quarta-feira, 15 de abril de 2020

Minha Família é Tão Linda



Acordamos cedo todos os dias
E juntos tomamos café na cozinha
Meus pais, meu irmão e minha irmã
Em família reunidos pela manhã

Meu pai é um homem de sucesso
Em seu trabalho ele tem bom progresso
Vestindo seu belo terno e gravata
Ele lê seu jornal ao lado de sua pasta

Minha mãe é tão amorosa
Conosco ela é sempre atenciosa
Cuida de nós com muito carinho
Toda manhã faz nosso café bem quentinho

Nossa casa é grande e confortável
E tem uma decoração agradável
Na frente um gramado bem lindo
E atrás um jardim bem florido

Meu irmão é um aluno excelente
E estuda em uma universidade decente
Ele estuda com muito esforço e empenho
Para garantir um bom salário e um bom emprego

Minha irmã é uma excelente dançarina
Pratica balé com suas amigas
Ela dança em muitos espetáculos
E já ganhou alguns campeonatos

Dos irmãos eu sou o mais novo
E apesar de haver brigas de vem em quando
Eles me ajudam na escola e nos estudos
Porque eu e meus irmãos nos amamos muito

De repente eu acordo de minha alucinação
Deitado de braços abertos no meio do chão
Ao lado do esgoto a céu aberto cheirando a merda
De frente ao córrego poluído cortando a favela

Após meu uso descontrolado de crack
Esse vício que corroi meus ossos e minha carne
Para me drogar já roubei para arrumar dinheiro
E também já matei, mas nunca fui pego

Cresci em um desses frágeis barracos
Que quando chovia, era sempre alagado
Sem sala ou cozinha, apenas um quarto
Onde sete pessoas dormiam, todos amontoados

Minha mãe sempre me espancou
Meu nariz uma vez ela quebrou
Ela era violenta e descontrolada
E quebrava tudo quando irritada

Meu pai sempre se drogava
E vendia tudo o que havia em casa
Uma vez ele saiu e me esqueceu lá dentro
E me deixou passando fome o dia inteiro

Na terceira série abandonei a escola
Porque ninguém se importava com minhas notas
Já apanhei da polícia, já fui presidiário
Eu cresci sozinho, um criminoso e revoltado

Não sei quantas vezes eu apaguei
O crack é a droga que eu mais usei
A única que consegue levar a minha dor embora
Me tirando da dura realidade aqui fora

Eu devo ter visto em algum filme ou seriado
Essas famílias americanas que tanto me agradavam
Sempre felizes, com comida em variedade
Onde em suas casas não passavam necessidades

A minha família não tinha conforto ou fartura
Éramos miseráveis em uma casa imunda
Diferente deles que estão sempre sorrindo
Estou sempre chorando, me drogando e faminto

O que eu sou para eles?
Um patético verme decadente
Um viciado sem futuro, de aparência vil
Mais um miserável em uma favela do Brasil




domingo, 5 de abril de 2020

Um Suplício



Eu ando tão atribulado ultimamente
Não há mais nada que me deixa contente
Não suporto mais os noticiários
É deprimente como me puxam para baixo

Um vírus novo causando tantas mortes
Ceifando a vida até dos mais fortes
Governos imorais empurrando uma ideologia
Interesses econômicos por trás de uma epidemia

A contenção e a progressão do vírus são instáveis
Ele é propagado criminosamente por seus responsáveis
Mais um inocente morre e deixa sua família
Mais um número que engrossa a crescente estatística

Dinheiro e poder
Sempre o maldito dinheiro e poder
Governos planejando a dominação
Egoísmo sobrepujando a razão

Porque a obsessão pelo poder?
Temos tão pouco tempo para viver
Não deveríamos estar explorando o espaço
Curando doentes e alimentando os necessitados?

Só as drogas fazem eu me sentir bem
E bebidas fortes eu tomo também
Eu não apreciava mais nenhuma companhia
Sozinho eu definhava em minha agonia

Então você vem
Em um momento em que eu não queria ter ninguém
Mas sem se importar você aparece
E a noite em minha alma termina e o dia amanhece

Apoio minha cabeça em minha mão
Me distraio te dando atenção
Fico apenas te escutando
O teu amor eu desejando

Gosto tanto de ouvir seus assuntos
Você parecia ter uma solução para tudo
Porque eu já perdi a esperança no mundo
E a felicidade para mim era um absurdo

Após tanto tampo com o coração esvaziado
Passando a maior parte do meu dia irritado
Eu não pensei que acabaria assim
Que uma mulher teria interesse em mim

Do meu pessimismo eu não gosto de falar
O brilho em seus olhos eu não quero tirar
Eu a deixo em seu sonho e sua ilusão
De que coisas boas vêm para quem é bom

Quando você está nos meus braços
Eu sinto meu corpo fraquejar
Os teus cabelos e o teu cheiro
Me aliviam e me fazem sonhar

Quando seus lábios tocam nos meus
Eu sinto o meu coração disparar
O atrito de nossas línguas
Faz minha mente delirar

A tua alma emite um calor
Que alivia toda a minha dor
Meu pessimismo e meu desespero
Somem quando eu te beijo

Você fala muito em se casar
“Comigo?” eu pergunto, sem acreditar
Você fala que eu sou muito amargo em minha vida
“Coitadinha” eu penso
“Se ao menos ela soubesse...”
“Dos meus pensamentos suicidas”

Ter você me era um alívio
E eu adorava tê-la comigo
Você se tornou o meu abrigo
Porque para mim a vida se tornou um exercício

Sem motivo nem razão
Sem sentido nem direção
Um estressante e desgastante exercício
Ou pior ainda,

Um suplício




segunda-feira, 30 de março de 2020

Você Vai Abandonar Essa Vida?



Você vai abandonar essa vida
De nosso uso constante de drogas
Das mais pesadas e alucinógenas
Composta das substâncias mais tóxicas?

Você vai abandonar essa vida
De vivermos como mendigos na rua
Vestindo nossas roupas imundas
Dormindo nas sarjetas mais sujas?

Você vai abandonar essa vida
De nossos constantes roubos de carros
Saqueando itens de valor deixados
Através das janelas de vidros quebrados?

Você vai abandonar essa vida
De assaltos a mão armada
Onde roubamos a vítima apavorada
Portando um revólver e você uma faca?

Você vai abandonar essa vida
Do mais patológico alcoolismo
Nos embriagando com as piores pingas, cervejas e vinhos
Mais tarde desmaiando em nosso próprio vômito e mijo?

Você vai abandonar essa vida
De imoral prostituição
Onde você se submete a essa degradação
Por dinheiro fácil e por diversão?

Você vai abandonar essa vida
De sempre fugirmos da polícia
De termos ficha em toda delegacia
Eternos foragidos da justiça?

Você vai abandonar essa vida
Dos nossos demais vícios
Dos mais variados riscos
Sem nunca nos preocuparmos com isso?

Para se casar comigo
E futuramente termos os nossos filhos
Na nossa vizinhança fazermos amigos
E talvez até termos um cachorrinho?

Para viver comigo
E termos um lar bem bonito
Usarmos roupas limpas e atraentes
E termos até um emprego decente?

A pergunta vem e sufoca tudo
Sempre quando estamos juntos
Você vai abandonar essa vida
De mulher bandida e promíscua
Para se casar e viver comigo
Fora do caminho do abismo?

É o que eu sempre me pergunto

Porque eu me apaixonei por você
Eu demorei para perceber
Que você para sempre eu queria ter
E não queria nunca te perder

Porque você é tudo o que eu tenho
Com você eu não sentia mais medo
Não sentia dor
Nem rancor
Não sentia raiva
Eu não sentia mais nada

E a pergunta habitava em minha mente

Você vai abandonar essa vida
Para ser a mulher da minha vida?
É o que eu me pergunto
É o que eu sempre me pergunto...



sábado, 28 de março de 2020

A Partida Para o Além



Sentada ao lado da cama no hospital
A saúde da minha avó ia muito mal
Com lágrimas no rosto eu seguro sua mão
Ouço na máquina as batidas de seu coração

Há uma semana vejo seu quadro piorar
A idade avançada fez a doença se agravar
Para me proteger ela finjia que não estava sofrendo
Sou só uma criança e não entendia o que estava acontecendo

Minha avó era a irmã mais nova de oito irmãos
Uma família grande que veio do sertão
Todos já faleceram, ela é a última que sobrou
E me diz “minha neta, acho que minha hora chegou”

Minha mãe era muito jovem ainda
E não estava preparada para ter uma filha
No meio da noite ela abandonou sua família
E fugiu pelo mundo com uns anarquistas

Nunca mais a vi desde então
E minha avó se tornou minha mãe de criação
Nove anos me criando com amor e carinho
Eu adorava tanto tê-la comigo

Mas agora não sei o que será de mim
Se esta noite a minha avó partir
Ela era tudo o que eu tinha
E eu não queria ficar sozinha

Horas se passam
As dores se alastram
Eu choro em lamento
Tenho tanto medo

Não sei o que aconteceu, eu devo ter adormecido
Mas acordo no meio da noite com um apito contínuo
A máquina indicava uma parada cardíaca
Naquele momento minha avó perdia sua vida

Então diante dos meus olhos eu vejo manifestar
Em pavor eu via mas não conseguia acreditar
Vento sopra ao redor de seu corpo falecido
E o quarto é iluminado por seu lampejante espírito

Minha avó se senta na beirada da cama e sorri
Mas seu corpo continuava deitado ali
Ela passa a mão em meu rosto e diz que está tudo bem
E diz que os irmãos dela estavam ali também

Olho para trás e vejo os outros sete na porta
Eles vieram buscá-la depois de morta
Vovó diz para eu não ter medo porque sempre estará comigo
E diz que uma surpresa já estava vindo

Semelhante a uma tocha reluzente minha avó caminha
E se reúne novamente com sua família
Eles se beijam e se abraçam com grande alegria
E ela se despede dizendo “adeus, minha netinha”

Então, em um clarão eles desaparecem de repente
E o quarto fica silencioso e escuro novamente
O corpo de minha avó estava estático e sem vida
E eu percebo como sua mão ficava fria

Eu choro, eu choro tanto em agonia
“Vovó, por que você me deixou aqui sozinha?”
“Quem me levará para escola, quem me dará de comer?”
“Quem me protegerá se alguém um dia me fizer sofrer?”

Enquanto choro com grande tristeza
No corredor ouço alguém chamar a enfermeira
Vejo um homem loiro vestindo um casaco
Ele gesticulava com um olhar preocupado

O homem pergunta:
“É aqui que estão uma senhora e uma garotinha?”
A enfermeira pergunta “o senhor é da família?”
O homem responde “sim, eu posso falar com a menina?”
A enfermeira pergunta “por quê?”
Ele responde:

“É minha filha”



quarta-feira, 25 de março de 2020

Sob a Estrela de Davi



Elisheva conheceu a Yohanan em Haifa
O Ministro da Defesa Moshe Dayan os convocava
Aviões de caça cruzavam o céu
Durante o alistamento no Exército de Defesa de Israel

O país foi covardemente atacado
Ataques coordenados de todos os lados
Israel celebrava o seu feriado mais sagrado
O famoso dia de Yom Kippur

A agressora coalizão árabe
Novamente partia ao ataque
Buscavam vingança após a humilhante derrota sofrida
Em 1967 na famosa Guerra dos Seis Dias

“A nação está sob um ataque genocida!”
Afirma Golda Meir, a então primeira-ministra
Ela dirigia seu pronunciamento às fileiras
E o exército ela enviaria às fronteiras

E foi ali que Elisheva encontra o ohar de Yohanan
Parado na fileira de frente em sua farda verde-oliva
Um rapaz jovem, da mesma idade e bonito
Em um olhar encantado e irresistivelmente fixo

Eli não sabe o que fazer
A timidez começa a lhe constranger
Por sua beleza ele foi hipnotizado
Ela não sabia, mas Yohanan estava apaixonado

No alojamento eles então se encontraram
Um pouco inseguro, ele se apresenta e eles conversaram
A conversa é breve, mas muito interessante e divertida
Não havia tempo a perder, pois a guerra logo os separaria

Yohanan diz que foi um reservista
Durante a passada Guerra dos Seis Dias
Era jovem demais para participar do combate
Mas na Península do Sinai seu pai participou do contra-ataque

Elisheva diz que é a primeira vez no exército
Ela partiria para o Sinai com mais alguns médicos
Era uma divisão médica do exército israelense
Que trataria os soldados feridos na linha de frente  

Yohanan demonstra descontentamento
Em seus olhos ela percebe o abatimento
Em duas horas o rapaz partiria às Colinas de Golan
E ele não sabia se a veria amanhã

Ele diz:
“Esse pode ser o nosso último dia vivos”
E inesperadamente ele propõe
“Você quer se casar comigo?”

Assustada, Eli responde:
“Mas nós mal nos conhecemos”
Yohanan apenas diz:
“Acho que para isso não teremos tempo”

Ela inconscientemente responde “sim”
E o rapaz a beija enfim
Sua divisão é chamada para os montes
E então ambos partem para o front

Mais tarde, Yohanan vê que a situação está muito má
E o próprio Ministro Dayan foi lá supervisionar
Os tanques sírios invadiram o sul de Golan sem resistência
E os israelenses precisavam contra-atacar com urgência

Mas no dia 8 de outubro a divisão de tanques israelenses
Coordenam e redirecionam as forças da frente
E heroicamente retomam a fronteria da Síria
Atacando de volta a nação inimiga

“Responderemos aos ataques no mesmo tom”
“Daremos orgulho ao nosso General Ariel Sharom”
“O mundo se lembrará de nossa bravura demonstrada aqui”
“E Israel será vitoriosa sob a estrela de Davi”

Yohanan pensa para si mesmo
Enquanto seu tanque avança pelo terreno
Na linha de frente ele se alegra de vir ao resgate
Mas a emboscada viria mais tarde

O rapaz se protegia dentro do casco atingido
Mas eram muitos ataques vindos dos canhões inimigos
Então o tiro vem em sua direção
E o impacto reverbera tudo como um trovão

O rapaz morre dentro do tanque
Chamas se erguem com a explosão radiante
Seu corpo colapsa e sua vida ele deixa para trás
E seu amor Elisheva ele não verá nunca mais

No dia 26 de outubro
Os israelenses comemoravam o cessar-fogo
Na capitaval Tel Aviv
O país voltava novamente vitorioso

No Sinai Elisheva também comemora
Mas algo a preocupava naquela hora
Ao pesquisar ela recebe a notícia
Aquele rapaz, Yohanan, perdera sua vida  

Elisheva se enche de tristeza
De seu amor ela teve certeza
Ela jamais viverá esse sentimento
Porque jamais teriam o seu casamento

“E por que houve aquele momento?”
Pergunta-se ela com grande lamento
Se não era para eles se casarem
Então por que a vida permitiu que os dois se encontrassem?

Eli começa a chorar
O seu túmulo ela pretende visitar
Mas naquele momento ela não podia entregar-se à penúria
Porque em Israel a luta sempre continua


sexta-feira, 20 de março de 2020

Anya



Anya é minha amiga imaginária
Ela aparece quando estou solitária
“Vá dormir!” grita minha mãe
Eu respondo:
“Estou brincando com a Anya”
Enquanto pintava corações

Anya não quer mais brincar de boneca
Não reconheço mais o jeito dela
Ela diz que só há uma coisa que a interessa
Que era me levar para as trevas

Ela aparece à noite enquanto durmo
Parada ao lado da janela, me matando de susto
Ela diz que um dia vai me sufocar
Acordo enrolada na coberta, quase sem respirar

Anya me ensinou a matar
Animais ou pessoas, era fácil tentar
Pediu para eu tentar com meu cachorro primeiro
Disse que era mais divertido do que brincar o dia inteiro

Eu respondo que não podia fazer isso
Que não lhe faria mal, pois amo o meu cachorrinho
Anya responde que o animal não é importante
Pois o detestava e queria seu sangue

Uma vez Anya apareceu atrás de minha casa
Sua face estava ferida e toda ensanguentada
Ela disse:
“Vou te levar comigo, chegue mais perto”
Eu perguntei para onde
Ela respondeu:
“Para o inferno”

À noite Anya estava diferente
Estava mais alta, com voz de homem e olhos reluzentes
Parada no escuro ela riu e disse
Que não terei presente e que o Papai Noel não existe

Corri, corri o mais depressa que podia
E apavorada chamei a minha tia
Contei a ela tudo o que havia ocorrido
E ela se encheu de medo
Esperando minha mãe comigo

“Mãe, tire-a daqui! Afaste-a de mim!”
Minha mãe nunca viu eu me comportar assim
“Onde ela está?”
Pergunta ela, tentando entender
“Ela esta aí” eu respondo
“Bem atrás de você!”

Aos prantos ela me tira da casa
Sem me ouvir ou me dizer mais nada
Ela ainda não entendeu
Que a Anya quem era
Era eu

Minha mãe me leva a uma curandeira
A bruxa conjura espíritos com magia negra
O ritual sacrílego me deixa liberta
Minha amiga imaginária voltou para as trevas

Ao terminar a curandeira está enfraquecida
E pede à minha mãe:
“Me deixe sozinha com a menina”
Vejo minha mãe sair preocupada
E fico sozinha com a bruxa na sala

Atrás de mim ouço um riso
Ao me virar a bruxa havia desaparecido
Então uma sombra negra se eleva do chão
E forma uma menina, me estendendo sua mão

“Sou eu, sua amiguinha”
Se apresenta ela, com voz maligna
“Quem?” eu pergunto, imprudentemente
Ela responde
“Anya”
“Sua amiga para sempre”


quinta-feira, 19 de março de 2020

O Saxofonista



Começo mais um dia
Em minha rotina de desânimo e agonia
Parece que não superarei essa situação
A cada dia mais um passo à minha destruição

Chegando ao metrô abarrotado de gente
Vejo um saxofonista à minha frente
Imediatamente me encanto com sua melodia
E o som vai me enchendo de comoção e alegria

Fazia tanto tempo que não me sentia bem
Em minha mente só havia tristeza e desdém
Mas fico tão agradecido com o homem do saxofone
A generosidade e retribuição me consomem

Eu retiro uma nota de cem do meu casaco
A alta quantia lhe deixa assustado
Então começamos a conversar
E de sua vida ele começa a falar

Ele me diz que o sax era de seu sogro
Que já havia falecido há alguns anos
Em seu celular ele me mostra uma mulher bem bonita
E me revela dizendo que era a sua filha

Não sei o que me aconteceu
Mas era como se a jovem mulher
Fosse a melodia viva do saxofonista
A melodia viva encarnada em sua filha

Indiscreto eu pergunto se ela era casada
Seu pai me informa ela ser descompromissada
Eu lhe pergunto se podemos ter um encontro
O saxofonista ri sem ver maldade em meu encanto

No fim de semana a conheço pessoalmente
A garota era linda e muito sorridente
A melodia viva me despertava paixão
Em seu olhos ela sabia o que se passava em meu coração

Hoje já fazem três anos
Desde quando nos casamos
A vida nos presenteou com uma menininha linda
A beleza de minha esposa em minha filha

Pouco tempo depois meu sogro adoece
E seu saxofone ele me oferece
Disse para eu cuidar da minha família
E que seu sax era tudo o que ele tinha

Ele falece me desejando sorte
Eu o contemplo em seu leito de morte
Em seu funeral eu apenas chorava
O seu legado comigo ficava

O saxofone eu aprendi a tocar
As melodias me faziam sonhar
Algo no instrumento me é hipnotizante
Devo continuar a música iniciada antes

Toco na estação de metrô há vinte anos
No mesmo lugar onde eu e meu sogro nos encontramos
A melodia que tanto me agradou
E minha vida que desde então mudou

Mas as pessoas andam tão ocupadas
E minha música elas não notavam
E nessas duas décadas que toco o instrumento
Em nenhuma delas despertei o mesmo sentimento

Até que um dia um jovem se aproximou
E em seus olhos vi que se fascinou
Ele me agradece com uma quantia que me faz me assustar
E alegremente começamos a conversar


quarta-feira, 18 de março de 2020

Poeira


A casa permanece fechada
Com lençóis sobre a mobília abandonada
Silêncio nos cômodos escuros
Poeira se ajuntando nos cantos imundos

Dizem que a casa é mal assombrada
Há alguns anos uma família foi assassinada
O pai possuído por espíritos malignos
Massacrou sua esposa e seus dois pequenos filhos

Com um machado em suas mãos
Os massacrou friamente sem hesitação
O chao ficou lavado de sangue quente
Respingos escorriam pelas lisas paredes

As crianças morreram ainda deitadas
Sangue escorria pelos degraus da escada
A esposa gritava ao ser golpeada
Seus pedaços espalhados pelo interior da casa

Com os gritos os vizinhos chamam a polícia
E ao chegar se espantam com tamanha carnificina
O marido tentava ocultar os corpos no porão
E lá encontram um altar com velas, ossos e um caixão

O marido avança com seu machado
Mas é múltiplas vezes baleado
Sua vida se esvai em poças de sangue no chão
Os paramédicos tiveram nojo de lhe porem as mãos

Depois do morticínio a casa ficou fechada
Como uma cripta profana ela foi selada
Lençois cobrem a mobília abandonada
E poeira se ajunta pelos cantos da sala

Mas dizem que o marido ficou ali vagando
Sua alma maldita no escuro espreitando
Presa nesse mundo de vazio eterno
Sem ter uma chance de queimar no inferno

Mas quem quiser quebrar o silêncio funéreo dessa casa maldita
E invadir o santuário negro dessa família sem vida
Sob a poeira encontrará o que está procurando
E eu estarei aqui em minha casa te esperando