasers vindos abaixo de si. Alguns são atingidos nos ombros e
nos braços, obrigando-os a se abaixar. Enquanto atira, o hacker olha para Laura
e tem a impressão de vê-la sorrindo. Instaurado o caos, Vertigo a puxa e ambos
continuam fugindo.
Alguém lá em
cima, vendo-os fugir, grita:
- Essa garota é
louca...!
Atravessando
algumas megatorres, o hacker avista um andar estacionamento. Correndo entre os
aerocarros, ele avista uma bela aeromoto vermelha. Interrompendo-a, ele diz:
- Laura, espere.
Agachando-se, ele
conecta um aparelho na ignição do veículo e tenta hackea-lo. Viaturas policiais
passam pelo edifício, aumentando a tensão.
- Rápido,
Vertigo.
Mais viaturas são
vistas. Algumas entram no andar e procuram pelos fugitivos entre os aerocarros
estacionados.
- Vertigo...
- Calma, estou
indo o mais rápido que posso...!
De repente o
painel da aeromoto se ilumina todo e o motor se inicia.
Atrás do
para-brisa, os policiais sondam o andar lentamente. Então uma aeromoto surge às
suas frentes, com os ousados runners sobre ela. Manobrando-a, a aeromoto sai em
arrancada pelo estacionamento.
- Lá estão eles!
Há uma vidraça na
saída do andar. Avançando contra ela, Vertigo a atravessa, estourando-a em
milhares de pedaços pelo céu noturno. Os estilhaços voam livremente, e entre
eles o belo casal em uma aeromoto vermelha. A cena era emocionante, quase cinematográfica.
A moto avança
pelas vias virtuais, desviando-se perigosamente dos aerocarros. Duas viaturas
aparecem em seu encalço. Tiros são disparados mas, protegidos pelos demais
aerocarros, os runners continuam ilesos.
A perseguição se
estende pelo céu de Sonata. As sirenes lhes davam dor de cabeça, mas não era
isso que os preocupava agora. Muitos aerocarros compunham o trânsito e,
atravessando os cruzamentos no sinal vermelho, Vertigo não colidia por um triz.
Vertigo se
aproxima de uma passagem sinuosa entre as megatorres. Manobrando habilmente o
veículo, ele a adentra e uma viatura colide contra a parede, explodindo em
seguida. Outra, porém, vira-se na vertical e continua perseguindo-os.
De volta ao trânsito,
a viatura aparelha-se com a aeromoto. Descendo o vidro, um policial aponta sua
arma contra os runners e atira. O hacker vira rapidamente a moto, deixando-os
na vertical. Laura é obrigada a agarrar-se em Vertigo, quase pendurando-se no
rapaz.
Aprumando a moto,
os policiais veem a garota de olhar irritado voltar apontando-lhes um rifle. Então,
sem hesitação, ela abre fogo. Protegendo-se, os policiais têm sua viatura metralhada
pela rajada laser. Laura atinge o motor do aerocarro e ele desliga, caindo
livremente pelas alturas até colidir contra uma megatorre abaixo.
O vento sacode
seus cabelos, refrescando o seu corpo. Ela sorri em satisfação. Então o hacker
diz:
- Laura, a
aeromoto está com problemas. Temos que pular.
O painel da moto
pisca desordenadamente, soltando faíscas.
- Você não pode
estaciona-la?
- Ela vai
explodir antes.
A garota se
levanta e salta sobre o terraço de uma megatorre. Vertigo se levanta e salta também,
abandonando o veículo. A aeromoto segue desgovernada em queda livre, até
explodir no meio do trânsito.
Laura olha ao
redor, procurando pelo hacker. Abaixo, em outro terraço, ele diz:
- Laura! Eu estou
aqui!
A runner salta
por cima das torres e se reúne com seu amigo. Laura se levanta, abana suas
roupas e enxuga o suor de seu rosto. Passado o perigo, Vertigo está um pouco
assustado com sua amiga. Ele pergunta:
- Você está bem?
- Sim. – responde
ela, despreocupada.
O ruído dos trens
é ouvido perto deles, eles estavam próximos a uma estação de aerometrô. Faltando
apenas duas horas para amanhecer, os trabalhadores já enchiam as estações. O
hacker continua:
- A polícia ainda
está atrás de nós. Temos de nos esconder e esperar um pouco antes de voltar à
superfície.
A runner parece
distraída.
- Esconder? – pergunta
ela misteriosamente, recarregando sua arma.
- Sim. Está muito
perigoso aqui em cima. Vamos entrar naquela estação e nos misturar entre o povo.
Laura olha para
ele e responde:
- Eu não vou a
lugar algum.
Vertigo não
entende.
- Como assim? Por
quê?
Ela parece
trata-lo com indiferença. Vertigo está preocupado com ela, os dois são velhos conhecidos,
cresceram juntos e passaram por situações difíceis durante toda a vida, mas Laura
foi mudando com o tempo. Tornou-se mais fria, mais feroz, mais implacável.
Talvez o trabalho tenha lhe desgastado demais, fugindo da polícia,
esquivando-se dos tiros e correndo nas alturas. No que sua amiga estava se
tornando?
- Você quer se
esconder... – responde ela, segurando firmemente sua arma – Agora que a
diversão está só começando?
- Laura, por
favor! Somos procurados aqui, policiais morreram! Temos que voltar se quisermos
viver!
A
runner não é do tipo de mulher que acata a ordens, mas Vertigo está certo.
Nenhum lugar nos níveis superiores é seguro agora. Contrariada, ela olha para o
hacker e concorda em acompanhá-lo, para o alívio de seu amigo.
Correndo pelos
terraços, eles descem pelos parapeitos e tubos de ventilação até chegarem ao
telhado da estação de aerometrô.
§
Os trens param
nas plataformas e pegam seus passageiros. A noite fica menos brilhante com a
chegada do novo dia. Do telhado, os runners veem muitas viaturas policiais
voando ao longe, eles ainda os perseguiam. Não fazia sentido se expor, os
runners estariam arriscando suas vidas.
Os runners
caminham pela estação. Laura e Vertigo estão encapuzados e usam roupas exóticas
e sujas, mas ninguém parecia se importar. Os sonatenses os ignoram, pois na
cidade grande é normal ver todo o tipo de gente estranha por aí.
O trem se
aproxima. Ao abrir as portas os passageiros rapidamente entram. Nos vagões eles
assistiam aos noticiários nos canais corporativos.
- Devemos
desembarcar em uma estação chamada Obedience.
Laura sorri.
- Gostei do nome.
Combina com a cidade. – ironiza ela.
O trem avança por
trilhos suspensos no teto. Próximo à janela, eles contemplam a bela vista da
metrópole. Torres altas e esbeltas, as muitas linhas de aerometrô em diferentes
níveis de altitude, antenas e torres de transmissão no topo dos prédios,
edifícios coloridos e espelhados, a incontável frota de aerocarros em toda
parte... Eles observam as luzes dos aerocarros, dos painéis de neon, dos
holofotes nos terraços... Eles sentem que estão no céu entre as estrelas, uma
megalópole na estratosfera elevando-se rumo à escuridão do universo.
- Você acha que a
vida seria diferente se morássemos aqui em cima? – pergunta o hacker.
- Diferente como?
- Melhor.
A garota sorri.
- E ser uma
escrava das corporações? Estou melhor lá embaixo.
Vertigo ia
responder algo, mas desiste. Laura estava certa, apesar da baixíssima qualidade
de vida, eles tinham uma liberdade incomparável na superfície.
Da janela do trem
os dois veem as viaturas da polícia voando entre as megatorres. Os policiais
usam holofotes e patrulham em grupo, vestindo suas fardas azuis e capacetes de
tropa de choque. Suas expressões são frias e severas, nunca parecendo estar
calmos. Eles procuram pelo casal de runners, ousados o bastante para invadir o
Ministério da Informação.
Passando ao lado
do trem, eles miram seus holofotes nas pessoas, provocando certo transtorno.
Laura vira sua cabeça, tentando esconder o seu rosto. Ela diz:
- Pensei que eles
tivessem desistido.
- É melhor a
gente se cuidar.
Vertigo cobre seu
rosto e os policiais se afastam, finalmente indo embora.
Chegando à estação
Obedience, eles sobem as escadas e seguem para o ar livre.
No lado de fora
eles veem a infinidade de passarelas em vários níveis. As gigantescas torres de
apartamentos são altas e densas, próximas umas das outras a poucos metros de
distância. As passarelas se conectam passando por seu interior, formando túneis
iluminados por postes e luminárias. Os aerocarros voam ordenadamente nas vias
virtuais, fazendo o seu zunido.
Abaixo de si eles
veem a escuridão, o infame nível que abriga a rede de habitações clandestinas
chamada simplesmente de superfície.
- É aqui que descemos.
– comenta Vertigo.
- Então vamos.
Saltando sobre o
parapeito, eles descem, agarrando-se em tubos e dutos até chegar ao seu
destino.
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