Descendo por
tubos hidráulicos, plataformas metálicas e tuneis de metrô abandonados, Vertigo
retorna à superfície. Ele está exausto após a fuga do Ministério da Informação,
seus braços e pernas doem, mas não há tempo a perder.
Parando em frente
ao Mystique, ele pergunta ao segurança:
- Preciso falar
com o Database.
Reconhecendo-o, o
segurança lhe abre passagem e ele entra. Os frequentadores lotam a casa noturna
– pessoas embriagadas e extremamente alegres – e isso muito o incomoda. A cada
esbarrão suas feridas doem mais, irritando-o.
Subindo ao
mezanino, ele vasculha a área VIP, mas Database não estava ali. Olhando ao
redor, ele vê apenas os frequentadores mais ricos, abraçados a belas mulheres e
sentados ao redor das mesas. A fumaça de cigarro ali era forte.
Descendo ao
porão, um segurança interrompe sua entrada.
- Database pediu
para não ser incomodado.
- Diga-o que o Vertigo
precisa vê-lo.
- Ele está
ocupado.
- É urgente.
- Por favor, volte
mais tarde.
O segurança não
se mexe. Vendo sua indisposição, o hacker não ia deixar o chefe ficar com seu
merecido dinheiro. Subindo de volta, Vertigo pensa: “agora você vai ver uma
coisa, seu idiota”!
Sentando-se em
frente ao bar, ele retira um aparelho do bolso, o codifica e então aperta um
botão. O DJ, que opera os sintetizadores freneticamente ao ritmo da batida, de
repente tem sua música alterada por ruídos agudos, irritando a todos na casa
noturna. As luzes se apagam e então eles ouvem uma voz no autofalante dizer:
“Aqui é a
polícia! Saiam com as mãos para cima!”
Então a correria
se forma e as pessoas tentam descontroladamente fugir. Os seguranças, confusos
com a suposta presença policial, se reúnem na pista de dança e apontam suas
armas para a porta de entrada. O homem guardando o porão também sobe, deixando
a porta desprotegida. Aproveitando a distração, Vertigo se levanta e calmamente
se dirige ao local.
A porta do porão
é protegida por um comando de voz. O hacker retira outro aparelho de seu bolso,
com dois cabos. Ele conecta uma ponta na porta e a outra ponta na lateral de
seu crânio. Digitando palavras em um pequeno teclado, ele reprograma o
dispositivo de segurança, alterando seus padrões de identificação.
- Abra essa
maldita porta.
O visor capta a
voz de Vertigo, mas os interpretam como sendo do próprio Database. Sincronizando
os tons vocais, a porta imediatamente se destranca e desliza-se para cima.
Em pé lendo
alguns relatórios, Database parece não notar sua presença. O hacker se aproxima
lentamente, passando pelos bizarros tanques criogênicos nas paredes.
- Melhor não
fazer mais seus truques no meu clube, Vertigo. Você pode se
arrepender.
- Não sei do que
está falando. – responde ele, cinicamente.
Ao se virar, o
chefe não esconde a reação ao vê-lo.
- Vertigo...?! –
ele vê que o hacker está todo ferido e há manchas de sangue em suas roupas.
Partes de seu equipamento foram danificados e há buracos de bala em sua jaqueta
– Parece que a diversão foi bem intensa lá em cima, não?
- Sim – confirma
ele –, foi uma tremenda festa.
- Conseguiu o
servidor como eu pedi?
- Temos que
discutir o pagamento antes.
O chefe sorri.
- Admiro sua
cautela, mas no fundo não pensei que fosse voltar.
- Então foi por
isso que nos ofereceu um pagamento tão alto, não? Para que não pudéssemos recusar?
Aquela era uma
verdade que Database jamais confessaria.
- Como eu já
disse, eu os ofereci porque sabia que vocês eram os melhores. – virando-se, ele
se dirige a um computador e diz – A quantia é muito alta, então farei o
depósito em sua conta clandestina. Não gaste tudo de uma só vez, hein garoto.
- Não prometo
nada.
Feito a
transferência, o chefe olha para ele e pergunta:
- Agora me dê o
servidor.
Enfiando a mão no
bolso de sua jaqueta, Vertigo entrega o curioso objeto à Database. O chefe o
contempla com mórbida satisfação, fazendo um olhar de quem tem muitos planos
com as informações contidas ali. Passados alguns segundos, Database diz:
- Imagino que
teve muitos problemas para conseguir isso.
- Eu nem tanto. Agradeça
a Laura, ela fez a maior parte do serviço.
Então o chefe
percebe que ela não estava com ele ao descer.
- Laura? Onde ela
está? Ela não veio com você?
Sem dar muitos
detalhes, Vertigo responde:
- Eu não sei. Nós
nos separamos quando chegamos à superfície. Ela disse que tinha assuntos
particulares a resolver.
Sorrindo,
Database responde:
- Lótus e seus
segredos...
- Chefe, se você
tiver outro serviço, me deixe saber.
- Não. - responde ele, de imediato - Por
enquanto é só. Está dispensado.
Encerrada a
conversa, o hacker se vira e então vai embora.
Esperando
pacientemente ele sair, Database pega seu servidor e o conecta em seu
equipamento. Matrizes alfanuméricas aparecem e são gradualmente decodificadas
por seus programas. Em seguida seus olhos se dilatam para ver.
Imagens e áudios descrevem
avançados projetos de engenharia genética e biomedicina. Ao lado do console,
Database puxa uma cortina e revela um tanque criogênico oculto. Ali está
incubado o feto trazido por Laura um dia atrás. Mas não era mais um feto. A
réplica humana havia crescido em uma velocidade antinatural, assemelhando-se a
uma criança de dois anos. O chefe sorri, pois o que quer que estivesse
planejando estava dando certo.
- Em breve. –
sussurra ele.
§
Uma hora atrás,
Laura e Vertigo desciam tranquilamente os níveis superiores rumo à superfície. Eles
conversavam sobre o que iriam fazer com a grande quantia que receberiam pelo
serviço. O hacker diz:
- Apesar de
parecer muito, não é o bastante quando se é hacker.
Intrigada, a
garota pergunta:
- Você já sabe no
que vai gastar, Vertigo?
- Estou pensando
ainda. Talvez irei comprar uns programas novos, tipo uns malwares e uns
decodificadores.
- E eles são tão
caros assim?
- São sim. A pena
é muito alta para quem for pego desenvolvendo esses programas. Execução.
Apesar da pesada
punição, Laura não se importa. Ela também passa a vida brincando com a morte.
- E quanto a
você, Laura? Já sabe o que vai fazer?
Pensando um
pouco, ela responde:
- Estou com uma
ideia diferente. Não vou mais gastar com suplementos, estimulantes e uniformes.
Vou comprar itens novos, como armas de fogo, de laser e muita, mas muita
munição.
Vertigo se
assusta.
- Mas por que,
Laura? Vai se tornar uma mercenária, ou juntar-se a uma facção?
A garota ri.
- É claro que
não, querido. Apenas estou querendo ampliar meu campo de atuação.
Preocupado, o
hacker diz:
- Sei que você é
muito independente e segura de si, Laura, mas se quiser conversar sobre o seu
passado como Lótus eu estarei aqui para ouvir, está bem?
Mas enquanto
Vertigo falava, o celular da garota vibra e ela não lhe dá atenção. Uma
mensagem aparece e Laura fica pensativa ao ler.
- Vertigo, eu não
vou voltar com você. Tenho que resolver outro assunto.
- Algum problema?
- Não, está tudo
bem. – ela abre sua bolsa de perna, lhe entrega o servidor e diz – Agora eu
tenho que ir.
Ao pegar o
objeto, Vertigo o guarda em sua jaqueta e diz:
- Se precisar de
alguma coisa, qualquer coisa, pode me ligar a qualquer hora, está bem? Você já
sabe disso, não é?
Laura gosta como
seu amigo sempre tenta protege-la.
- Sei sim,
querido. Obrigado.
- Apenas se
cuide.
Sorrindo, ela
responde:
- Cuide-se você
também, Vertz.
§
Laura está
cansada e ferida, em seus ferimentos sangue, suor e poeira se misturam. “Apenas
mais uma cicatriz em meu corpo” pensa ela. Ela atravessa becos e canais pouco
iluminados pela superfície, alguns estando totalmente tomados pela escuridão. Não
ouvindo nada além vapor vazando e máquinas industriais operando ao longe, ela
olha ao redor. Ninguém estava ali.
Seu celular
vibra. Uma mensagem chega e ela lê: “olhe para a direita”. Virando seu rosto, a
garota vê alguém piscando uma luz vermelha entre duas plataformas metálicas.
Ela caminha tranquilamente em sua direção, pisando em poças de água e óleo pelo
chão.
Passando por
baixo das plataformas, ela se depara com um homem cobrindo seu rosto com uma
máscara. A garota se adianta.
- O que você
quer?
O homem sorri
atrás da máscara.
- O seu serviço,
é claro. Bom dia, ou melhor, boa noite. É difícil dizer em um lugar como esse.
Apesar da
observação pertinente, a garota não lhe dá atenção.
- Apenas me fale
do serviço.
- Extração.
Laura não
esperava uma resposta tão sucinta.
- Extração...? –
pergunta ela – De arquivos, de armas, de componentes...? Do que exatamente?
- De
pessoas. – responde o mascarado – Bem,
de uma pessoa, na verdade.
A garota sorri.
- Está me
mandando praticar um sequestro?
- É muita coisa
para você? – pergunta o homem, desafiante.
- Não, é claro
que não. – responde ela, durona.
O homem continua.
- Estamos
planejando um ataque, e será intenso, uma festa de arromba. Não temos como
lidar com duas situações ao mesmo tempo. Precisamos de uma especialista para
extrair essa pessoa em segurança. O que você me diz?
Laura olha ao
redor e responde:
- Antes de eu
responder, diga aos seus homens para pararem de se esconder. Não gosto que
apontem armas para mim.
Novamente o homem
sorri.
- É claro. Você é
muito perspicaz, devo dizer.
Então aparecem
seis homens armados nas plataformas, com rifles lasers em mãos. Assim como o
homem à sua frente, eles vestem máscaras.
- Por que as
máscaras? – pergunta ela.
- Porque a
superfície é um lugar perigoso. Você, sendo nativa daqui, já deveria saber, não?
- Não brinque
comigo. Você é de uma facção, não é? Ou trabalha para uma. Me diga em qual
facção está trabalhando.
O homem lhe
informa o nome. A garota se espanta.
- E então? Vai
trabalhar com a gente ou não?
- Eu não sei, eu
nunca trabalhei com vocês antes. Como poderei confiar em vocês?
- Ouvimos ao seu
respeito, a fria e obstinada runner com o codinome de Lótus.
Incomodada, ela
responde:
- Eu não uso mais
esse codinome...
- Mas qual flor
de lótus você seria? – pergunta ele, ignorando-a. O homem olha para a cor de
seu cabelo e diz – A amarela, com certeza. Uma bela flor de lótus amarela e
feroz.
O homem a
contempla em admiração, mas com muito respeito.
- Está bem, eu
aceito o serviço. Me diga quem é essa pessoa que eu devo... extrair.
Tirando uma pasta
de seu casaco, o homem lhe entrega à runner. Folheando os papeis, ela vê seu
alvo, não parecia ser ninguém além de um simples cidadão de Sonata. Na pasta
também haviam os detalhes do plano, como sua localização e estratégia.
- Espere um
pouco, eu terei que atirar nas pessoas?
- Definitivamente
não. Nossa equipe de assalto deixará o caminho livre para você. O máximo que
terá de fazer é extrair o alvo em segurança. Se você entrar em um tiroteio será
completamente circunstancial.
A garota pondera.
- E quanto ao pagamento?
Quanto irei receber?
- A facção lhe
oferece dez mil créditos.
“Dez mil?” pensa
ela. Laura acabara de receber vinte por um serviço semelhante no Ministério da
Informação. Devido as implicações, o serviço do homem à sua frente envolvia um
risco de vida ainda maior. Desta vez ela não lidaria com policiais
disciplinados, mas com extremistas fanáticos.
Por outro lado,
trabalhar com aquela facção lhe daria algo além do dinheiro: prestígio. Sua
reputação correu a superfície e alcançou os níveis superiores onde as facções
se encontram. Se ela conseguisse realizar o serviço, seria mais um êxito em sua
carreira, e Laura era voraz em seu apetite pelo sucesso.
- Eu aceito. –
responde ela.
- Só mais uma
coisa. – diz o homem, tirando algo de seu casaco – Vamos precisar que você use
isso durante o ataque.
A garota segura
uma máscara preta, como a dos ninjas.
- Isso é alguma
brincadeira?
- Longe disso.
Precisamos que você se pareça com uma de nós. O recado dado deve ser claro.
Contrariada, ela
guarda a máscara e responde:
- Preciso de um
tempo para me preparar.
Laura ainda
precisa recuperar suas energias. Fugir do Ministério da Informação lhe deixou
exausta.
- Você tem até à
noite. Apresse-se, não temos tempo a perder.
Antes que ela
pudesse responder algo, o homem gesticula com a mão e lhe dá as costas, indo
embora com sua escolta em seguida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário