quarta-feira, 27 de março de 2019

Sonata - Parte 35 - O Salvador de Sonata



- Não se mexa, Nathan. – sussurra Maynard.
- Você está louco? – protesta ele – Ele vai atirar!
- Não. Os Securitrons reagem à movimentação hostil. Mantenha-o mirando em você enquanto eu pego algo em meu bolso.
Enfiando a mão debaixo de sua jaqueta, o agente tenta pegar suas bombas EMP. Mas o robô aponta sua metralhadora para ele e imediatamente começa a atirar. Maynard pula para o lado, tentando se proteger atrás das barricadas.
O robô avança contra Nathan. Recuando, o rapaz tateia pelas paredes, tropeça no piso e cai, se arrastando pelo chão em seguida. Os passos do Securitron tremem o chão, o rapaz se apavora. Então algo acontece.
Um coquetel molotov é arremessado e se estoura na fronte do terrível robô, levantando uma onda de chamas. Gritos são ouvidos, frases de ordem de um coral em desarmonia. Olhando para trás, Nathan vê uma multidão de manifestantes avançando com grande ímpeto pela passarela.
O rapaz se surpreende. Na manifestação há muitos cartazes e faixas com vários escritos, como “abaixo as corporações”, “o povo contra o Projeto Gemini” e “combatam a ameaça do Protótipo #8”. E, novamente, ele vê alguns cartazes com o seu rosto. A foto é de um ano atrás, do tempo em que ele divulgou a conspiração corporativa no vídeo em que a população chama de “a grande revelação”.
Maynard aparece e o puxa pelo braço. Nathan então comenta:
- Pensei que as lentes de contato fossem ocultar minha identidade.
Ativando as bombas em suas mãos, o agente apenas responde:
- Eu também.
Então Maynard lança as bombas contra o robô. O choque azulado se estoura aos seus pés e o Securitron cambaleia. Os manifestantes, encapuzados e vestidos de máscaras de gás, pulam sobre ele e o espancam com barras de aço e pedras, amassando seus componentes e ligas metálicas. Nathan novamente se surpreende, os manifestantes empenham uma luta violenta e enfurecida contra todo o governo de Sonata.
Um homem, vestindo camuflados urbanos e um lenço xadrez no pescoço, aparece e então pergunta:
- Cidadão, você está bem? Você foi ferido?
Um pouco confuso, Nathan olha para ele e responde:
- Eu estou bem, obrigado.
Arregalando os olhos, o homem se surpreende ao dizer.
- Espere um pouco, eu te conheço. Você é Nathan Hill, o Inimigo de Estado!
Ao ouvi-lo, as pessoas ao redor se aglomeram para ver. Em espanto, elas exclamam:
- É verdade! Ele é o Nathan!
- É o Inimigo de Estado!
- Nathan é o nosso libertador!
- Você veio liderar a rebelião?
- É muito maior do que isso! É uma revolução o que vivemos aqui! Vamos marchar rumo à Cúpula Corporativa!
- Como é o exterior da metrópole? As corporações querem nos exterminar?
- Onde está o Protótipo #8?
Cercando-o, as pessoas o assediam com dezenas de perguntas. Alguém o agarra pelas pernas e o suspende, carregando-o na altura dos ombros. Então as pessoas bradam:
- Viva o nosso salvador!
Como se de fato Nathan tivesse o poder de salvar alguém, os manifestantes o levam pelas passarelas. Apanhado por aquela multidão de admiradores, ele nada pode fazer senão observar atônito aquela exibição de fanatismo e loucura. Maynard não consegue alcança-lo, pois ele também é espremido e sufocado por eles.
Nathan não acredita. Ele é reverenciado como um salvador, um herói suburbano de uma sociedade distópica. Aquelas pessoas, há tanto tempo alienadas pelo materialismo e niilismo, agora preenchem seu vazio de espírito reverenciando como um salvador. O rapaz não consegue acreditar, aquelas pessoas combatem a utopia corporativa impedindo que outra seja instaurada – uma mais controlável e refinada – a do terrível Projeto Gemini. E eles têm a Nathan como seu principal mentor.
Enquanto a multidão reverencia a Nathan em seus ombros, algo surge na escuridão do túnel. À distância, eles veem pontos luminosos vermelhos surgirem em meio à fumaça. Todos se confundem. Se aproximando, os pontos tomam forma e gradualmente revelam seus imensos corpos cromados e robóticos, Securitrons. Girando suas miniguns, as máquinas alertam:
- Rendam-se ou usaremos força letal.
Mas os manifestantes, aqueles soldados suburbanos munidos de barras e pedras, avançam contra eles lançando coquetéis molotov e bombas caseiras. “Grande erro” pensa Maynard. Os robôs imediatamente atiram, crivando-os de balas. Tombando sem vida no chão, o sangue ensopa suas roupas e começa a se empoçar.  Os manifestantes olham para os corpos e, desesperados, gritam:
- Eles estão usando balas de verdade!
Na correria, Nathan se desequilibra e cai no chão. Um Securitron o encontra caído ali. Girando sua metralhadora, o robô o alerta dizendo:
- Nathan Hill, você está preso por agitação social, violência armada e exposição de material ultrassecreto corporativo. Renda-se agora ou usaremos força letal.
Pensando que seus admiradores iriam abandona-lo, ele se surpreende outra vez. Os manifestantes se posicionam à sua frente e, de braços dados, gritam:
- Protejam o Inimigo de Estado!
A máquina atira. Como figuras de papel, seus protetores são estraçalhados pelos impiedosos projéteis. Com as mãos na cabeça, Nathan se protege, mas ainda consegue ver aquelas pessoas caindo uma a uma. O rapaz se espanta.
Puxando-o pelas roupas, Maynard o levanta e então diz:
- Temos que ir.
Antes que pudesse correr, alguém segura seu pé. Olhando para baixo, ele vê o mesmo homem que o reconheceu, agora todo ensanguentado e incapacitado de se levantar, dizer:
- Salve o povo, Nathan. Salve a metrópole... – e então, cuspindo sangue, ele conclui – Salve Sonata!
Em espasmos, o homem solta seu pé e então morre no chão. Nathan pode ver o brilho da vida se desvanecer em seus olhos. Imediatamente lágrimas se formam em seus próprios, fazendo-o se descontrolar.
Percebendo que o rapaz ia perder o controle, Maynard o puxa novamente e o conduz pela multidão alvoroçada. Mais tiros são ouvidos pelas passarelas. Sem olhar para trás, o mercenário apenas grita:
- Corra, Nathan! Corra!
Os dois atravessam a multidão de manifestantes. Vários coquetéis molotov são acesos e lançados pelo caminho, Nathan tem que se esquivar para não ser atingido e queimado pelas chamas. Em pânico, o rapaz contemplava o caos.
Aquela era uma manifestação geral, pois mais e mais pessoas se aglomeravam nas passarelas e túneis ao redor da Cúpula Corporativa. Aqueles homens encapuzados e enfurecidos atiravam bombas e pedras contra os Securitrons, travando uma luta improvável e admirável.
Entrando em um túnel, Nathan vê os lojistas e comerciantes fecharem suas portas. Como se fosse uma torcida organizada, os transeuntes se intimidam ao ouvirem seu poderoso brado e frases de ordem. Eles carregavam mais cartazes e o rapaz novamente via sua imagem. Erguendo a gola de sua jaqueta, ele tenta se esconder quando tem outra surpresa. A roupa estava respingada de sangue.
Maynard ouve o som de aeronaves de combate sobrevoando as megatorres. Ele sabe o que aquilo significava, a polícia estava desembarcando tropas pelo distrito. A saída do túnel estava próxima. Ainda pensando no que faria a seguir, um estrondo reverbera pela extensão do túnel e todos se assustam. Surgindo através da nuvem de poeira, um Securitron atravessa um buraco na parede e aponta suas armas para Nathan.
Antes que o robô pudesse falar algo, o mercenário saca sua arma e atira. O Securitron atira de volta, disparando sua rajada de fogo. Agarrando o rapaz, Maynard o vira e o protege com seu corpo. Uma barreira de Kinect os protege, salvando-os da morte.
Enfiando a mão no bolso, Maynard olha para o dispositivo e confirma se em seu escudo ainda havia carga. Nathan ainda está confuso e pergunta para si mesmo: “eu ainda estou vivo?”.
Centenas de pessoas avançam contra o robô, atrapalhando-o. Puxando o rapaz, o mercenário corre, mas é obstruído pela furiosa multidão também. Nathan é empurrado e se solta, se perdendo entre os manifestantes. Assim os dois se separam.
Com muito esforço, Nathan chega à uma extensa passarela ao ar livre. Uma mulher vestida com uma máscara de gás se aproxima. Irritada ao vê-lo caminhar insistentemente no sentido contrário, ela olha para ele e diz:
- Ei, cara! A manifestação é para lá! – então ela se espanta, afirmando – Espere um pouco, eu conheço você. Você é o Inimigo de Estado!
Nisso, toda a multidão se enche de curiosidade, querendo vê-lo também. As pessoas se aglomeram ao seu redor, querendo toca-lo e reverencia-lo como antes. O rapaz não tinha para onde ir.
Ouvindo o som de jatos passando pelo céu, Nathan fica apreensivo. De repente, drones aparecem fazendo voos rasantes entre as megatorres. Vindo na direção deles, os drones abrem seus compartimentos e lançam bombas contra os manifestantes, vindo em seguida a horrorosa explosão. Nathan é lançado pelos ares, caindo violentamente e batendo sua cabeça em seguida. Imediatamente ele desmaia.
Os manifestantes o encontram inconsciente no chão. Vendo uma ferida sangrenta em sua testa, eles se desesperam. Afoitos, eles o levantam ainda desacordado e o suspendem acima dos ombros, havia sangue por toda parte. Um homem grita:
- Eles mataram... – o homem começa a chorar – Eles mataram o Inimigo de Estado!
Levando-o acima de suas cabeças, os manifestantes carregam o corpo de Nathan. Eles repetidamente gritam e choram, enlutados pela suposta perda.
- O Inimigo de Estado morreu!
- Eles mataram o Inimigo de Estado!
- Que espécie de governo é esse que lança bombas letais contra manifestantes?!
- Nathan morreu para nos salvar!
- Nathan morreu por nós!            
Fechando a entrada do túnel que dá acesso à Cúpula Corporativa, a tropa de choque aparece portando escudos, cassetetes e fuzis. Vendo que os manifestantes carregavam o corpo do Inimigo de Estado, eles se animam. Os policiais pensam que sua morte irá desencoraja-los, tornando-os fáceis de se conter. Atrás dos visores de seus capacetes, eles sorriem.
Um coro reverberante e ensurdecedor se forma entre a multidão. Cheios de ódio, fúria e rancor, eles olham para a tropa e, do fundo de suas almas, gritam:
- Mártir! Mártir! Mártir!
Ao contrário do que pensaram, os manifestantes não se desencorajaram, eles se agitaram mais ainda. Vendo a multidão se enfurecer diante de seus olhos, a tropa de choque teme. Então, como um tsunami, os manifestantes avançam contra os policiais. O confronto recomeça, a violência se intensifica, agora a multidão não queria apenas derrubar o governo, agora eles queriam vingança.
A tropa de choque tenta conte-los com a força de seus braços. Em espanto, muitos cassetetes se quebram com o uso, eles não conseguem acreditar. Os coquetéis molotov e as bombas caseiras se estouram atrás de suas fileiras, a linha de contenção policial cai. Os manifestantes atravessam e pisoteiam os policiais abatidos e muitos são sufocados até a morte. Sem outra opção, o capitão da tropa carrega seu fuzil e autoriza:
- Abram fogo!
Dada a ordem, eles atiram contra a multidão ensandecida. A rajada incessante esquenta a ponta dos fuzis, avermelhando-os. A fumaça das armas sobe, embaçando a entrada do túnel. As milhares de cápsulas vazias se expelem das câmaras, cobrindo o chão aos pés da polícia. Eles se transformavam em enegrecidos instrumentos da morte.
Após alguns minutos, o capitão grita:
- Cessar fogo!
Um véu de fumaça encobria o túnel. Aos seus pés, os policiais viam centenas de corpos, empilhando-se sobre seus companheiros mortos. O fogo queimava em algumas partes, subindo uma fumaça negra de pele e roupas. Surpresos, eles percebem que haviam cometido um massacre.
Um silêncio funéreo se apodera do local. Então, vindo dalém da fumaça e dos corpos, eles ouvem o coro desarmônico ressurgir.
“Mártir! Mártir! Mártir!”.
Os olhos dos policiais se arregalam. Seus corações disparam, suas mãos tremem, mas eles não podem se mexer. “Nós devemos nos manter firmes!” pensa o capitão enquanto ele mesmo luta para não perder o controle. De repente a segunda onda se forma e os atacam, avançando pela pilha de corpos e pelas balas da acuada polícia.
Nathan acorda. Olhando ao redor, ele vê cadáveres por toda parte. Levantando-se, ele contemplava um banho de sangue. Os manifestantes avançavam enfurecidos, correndo cheios de ódio e coragem para a entrada do túnel. Tiros são ouvidos, mas a fumaça impossibilitava ver.    
A tropa de choque percorria as passarelas próximas, os drones sobrevoavam a manifestação, o confronto estava longe de terminar. Surgindo entre a multidão, Maynard reaparece com as roupas rasgadas e portando fuzis, um em cada braço. Vendo alguns policiais se aproximarem, ele mira seus fuzis e atira, abatendo-os. Nathan tem a impressão de vê-lo sorrir.
- Vamos, Nathan! Não temos muito tempo.
Com dificuldade, o rapaz comenta:
- Maynard, eles estão cometendo um massacre...!
- Estão. Agora mexa-se, temos que sair daqui.
Mas Nathan não consegue andar. Agarrando-o pelas roupas, o mercenário o arrasta pela passarela coberta de corpos. Chegando à beirada, Maynard olha para baixo e vê seu aerocarro subindo pelo ar.
Parando no parapeito, o mercenário põe o rapaz primeiro e então entra. O para-brisa brilha com o seguinte alerta: “forte presença policial no distrito”. Definindo uma rota segura, Maynard manobra o carro e então começa a dirigir.
Enquanto voa pelas vias, um Securitron mira seus canhões ao aerocarro e atira. Uma mensagem novamente aparece no para-brisa dizendo: “perigo, míssil à caminho”. Mas, perto demais para se esquivar, o veículo é atingido e eles ouvem a explosão.
A traseira é destruída. Olhando para o mercenário, Nathan o vê desacordado. Ele grita:
- Maynard!
Mas o aerocarro continua caindo entre as megatorres, mergulhando rumo à escuridão abaixo.    
  
§

Longe dali, na megatorre das corporações, uma figura oculta espera alguém à sua mesa. Abrindo a porta, um homem entra e se vê em uma sala com pouca luminosidade. Sentando-se, a figura desconhecida fala com ele.
- Acabamos de receber a notícia de que o Inimigo de Estado foi visto na manifestação abaixo.
Tiros e explosões são ouvidos lá fora. O desconhecido continua:
- Também recebemos a informação de que seu veículo de fuga foi atingido por um de nossos Securitrons. O aerocarro caiu em algum lugar na superfície e atualmente sua localização é desconhecida. Precisamos encontrar o Inimigo de Estado, vivo se possível. Porém, não temos efetivo para enviar um regimento lá embaixo. Você terá de ir sozinho.
O homem ouve o zunido dos drones sobrevoando o céu lá fora. Obediente, ele diz:
- Apenas me aponte o caminho.
Dando-lhe uma pasta de documentos, o desconhecido responde:
- Tome cuidado. O Inimigo de Estado não está sozinho. Um mercenário altamente experiente e perigoso o acompanha. Cuide dele do jeito que quiser, mate-o se necessário, não me interessa.
- É claro, senhor.
Levantando-se, o homem caminha até a porta. Mas antes que pudesse sair, o desconhecido o alerta, dizendo:
- E tente não falhar desta vez... – ele pausa por um momento – Detetive Burton.
Virando-se, Burton olha para ele e responde:
- Eu não irei.


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