terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Sonata - Parte 10 - O Serviço


 

Descendo por tubos hidráulicos, plataformas metálicas e tuneis de metrô abandonados, Vertigo retorna à superfície. Ele está exausto após a fuga do Ministério da Informação, seus braços e pernas doem, mas não há tempo a perder.
Parando em frente ao Mystique, ele pergunta ao segurança:
- Preciso falar com o Database.
Reconhecendo-o, o segurança lhe abre passagem e ele entra. Os frequentadores lotam a casa noturna – pessoas embriagadas e extremamente alegres – e isso muito o incomoda. A cada esbarrão suas feridas doem mais, irritando-o.
Subindo ao mezanino, ele vasculha a área VIP, mas Database não estava ali. Olhando ao redor, ele vê apenas os frequentadores mais ricos, abraçados a belas mulheres e sentados ao redor das mesas. A fumaça de cigarro ali era forte.
Descendo ao porão, um segurança interrompe sua entrada.
- Database pediu para não ser incomodado.
- Diga-o que o Vertigo precisa vê-lo.
- Ele está ocupado.
- É urgente.
- Por favor, volte mais tarde.
O segurança não se mexe. Vendo sua indisposição, o hacker não ia deixar o chefe ficar com seu merecido dinheiro. Subindo de volta, Vertigo pensa: “agora você vai ver uma coisa, seu idiota”!
Sentando-se em frente ao bar, ele retira um aparelho do bolso, o codifica e então aperta um botão. O DJ, que opera os sintetizadores freneticamente ao ritmo da batida, de repente tem sua música alterada por ruídos agudos, irritando a todos na casa noturna. As luzes se apagam e então eles ouvem uma voz no autofalante dizer:
“Aqui é a polícia! Saiam com as mãos para cima!”
Então a correria se forma e as pessoas tentam descontroladamente fugir. Os seguranças, confusos com a suposta presença policial, se reúnem na pista de dança e apontam suas armas para a porta de entrada. O homem guardando o porão também sobe, deixando a porta desprotegida. Aproveitando a distração, Vertigo se levanta e calmamente se dirige ao local.
A porta do porão é protegida por um comando de voz. O hacker retira outro aparelho de seu bolso, com dois cabos. Ele conecta uma ponta na porta e a outra ponta na lateral de seu crânio. Digitando palavras em um pequeno teclado, ele reprograma o dispositivo de segurança, alterando seus padrões de identificação.
Sem precisar de senha ou qualquer outra coisa, ele simplesmente diz:
- Abra essa maldita porta.
O visor capta a voz de Vertigo, mas os interpretam como sendo do próprio Database. Sincronizando os tons vocais, a porta imediatamente se destranca e desliza-se para cima.
Em pé lendo alguns relatórios, Database parece não notar sua presença. O hacker se aproxima lentamente, passando pelos bizarros tanques criogênicos nas paredes.
- Melhor não fazer mais seus truques no meu clube, Vertigo. Você pode se arrepender.
- Não sei do que está falando. – responde ele, cinicamente.
Ao se virar, o chefe não esconde a reação ao vê-lo.
- Vertigo...?! – ele vê que o hacker está todo ferido e há manchas de sangue em suas roupas. Partes de seu equipamento foram danificados e há buracos de bala em sua jaqueta – Parece que a diversão foi bem intensa lá em cima, não?
- Sim – confirma ele –, foi uma tremenda festa.
- Conseguiu o servidor como eu pedi?
- Temos que discutir o pagamento antes.
O chefe sorri.
- Admiro sua cautela, mas no fundo não pensei que fosse voltar.
- Então foi por isso que nos ofereceu um pagamento tão alto, não? Para que não pudéssemos recusar?
Aquela era uma verdade que Database jamais confessaria.
- Como eu já disse, eu os ofereci porque sabia que vocês eram os melhores. – virando-se, ele se dirige a um computador e diz – A quantia é muito alta, então farei o depósito em sua conta clandestina. Não gaste tudo de uma só vez, hein garoto.
- Não prometo nada.
Feito a transferência, o chefe olha para ele e pergunta:
- Agora me dê o servidor.
Enfiando a mão no bolso de sua jaqueta, Vertigo entrega o curioso objeto à Database. O chefe o contempla com mórbida satisfação, fazendo um olhar de quem tem muitos planos com as informações contidas ali. Passados alguns segundos, Database diz:
- Imagino que teve muitos problemas para conseguir isso.
- Eu nem tanto. Agradeça a Laura, ela fez a maior parte do serviço.
Então o chefe percebe que ela não estava com ele ao descer.
- Laura? Onde ela está? Ela não veio com você?
Sem dar muitos detalhes, Vertigo responde:
- Eu não sei. Nós nos separamos quando chegamos à superfície. Ela disse que tinha assuntos particulares a resolver.
Sorrindo, Database responde:
- Lótus e seus segredos...
- Chefe, se você tiver outro serviço, me deixe saber.
- Não. - responde ele, de imediato - Por enquanto é só. Está dispensado.
Encerrada a conversa, o hacker se vira e então vai embora.
Esperando pacientemente ele sair, Database pega seu servidor e o conecta em seu equipamento. Matrizes alfanuméricas aparecem e são gradualmente decodificadas por seus programas. Em seguida seus olhos se dilatam para ver.
Imagens e áudios descrevem avançados projetos de engenharia genética e biomedicina. Ao lado do console, Database puxa uma cortina e revela um tanque criogênico oculto. Ali está incubado o feto trazido por Laura um dia atrás. Mas não era mais um feto. A réplica humana havia crescido em uma velocidade antinatural, assemelhando-se a uma criança de dois anos. O chefe sorri, pois o que quer que estivesse planejando estava dando certo.
- Em breve. – sussurra ele.

§

Uma hora atrás, Laura e Vertigo desciam tranquilamente os níveis superiores rumo à superfície. Eles conversavam sobre o que iriam fazer com a grande quantia que receberiam pelo serviço. O hacker diz:
- Apesar de parecer muito, não é o bastante quando se é hacker.
Intrigada, a garota pergunta:
- Você já sabe no que vai gastar, Vertigo?
- Estou pensando ainda. Talvez irei comprar uns programas novos, tipo uns malwares e uns decodificadores. 
- E eles são tão caros assim?
- São sim. A pena é muito alta para quem for pego desenvolvendo esses programas. Execução.
Apesar da pesada punição, Laura não se importa. Ela também passa a vida brincando com a morte.
- E quanto a você, Laura? Já sabe o que vai fazer?
Pensando um pouco, ela responde:
- Estou com uma ideia diferente. Não vou mais gastar com suplementos, estimulantes e uniformes. Vou comprar itens novos, como armas de fogo, de laser e muita, mas muita munição.
Vertigo se assusta.
- Mas por que, Laura? Vai se tornar uma mercenária, ou juntar-se a uma facção?
A garota ri.
- É claro que não, querido. Apenas estou querendo ampliar meu campo de atuação.
Preocupado, o hacker diz:
- Sei que você é muito independente e segura de si, Laura, mas se quiser conversar sobre o seu passado como Lótus eu estarei aqui para ouvir, está bem?
Mas enquanto Vertigo falava, o celular da garota vibra e ela não lhe dá atenção. Uma mensagem aparece e Laura fica pensativa ao ler.
- Vertigo, eu não vou voltar com você. Tenho que resolver outro assunto.
- Algum problema?
- Não, está tudo bem. – ela abre sua bolsa de perna, lhe entrega o servidor e diz – Agora eu tenho que ir.
Ao pegar o objeto, Vertigo o guarda em sua jaqueta e diz:
- Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode me ligar a qualquer hora, está bem? Você já sabe disso, não é?
Laura gosta como seu amigo sempre tenta protege-la.
- Sei sim, querido. Obrigado.
- Apenas se cuide.
Sorrindo, ela responde:
- Cuide-se você também, Vertz.

§

Laura está cansada e ferida, em seus ferimentos sangue, suor e poeira se misturam. “Apenas mais uma cicatriz em meu corpo” pensa ela. Ela atravessa becos e canais pouco iluminados pela superfície, alguns estando totalmente tomados pela escuridão. Não ouvindo nada além vapor vazando e máquinas industriais operando ao longe, ela olha ao redor. Ninguém estava ali.
Seu celular vibra. Uma mensagem chega e ela lê: “olhe para a direita”. Virando seu rosto, a garota vê alguém piscando uma luz vermelha entre duas plataformas metálicas. Ela caminha tranquilamente em sua direção, pisando em poças de água e óleo pelo chão.
Passando por baixo das plataformas, ela se depara com um homem cobrindo seu rosto com uma máscara. A garota se adianta.
- O que você quer?
O homem sorri atrás da máscara.
- O seu serviço, é claro. Bom dia, ou melhor, boa noite. É difícil dizer em um lugar como esse.
Apesar da observação pertinente, a garota não lhe dá atenção.
- Apenas me fale do serviço.
- Extração.
Laura não esperava uma resposta tão sucinta.
- Extração...? – pergunta ela – De arquivos, de armas, de componentes...? Do que exatamente?
- De pessoas.  – responde o mascarado – Bem, de uma pessoa, na verdade.
A garota sorri.
- Está me mandando praticar um sequestro?
- É muita coisa para você? – pergunta o homem, desafiante.
- Não, é claro que não. – responde ela, durona.
O homem continua.
- Estamos planejando um ataque, e será intenso, uma festa de arromba. Não temos como lidar com duas situações ao mesmo tempo. Precisamos de uma especialista para extrair essa pessoa em segurança. O que você me diz?
Laura olha ao redor e responde:
- Antes de eu responder, diga aos seus homens para pararem de se esconder. Não gosto que apontem armas para mim.
Novamente o homem sorri.
- É claro. Você é muito perspicaz, devo dizer.
Então aparecem seis homens armados nas plataformas, com rifles lasers em mãos. Assim como o homem à sua frente, eles vestem máscaras.
- Por que as máscaras? – pergunta ela.
- Porque a superfície é um lugar perigoso. Você, sendo nativa daqui, já deveria saber, não?
- Não brinque comigo. Você é de uma facção, não é? Ou trabalha para uma. Me diga em qual facção está trabalhando.
O homem lhe informa o nome. A garota se espanta.
- E então? Vai trabalhar com a gente ou não?
- Eu não sei, eu nunca trabalhei com vocês antes. Como poderei confiar em vocês?
- Ouvimos ao seu respeito, a fria e obstinada runner com o codinome de Lótus.
Incomodada, ela responde:
- Eu não uso mais esse codinome...
- Mas qual flor de lótus você seria? – pergunta ele, ignorando-a. O homem olha para a cor de seu cabelo e diz – A amarela, com certeza. Uma bela flor de lótus amarela e feroz.
O homem a contempla em admiração, mas com muito respeito.
- Está bem, eu aceito o serviço. Me diga quem é essa pessoa que eu devo... extrair.
Tirando uma pasta de seu casaco, o homem lhe entrega à runner. Folheando os papeis, ela vê seu alvo, não parecia ser ninguém além de um simples cidadão de Sonata. Na pasta também haviam os detalhes do plano, como sua localização e estratégia.
- Espere um pouco, eu terei que atirar nas pessoas?
- Definitivamente não. Nossa equipe de assalto deixará o caminho livre para você. O máximo que terá de fazer é extrair o alvo em segurança. Se você entrar em um tiroteio será completamente circunstancial.
A garota pondera.
- E quanto ao pagamento? Quanto irei receber?
- A facção lhe oferece dez mil créditos.
“Dez mil?” pensa ela. Laura acabara de receber vinte por um serviço semelhante no Ministério da Informação. Devido as implicações, o serviço do homem à sua frente envolvia um risco de vida ainda maior. Desta vez ela não lidaria com policiais disciplinados, mas com extremistas fanáticos.
Por outro lado, trabalhar com aquela facção lhe daria algo além do dinheiro: prestígio. Sua reputação correu a superfície e alcançou os níveis superiores onde as facções se encontram. Se ela conseguisse realizar o serviço, seria mais um êxito em sua carreira, e Laura era voraz em seu apetite pelo sucesso.
- Eu aceito. – responde ela.
- Só mais uma coisa. – diz o homem, tirando algo de seu casaco – Vamos precisar que você use isso durante o ataque.
A garota segura uma máscara preta, como a dos ninjas.
- Isso é alguma brincadeira?
- Longe disso. Precisamos que você se pareça com uma de nós. O recado dado deve ser claro.
Contrariada, ela guarda a máscara e responde:
- Preciso de um tempo para me preparar.
Laura ainda precisa recuperar suas energias. Fugir do Ministério da Informação lhe deixou exausta.
- Você tem até à noite. Apresse-se, não temos tempo a perder.
Antes que ela pudesse responder algo, o homem gesticula com a mão e lhe dá as costas, indo embora com sua escolta em seguida.


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