(Arte de Hayley Macmillan)
Longe do Mystique
ou do Submundo, Laura anda pelas ruas da superfície. Atravessando as
movimentadas ruas, ela muda de direção e entra em um beco. Pelo chão, os
mendigos dormem em caixas de papelão e outros conversam em volta de fogueiras. Vendo
a garota passar ali, alguns lhe estendem a mão, pedindo-lhe esmola.
Ao lado de várias
garrafas vazias, um homem dorme contra a parede. Laura se abaixa e, tocando seu
ombro, o acorda. Seu rosto velho e enrugado demonstra embriaguez, sua barba tem
forte cheiro de álcool e mosquitos pousam em seus cabelos longos e loiros.
O homem abre os
olhos e, ao ver a garota, sussurra:
- Laura...?
Com lágrimas nos
olhos, a garota responde:
- Oi, pai.
Sentando-se, o
homem controla sua tontura e diz:
- Senti saudades.
Sorrindo, ela
responde:
- Eu também.
O homem pergunta:
- Faz quanto
tempo que você não vem me ver?
A garota pensa. Dias,
semanas ou meses, ela não sabe dizer.
- Muito tempo.
- Bem... –
comenta ele, ajeitando-se – O importante é que você veio. Estou feliz em te ver,
filha.
Seu pai lhe abre
os braços. Laura se aproxima e o abraça. Ao sentir o cheiro de suor, urina e
álcool, ela sente náusea.
- Pai – diz ele,
afastando-se –, eu trouxe comida para você. Também trouxe água e roupas... E remédios
se precisar.
Laura lhe entrega
uma volumosa mochila. O homem a abre e, com lágrimas nos olhos, a abraça
novamente.
- Obrigado,
filha.
Emocionada, Laura
ignora o cheiro e o abraça também.
- Pai, eu disse
que não ia mais te dar, mas pegue isso.
Entregando-lhe um
envelope, o homem o abre e vê várias notas de dinheiro. Fazendo um semblante
sério, ele diz:
- Laura, você
sabe o que eu vou fazer com isso, não sabe? – ele se refere ao seu vício em
álcool e drogas.
- Eu sei.
- Você tem
certeza?
Sem abrir a boca,
a garota apenas assente com a cabeça. Guardando o envelope, ele respira fundo e
pergunta:
- Você ainda está
trabalhando para o Database?
- Não. – responde
ela – Estou trabalhando com ele, na verdade.
Preocupado, seu
pai a alerta dizendo:
- Laura, eu já te
falei que o Database é perigoso e que não deve ser confiado.
Irritada, ela o afronta
dizendo:
- Vamos falar
sobre isso de novo, pai?
Desistindo, o
homem lhe faz um olhar complacente e sorri.
- Você é sempre
tão forte e independente. Sua mãe teria muito orgulho de você.
Fazendo um
semblante triste, Laura pergunta:
- Como ela era,
pai?
- Sua mãe era uma
mulher incrível, filha, de personalidade forte e um coração de leão. Ela
simplesmente era a mulher mais linda e amável que eu já vi.
- Pai... – diz
ela, com dificuldade na voz – Por que ela foi embora?
Parecendo
esconder algo, ele vira o rosto e responde:
- Eu não sei.
Então uma dor
imensa cresce em seu peito. Tentando conter o choro, ela se levanta e lhe diz:
- Eu tenho que
ir.
Caminhando de
volta pelo beco, seu pai a interrompe, dizendo:
- Laura, espere! Não
guarde isso no seu coração! Você tem que superar o passado! Você tem que superar...!
Olhando para
trás, ela o ironiza:
- Como você o
superou?
Fechando os
olhos, ela tenta lidar com a culpa em sua mente.
- Eu apenas não quero
que você fique como a mim também. – a garota não lhe dá atenção – Laura,
espere! Laura...!
Ignorando-o, ela
o deixa para trás e continua seu caminho.
§
Horas se passam.
Sentada no terraço de um prédio, a garota chora em silêncio. Laura pensa em sua
vida e em seu passado. Lembrando-se de seu pai, ela muito o despreza, mas ainda
assim o ama e cuida dele. Com lágrimas escorrendo em seu rosto, ela se lamenta por
sua família, sentindo pena de seu pai e de si mesma.
Distraída em suas
próprias lamentações, seu comunicador toca. É Database.
“Lótus, você está
aí?”
Enxugando seu
rosto, ela responde:
- Database, não é
uma boa hora.
“Tenho
informações sobre o paradeiro de Vertigo”.
Imediatamente a
garota se interessa.
- Onde ele está?
“Você disse que
não é uma boa hora. Eu te ligo mais tarde, se preferir”.
- Não, eu estou
bem. – responde ela, recompondo-se – Me fale sobre o Vertigo.
“Eu recebi uma
mensagem sobre o seu paradeiro, mas desta vez não veio dos meus informantes. De maneira
bizarra, parece ter vindo do próprio Vertigo”.
A garota se
intriga.
- Como assim? Ele
te contatou pessoalmente.
“Aparentemente
sim”.
- Estranho...
“Você realmente
está bem? Consegue realizar o serviço?”
- É claro, chefe.
Não haveria impedimentos se fosse o Vertigo procurando por mim.
“Está bem. Estarei
lhe enviando as coordenadas, então. Boa sorte”.
Uma mensagem
chega ao seu celular. Abrindo-a, ela lê: “Distrito Aletheia, Setor O”. Pensando
um pouco, ela se levanta e então deixa o terraço.
Minutos depois, a
garota pega sua linda aeromoto amarela e segue para o seu destino.
§
Anoitecia em
Sonata. Voando em sua aeromoto, Laura passa por telões luminosos nas fachadas
das megatorres. Nos telões exibem as notícias do cotidiano, mas uma a
surpreende, chamando-lhe a atenção.
No distrito da
Cúpula Corporativa ocorreu uma manifestação geral de ativistas e trabalhadores.
As imagens mostram um confronto violento entre os cidadãos e a Polícia
Corporativa. Censurando o conteúdo sensível, as imagens revelavam um banho de
sangue, um verdadeiro massacre cometido pela tropa de choque e a polícia. Drones
e Securitrons são filmados atirando bombas e munição letal nas pessoas. Mas, apesar
do poderio bélico das forças de segurança, muitos policiais foram mortos no conflito. Ao encerrar as imagens, a repórter informa: “o número de mortos
ultrapassa os mil. Nem em um confronto com as facções o número foi tão alto
assim”.
Em entrevista a
Galileu, o ministro de Segurança Pública de Sonata, ele diz:
“Hoje foi um dia
trágico para Sonata. Mas eu declaro que o responsável por essa manifestação criminosa
e esse lamentável derramamento de sangue será severamente julgado e punido por
seus crimes. Em conjunto com o Ministério da Informação, estamos trabalhando incansavelmente,
dia e noite, para encontrar esse homem e traze-lo à justiça. E seu nome é
Nathan Hill, o Inimigo de Estado”.
Laura se
impressiona, ela nunca viu tanta gente morrer assim. Em seguida o noticiário
exibe a imagem de Nathan, presente na manifestação e sendo levado nos ombros
pelas pessoas. Esta imagem lhe causa infâmia, pois foi manipulada para fazer a população
pensar que o rapaz faz de si mesmo um “salvador da metrópole”, um homem
arrogante e irresponsável que usa a vida das pessoas para promover sua rebelião.
Sabendo de toda a
verdade, a garota sabe que Nathan não é nenhum arrogante, inconsequente e irresponsável.
Muito pelo contrário, o rapaz está disposto a se sacrificar para salvar a vida
dos outros. “Pensando por esse lado” pondera ela, “não seria Nathan, de fato,
um salvador?”.
Em seguida, uma jornalista
pergunta ao ministro Galileu quando que o Inimigo de Estado seria finalmente
capturado, uma vez que o ministro já havia feito aquela promessa várias vezes
antes. Ele é obscuro ao responder, inconclusivo, deixando os espectadores muito
insatisfeitos com sua atuação. Mas Laura acha muito pertinente a questão, pois Nathan
estava livre já fazia um ano e as corporações não chegaram nem perto do
Submundo.
Avançando pelas
vias, a garota deixa os telões para trás. Então algo aparece no painel de sua
aeromoto. O localizador captou um sinal próximo, o mesmo que Database informou
horas atrás. Laura se confunde. “Seria Vertigo emitindo o sinal?”.
Minutos depois a
garota caminha pelas passarelas daquele distrito. Aletheia era um belo lugar,
pois haviam várias megatorres comerciais luminosas pelo ambiente. Com seu
localizador em mãos, ela segue o sinal e se depara com uma megatorre em construção.
Olhando para cima, ela vê o enorme monólito de concreto e aço se elevar pelo
céu. Pulando sobre os tubos e plataformas de serviço, ela adentra a megatorre.
Subindo por uma
escada de manutenção, ela chega a uma escotilha. Laura a abre e então vê uma
área aberta, apenas com os pilares e vigas no andar. Ligando uma lanterna, ela
caminha entre os equipamentos e materiais de construção. Chegando à beirada do edifício,
o sinalizador apita mais forte, mas ela não vê ninguém. Olhando o aparelho novamente,
ela constata outra coisa, o sinal vinha de cima.
Agarrando a
beirada, ela sobe um andar. Ao iluminar o local, ela vê um ponto luminoso mais
adiante. Aproximando-se cautelosamente, ela vê um homem agachado mexendo em seu
notebook. A garota pergunta:
- Vertigo...?
O homem olha para
ela. Com voz familiar, ele responde:
- Oi, Laura.
Sorrindo, ela
corre em sua direção e o abraça.
- Vertigo, o que
aconteceu com você? Você está bem? Os mecanicistas te fizeram alguma coisa?
Ainda mexendo em
seu notebook, o hacker responde:
- Não se
preocupe. Eles não fizeram nada comigo. Eu estou bem.
- Mas você esteve
desaparecido por todos esses dias. Por onde você andou?
- Eu estive na
sede dos Trans-humanistas. Eles não me fizeram mal, na verdade, desde o dia da invasão
em que eu fui ferido, eles cuidaram de mim.
Laura não consegue
acreditar.
- Como assim eles
cuidaram de você? Está dizendo que depois de os sequestrarem, quase iniciando
uma guerra com o Submundo, eles te pegaram e simplesmente cuidaram de você?
Indiferente, ele responde:
- Sim.
A garota se
intriga, seu amigo estava apático. Estranhando seu comportamento, ela então pergunta:
- Vertigo, por
acaso eles fizeram implantes forçados em você?
Sem se importar
com a pergunta direta de Laura, o hacker calmamente responde:
- Não.
- Tem certeza?
- Não havia razão
para eles implantarem algo em mim. Os mecanicistas queriam o Nathan. O Submundo
não se importaria em me matar para encontrar implantes em meu corpo, caso suspeitassem
que eu fosse um espião. Mas, para todos, Nathan é necessário vivo. Ele é intocável
por isso.
Com muito esforço
Laura se convence. Mas, ainda desconfiada, ela diz:
- Se você diz.
- A propósito –
começa ele – os Trans-humanistas aceitaram uma aliança com o Submundo. Quanto ao
pequeno incidente ocorrido em sua sede, eles pedem desculpas.
A garota não se
importa com o que acontece com Nathan e seu séquito, seu principal objetivo
sempre foi salvar seu amigo. Mas, se importando ou não, Laura sabe que essa
aliança vai fortalecer a causa do Submundo.
- Database vai
ficar feliz ao ouvir isso.
- Laura, o
Projeto Gemini já começou?
Com a estranha
pergunta, a garota se intriga.
- Não que eu
saiba.
- Ótimo. Eu estou
tão cansado... Pode me levar de volta, por favor?
O hacker pões as mãos
no rosto, demonstrando cansaço. Ajudando-o a se levantar, Laura cordialmente
diz:
- É claro, Vertigo. Vamos para casa.
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