domingo, 26 de outubro de 2014

Eram Demônios



Aquela voz tão bonita
Que eu ouvia quando era criança
Que me consolava quando eu estava triste
Que me fazia companhia quando eu estava sozinho
Que conversava comigo quando eu queria atenção
Que me protegia quando estava escuro
Que me acalmava quando chovia muito

Aquela voz tão bonita
Que assistia desenho animado comigo
Que jogava videogame comigo
Que assistia filmes de terror comigo
Que ia ao parquinho comigo
Que ria comigo quando nos divertíamos
Que brincava comigo quando eu não tinha amigos

Aquela voz tão bonita
Que me fazia melhorar quando eu estava doente
Que se preocupava comigo quando eu me machucava
Que cuidava de mim quando eu tinha medo
Que rezava comigo para a mamãe não chorar
Que rezava comigo para o papai não beber o tempo todo
Que rezava comigo para ele não bater nela de novo

Aquela voz tão bonita
Que me dizia que eu era bonito quando eu me achava feio
Que me dizia que eu era forte quando eu me achava fraco
Que me dizia que eu era inteligente quando eu me achava burro
Que me consolava quando papai dizia que eu era isso tudo
Que me dava apoio quando eu mais precisava
Que acreditava em mim quando eu não acreditava

Aquela voz tão bonita
Que me conduzia quando eu estava perdido
Que me aconselhava quando eu estava confuso
Que me consolava quando eu chorava
Que me confortava quando eu queria carinho
Que nunca me deixou sozinho
Como muita gente me deixa agora

Aquela voz tão bonita
Que me alertava se havia perigo
Que se preocupava se eu sentia frio
Que me ajudava a ser menos tímido
Que me ajudava a ser mais extrovertido
Que nunca fingiu ser meu amigo
Que sempre esteve lá comigo

Aquela voz tão bonita
Que falava comigo quando eu era criança
Que me convencia de que ainda havia esperança
Que eu pensava serem anjinhos
Porque sempre era boa comigo
Mas hoje eu sou um homem adulto
E não sou mais uma criança com medo de tudo

Eu olho para o espelho
E vejo o meu reflexo
Atrás de mim há dezenas de pessoas
E algumas estão sobre os meus ombros e minhas costas
E o meu reflexo fala para mim mesmo:
“Você se lembra daquela voz que falava com você quando era criança?”
“Eram demônios”


 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Entre As Estrelas



Enquanto minha vida cinzenta passa
Com turnos cansativos, ônibus lotados e estresse
De salários baixos e altos impostos que garantem minha pobreza
Algo inesperado acontece

No passado gostei de uma garota
Mas ela nunca gostou de mim
Então ela reaparece em minha vida
E me faz um pedido estranho
Ela me diz que quer um filho
E que há dias vem fazendo sexo com vários homens
Diz que quer um filho pra não se sentir mais sozinha
Mas ninguém saberá quem é o pai

Ela estava vestindo um casaco sujo e rasgado
Ao abri-lo, ela exibe a nudez de seu corpo
Quando vejo que ela não vestia nada por baixo
Arregalo os olhos e sinto o tesão crescer em meu corpo
Com frieza e convicção ela olha para mim
E me pede para transar com ela

Eu aceito e a levo para minha casa
E rapidamente a deito em minha cama
Aprecio o momento sentindo prazer
Acaricio seu corpo, seus seios, seu rosto
Mal podia acreditar que aquilo estava acontecendo
Era um sonho realizado, um desejo satisfeito
Minha pela primeira vez, a mulher que mais amei
Mas percebo que ela está fria, distante
Seus olhos exibem repulsão e angústia
Sem palavras, sem gemidos, sem prazer
Em silêncio, apenas esperando eu terminar

Tento me concentrar, mas perco o desejo
Tento sentir amor, mas só sinto dor
Termino o sexo com um orgasmo forçado
Me sinto imundo, ridículo, vazio
Me encho de remorso, não foi assim que eu imaginei
Olho para ela e vejo outra pessoa
Como se fôssemos dois desconhecidos

Ela se levanta, se limpa e se veste
E pisa em mim dizendo que eu não serei o último
Eu pergunto por que ela estava fazendo aquilo
Transando com vários homens, querendo ter um filho
Ela me diz que a vida dela foi um fracasso
E que hoje é uma mulher solitária, abandonada e viciada
E que tudo que ela tentou na vida
Se desmoronou como um castelo de areia
Eu digo que posso dar a ela o amor que ela sempre sonhou
E que juntos poderemos ter uma família
Que o passado de drogas e prostituição ela vai esquecer
E que com certeza a farei feliz
Mas ela me ignora, me dá as costas e vai embora
Por que sei que o meu amor ela nunca quis

Hoje finalmente recebi a notícia
A mulher que no passado eu amei tanto
Que se entregou a mim por interesse
Mas que foi minha por uma única vez
Foi encontrada morta na rua
Seu casaco estava aberto, revelando sua nudez
No meio da calçada para quem quisesse ver
Jogada no chão como um saco de lixo
Morta por overdose
Solitária, abandonada e viciada como ela mesmo disse

Seu sonho não se realizou
Ela jamais terá um filho que a deixe menos triste
Jamais terá qualquer coisa que alivie sua tristeza
Como muita gente que vive, trabalha e sente fome
Que se cansa, sente frio e sente medo
Ela também não teve seu sonho realizado
Como muita gente que sonha
E que teve seus sonhos arrancados pela dureza da vida
Ela partiu sem ver seu filho em seus braços
Por que sonhos bons
Raramente se realizam

Quanto mais penso nisso
Menos tenho vontade de viver

Agora a penúria toma conta de mim
Estou cansado, estou tão cansado de chorar
Estou cansado de sentir medo
Gostaria de fugir dessa cidade, desse país, desse mundo
Gostaria de fugir desse planeta
Num foguete, nave ou coisa desse tipo
Ou mesmo numa rampa que me fizesse subir bem alto
E me fizesse sair desse lugar cheio de desgraça
Desse lugar cheio de mortes e tragédias

Ir para bem longe no céu bem distante
Onde minhas lágrimas se congelariam com o frio
E eu não mais sentiria dor
Subindo o mais alto que eu pudesse
Deixando para trás o tormento da vida
Rumo a um ninho pacífico de solidão eterna
Recebido de braços abertos em um novo lar
Bem lá em cima
Na imensidão do silêncio e dos planetas
Entre as estrelas


domingo, 19 de outubro de 2014

Trabalhar É Tão Estranho



Trabalhar é uma coisa tão estranha
Fazemos o que não queremos fazer
Operamos o que não queremos operar
Produzimos o que não queremos produzir
Pensamos o que não queremos pensar

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Escrevemos o que não queremos escrever
Digitamos o que não queremos digitar
Atendemos quem não queremos atender
Ouvimos o que não queremos ouvir

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Limpamos o que não queremos limpar
Nos sujamos quando não queremos nos sujar
Varremos onde não queremos varrer
Lavamos o que não queremos lavar

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Dirigimos o que não queremos dirigir
Carregamos o que não queremos carregar
Consertamos o que não queremos consertar
Nos esforçamos quando não queremos nos esforçar

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Acordamos quando não queremos acordar
Levantamos quando não queremos levantar
Vestimos o que não queremos vestir
Dormimos quando não queremos dormir

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Conversamos com quem não queremos conversar
Cumprimentamos quem não queremos cumprimentar
Toleramos quem não queremos tolerar
Obedecemos quem não queremos obedecer

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Vamos aonde não queremos ir
Entramos quando não queremos entrar
Saímos quando não queremos sair
Ficamos quando não queremos ficar

Trabalhar é uma coisa tão estranha
As horas não passam
As horas se arrastam
Mas se estamos atrasados
As horas passam mais rápido

Trabalhar é uma coisa tão estranha
Ninguém é obrigado a ficar
Mas todos querem sair
E mesmo quando for pra sair
Ninguém vai querer ir

Trabalhar é uma coisa tão estranha

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A Arte Depressiva de Amar



É um vício, só pode ser
Essa minha vontade de te ver
Mesmo longe por pouco tempo
Dá uma saudade que não aguento

Como rosas que esperam para serem beijadas
Por beija-flores e depois serem deixadas
Ou facas que esperam para serem usadas
Para cortar meus pulsos após algumas risadas

Como uma cama que espera eu deitar
Com você para podermos nos amar
Ou como alguém que espera para chorar
Longe de todos para não ter que se explicar

Como um doente que espera para morrer
Depois de seus pecados ele se arrepender
Ou como eu que agora tento imaginar
É algo difícil para eu poder explicar

É um vício, só pode ser
Essa minha vontade de te ter
Minha arte depressiva de te desejar
Minha arte depressiva de te amar

Adorável Fragrância Noturna



Enquanto me distraio observando as estrelas
A cidade, a noite e a Lua Cheia
Lentamente sinto a tua presença
Tudo que faz mal agora me alimenta

Seus beijos são sentidos no ar
A noite parece me chamar
Minha estatura começa a aumentar
Meu amor agora eu devo caçar

Pelos cinzentos cobrem meu corpo
Metade homem, metade lobo
Místico, junto a ela quero estar
Amor em um coração sem lar

Adorável fragrância noturna
A magia da Lua Cheia é obscura
Minha amada comigo eu irei levar
E juntos caçaremos ao luar