- Não se mexa,
Nathan. – sussurra Maynard.
- Você está
louco? – protesta ele – Ele vai atirar!
- Não. Os
Securitrons reagem à movimentação hostil. Mantenha-o mirando em você enquanto
eu pego algo em meu bolso.
Enfiando a mão
debaixo de sua jaqueta, o agente tenta pegar suas bombas EMP. Mas o robô aponta
sua metralhadora para ele e imediatamente começa a atirar. Maynard pula para o
lado, tentando se proteger atrás das barricadas.
O robô avança
contra Nathan. Recuando, o rapaz tateia pelas paredes, tropeça no piso e cai,
se arrastando pelo chão em seguida. Os passos do Securitron tremem o chão, o
rapaz se apavora. Então algo acontece.
Um coquetel
molotov é arremessado e se estoura na fronte do terrível robô, levantando uma
onda de chamas. Gritos são ouvidos, frases de ordem de um coral em desarmonia.
Olhando para trás, Nathan vê uma multidão de manifestantes avançando com grande
ímpeto pela passarela.
O rapaz se
surpreende. Na manifestação há muitos cartazes e faixas com vários escritos,
como “abaixo as corporações”, “o povo contra o Projeto Gemini” e “combatam a
ameaça do Protótipo #8”. E, novamente, ele vê alguns cartazes com o seu rosto. A
foto é de um ano atrás, do tempo em que ele divulgou a conspiração corporativa
no vídeo em que a população chama de “a grande revelação”.
Maynard aparece e
o puxa pelo braço. Nathan então comenta:
- Pensei que as
lentes de contato fossem ocultar minha identidade.
Ativando as
bombas em suas mãos, o agente apenas responde:
- Eu também.
Então Maynard
lança as bombas contra o robô. O choque azulado se estoura aos seus pés e o
Securitron cambaleia. Os manifestantes, encapuzados e vestidos de máscaras de
gás, pulam sobre ele e o espancam com barras de aço e pedras, amassando seus
componentes e ligas metálicas. Nathan novamente se surpreende, os manifestantes
empenham uma luta violenta e enfurecida contra todo o governo de Sonata.
Um homem,
vestindo camuflados urbanos e um lenço xadrez no pescoço, aparece e então
pergunta:
- Cidadão, você
está bem? Você foi ferido?
Um pouco confuso,
Nathan olha para ele e responde:
- Eu estou bem,
obrigado.
Arregalando os
olhos, o homem se surpreende ao dizer.
- Espere um
pouco, eu te conheço. Você é Nathan Hill, o Inimigo de Estado!
Ao ouvi-lo, as
pessoas ao redor se aglomeram para ver. Em espanto, elas exclamam:
- É verdade! Ele
é o Nathan!
- É o Inimigo de
Estado!
- Nathan é o
nosso libertador!
- Você veio
liderar a rebelião?
- É muito maior
do que isso! É uma revolução o que vivemos aqui! Vamos marchar rumo à Cúpula
Corporativa!
- Como é o
exterior da metrópole? As corporações querem nos exterminar?
- Onde está o
Protótipo #8?
Cercando-o, as
pessoas o assediam com dezenas de perguntas. Alguém o agarra pelas pernas e o
suspende, carregando-o na altura dos ombros. Então as pessoas bradam:
- Viva o nosso
salvador!
Como se de fato
Nathan tivesse o poder de salvar alguém, os manifestantes o levam pelas
passarelas. Apanhado por aquela multidão de admiradores, ele nada pode fazer
senão observar atônito aquela exibição de fanatismo e loucura. Maynard não
consegue alcança-lo, pois ele também é espremido e sufocado por eles.
Nathan não
acredita. Ele é reverenciado como um salvador, um herói suburbano de uma
sociedade distópica. Aquelas pessoas, há tanto tempo alienadas pelo
materialismo e niilismo, agora preenchem seu vazio de espírito reverenciando
como um salvador. O rapaz não consegue acreditar, aquelas pessoas combatem a
utopia corporativa impedindo que outra seja instaurada – uma mais controlável e
refinada – a do terrível Projeto Gemini. E eles têm a Nathan como seu principal
mentor.
Enquanto a
multidão reverencia a Nathan em seus ombros, algo surge na escuridão do túnel. À
distância, eles veem pontos luminosos vermelhos surgirem em meio à fumaça.
Todos se confundem. Se aproximando, os pontos tomam forma e gradualmente
revelam seus imensos corpos cromados e robóticos, Securitrons. Girando suas
miniguns, as máquinas alertam:
- Rendam-se ou
usaremos força letal.
Mas os manifestantes,
aqueles soldados suburbanos munidos de barras e pedras, avançam contra eles
lançando coquetéis molotov e bombas caseiras. “Grande erro” pensa Maynard. Os
robôs imediatamente atiram, crivando-os de balas. Tombando sem vida no chão, o
sangue ensopa suas roupas e começa a se empoçar. Os manifestantes olham para os corpos e,
desesperados, gritam:
- Eles estão
usando balas de verdade!
Na correria,
Nathan se desequilibra e cai no chão. Um Securitron o encontra caído ali.
Girando sua metralhadora, o robô o alerta dizendo:
- Nathan Hill,
você está preso por agitação social, violência armada e exposição de material
ultrassecreto corporativo. Renda-se agora ou usaremos força letal.
Pensando que seus
admiradores iriam abandona-lo, ele se surpreende outra vez. Os manifestantes se
posicionam à sua frente e, de braços dados, gritam:
- Protejam o
Inimigo de Estado!
A máquina atira.
Como figuras de papel, seus protetores são estraçalhados pelos impiedosos
projéteis. Com as mãos na cabeça, Nathan se protege, mas ainda consegue ver
aquelas pessoas caindo uma a uma. O rapaz se espanta.
Puxando-o pelas
roupas, Maynard o levanta e então diz:
- Temos que ir.
Antes que pudesse
correr, alguém segura seu pé. Olhando para baixo, ele vê o mesmo homem que o
reconheceu, agora todo ensanguentado e incapacitado de se levantar, dizer:
- Salve o povo,
Nathan. Salve a metrópole... – e então, cuspindo sangue, ele conclui – Salve Sonata!
Em espasmos, o
homem solta seu pé e então morre no chão. Nathan pode ver o brilho da vida se
desvanecer em seus olhos. Imediatamente lágrimas se formam em seus próprios,
fazendo-o se descontrolar.
Percebendo que o
rapaz ia perder o controle, Maynard o puxa novamente e o conduz pela multidão
alvoroçada. Mais tiros são ouvidos pelas passarelas. Sem olhar para trás, o
mercenário apenas grita:
- Corra, Nathan!
Corra!
Os dois
atravessam a multidão de manifestantes. Vários coquetéis molotov são acesos e
lançados pelo caminho, Nathan tem que se esquivar para não ser atingido e
queimado pelas chamas. Em pânico, o rapaz contemplava o caos.
Aquela era uma
manifestação geral, pois mais e mais pessoas se aglomeravam nas passarelas e túneis
ao redor da Cúpula Corporativa. Aqueles homens encapuzados e enfurecidos
atiravam bombas e pedras contra os Securitrons, travando uma luta improvável e
admirável.
Entrando em um
túnel, Nathan vê os lojistas e comerciantes fecharem suas portas. Como se fosse
uma torcida organizada, os transeuntes se intimidam ao ouvirem seu poderoso
brado e frases de ordem. Eles carregavam mais cartazes e o rapaz novamente via
sua imagem. Erguendo a gola de sua jaqueta, ele tenta se esconder quando tem
outra surpresa. A roupa estava respingada de sangue.
Maynard ouve o
som de aeronaves de combate sobrevoando as megatorres. Ele sabe o que aquilo
significava, a polícia estava desembarcando tropas pelo distrito. A saída do
túnel estava próxima. Ainda pensando no que faria a seguir, um estrondo
reverbera pela extensão do túnel e todos se assustam. Surgindo através da nuvem
de poeira, um Securitron atravessa um buraco na parede e aponta suas armas para
Nathan.
Antes que o robô
pudesse falar algo, o mercenário saca sua arma e atira. O Securitron atira de
volta, disparando sua rajada de fogo. Agarrando o rapaz, Maynard o vira e o
protege com seu corpo. Uma barreira de Kinect os protege, salvando-os da morte.
Enfiando a mão no
bolso, Maynard olha para o dispositivo e confirma se em seu escudo ainda havia
carga. Nathan ainda está confuso e pergunta para si mesmo: “eu ainda estou
vivo?”.
Centenas de
pessoas avançam contra o robô, atrapalhando-o. Puxando o rapaz, o mercenário
corre, mas é obstruído pela furiosa multidão também. Nathan é empurrado e se
solta, se perdendo entre os manifestantes. Assim os dois se separam.
Com muito esforço,
Nathan chega à uma extensa passarela ao ar livre. Uma mulher vestida com uma
máscara de gás se aproxima. Irritada ao vê-lo caminhar insistentemente no
sentido contrário, ela olha para ele e diz:
- Ei, cara! A
manifestação é para lá! – então ela se espanta, afirmando – Espere um pouco, eu
conheço você. Você é o Inimigo de Estado!
Nisso, toda a
multidão se enche de curiosidade, querendo vê-lo também. As pessoas se aglomeram
ao seu redor, querendo toca-lo e reverencia-lo como antes. O rapaz não tinha
para onde ir.
Ouvindo o som de
jatos passando pelo céu, Nathan fica apreensivo. De repente, drones aparecem
fazendo voos rasantes entre as megatorres. Vindo na direção deles, os drones abrem
seus compartimentos e lançam bombas contra os manifestantes, vindo em seguida a
horrorosa explosão. Nathan é lançado pelos ares, caindo violentamente e batendo
sua cabeça em seguida. Imediatamente ele desmaia.
Os manifestantes
o encontram inconsciente no chão. Vendo uma ferida sangrenta em sua testa, eles
se desesperam. Afoitos, eles o levantam ainda desacordado e o suspendem acima
dos ombros, havia sangue por toda parte. Um homem grita:
- Eles mataram...
– o homem começa a chorar – Eles mataram o Inimigo de Estado!
Levando-o acima
de suas cabeças, os manifestantes carregam o corpo de Nathan. Eles repetidamente
gritam e choram, enlutados pela suposta perda.
- O Inimigo de
Estado morreu!
- Eles mataram o
Inimigo de Estado!
- Que espécie de
governo é esse que lança bombas letais contra manifestantes?!
- Nathan morreu
para nos salvar!
- Nathan morreu
por nós!
Fechando a
entrada do túnel que dá acesso à Cúpula Corporativa, a tropa de choque aparece
portando escudos, cassetetes e fuzis. Vendo que os manifestantes carregavam o
corpo do Inimigo de Estado, eles se animam. Os policiais pensam que sua morte
irá desencoraja-los, tornando-os fáceis de se conter. Atrás dos visores de seus
capacetes, eles sorriem.
Um coro reverberante
e ensurdecedor se forma entre a multidão. Cheios de ódio, fúria e rancor, eles
olham para a tropa e, do fundo de suas almas, gritam:
- Mártir! Mártir!
Mártir!
Ao contrário do
que pensaram, os manifestantes não se desencorajaram, eles se agitaram mais ainda. Vendo a multidão se enfurecer diante de seus olhos, a tropa de choque
teme. Então, como um tsunami, os manifestantes avançam contra os policiais. O confronto
recomeça, a violência se intensifica, agora a multidão não queria apenas
derrubar o governo, agora eles queriam vingança.
A tropa de choque
tenta conte-los com a força de seus braços. Em espanto, muitos cassetetes se
quebram com o uso, eles não conseguem acreditar. Os coquetéis molotov e as
bombas caseiras se estouram atrás de suas fileiras, a linha de contenção policial
cai. Os manifestantes atravessam e pisoteiam os policiais abatidos e muitos são
sufocados até a morte. Sem outra opção, o capitão da tropa carrega seu fuzil e
autoriza:
- Abram fogo!
Dada a ordem,
eles atiram contra a multidão ensandecida. A rajada incessante esquenta a ponta
dos fuzis, avermelhando-os. A fumaça das armas sobe, embaçando a entrada do túnel.
As milhares de cápsulas vazias se expelem das câmaras, cobrindo o chão aos pés
da polícia. Eles se transformavam em enegrecidos instrumentos da morte.
Após alguns
minutos, o capitão grita:
- Cessar fogo!
Um véu de fumaça
encobria o túnel. Aos seus pés, os policiais viam centenas de corpos,
empilhando-se sobre seus companheiros mortos. O fogo queimava em algumas
partes, subindo uma fumaça negra de pele e roupas. Surpresos, eles percebem que
haviam cometido um massacre.
Um silêncio funéreo
se apodera do local. Então, vindo dalém da fumaça e dos corpos, eles ouvem o
coro desarmônico ressurgir.
“Mártir! Mártir!
Mártir!”.
Os olhos dos
policiais se arregalam. Seus corações disparam, suas mãos tremem, mas eles não podem
se mexer. “Nós devemos nos manter firmes!” pensa o capitão enquanto ele mesmo luta para não perder o controle. De repente a segunda onda se forma e os atacam,
avançando pela pilha de corpos e pelas balas da acuada polícia.
Nathan acorda. Olhando
ao redor, ele vê cadáveres por toda parte. Levantando-se, ele contemplava um
banho de sangue. Os manifestantes avançavam enfurecidos, correndo cheios de ódio
e coragem para a entrada do túnel. Tiros são ouvidos, mas a fumaça
impossibilitava ver.
A tropa de choque
percorria as passarelas próximas, os drones sobrevoavam a manifestação, o
confronto estava longe de terminar. Surgindo entre a multidão, Maynard
reaparece com as roupas rasgadas e portando fuzis, um em cada braço. Vendo alguns
policiais se aproximarem, ele mira seus fuzis e atira, abatendo-os. Nathan tem
a impressão de vê-lo sorrir.
- Vamos, Nathan! Não
temos muito tempo.
Com dificuldade,
o rapaz comenta:
- Maynard, eles
estão cometendo um massacre...!
- Estão. Agora mexa-se,
temos que sair daqui.
Mas Nathan não consegue
andar. Agarrando-o pelas roupas, o mercenário o arrasta pela passarela coberta
de corpos. Chegando à beirada, Maynard olha para baixo e vê seu aerocarro
subindo pelo ar.
Parando no
parapeito, o mercenário põe o rapaz primeiro e então entra. O para-brisa brilha
com o seguinte alerta: “forte presença policial no distrito”. Definindo uma
rota segura, Maynard manobra o carro e então começa a dirigir.
Enquanto voa
pelas vias, um Securitron mira seus canhões ao aerocarro e atira. Uma mensagem
novamente aparece no para-brisa dizendo: “perigo, míssil à caminho”. Mas, perto
demais para se esquivar, o veículo é atingido e eles ouvem a explosão.
A traseira é
destruída. Olhando para o mercenário, Nathan o vê desacordado. Ele grita:
- Maynard!
Mas o aerocarro
continua caindo entre as megatorres, mergulhando rumo à escuridão abaixo.
§
Longe dali, na
megatorre das corporações, uma figura oculta espera alguém à sua mesa. Abrindo a
porta, um homem entra e se vê em uma sala com pouca luminosidade. Sentando-se, a
figura desconhecida fala com ele.
- Acabamos de
receber a notícia de que o Inimigo de Estado foi visto na manifestação abaixo.
Tiros e explosões
são ouvidos lá fora. O desconhecido continua:
- Também
recebemos a informação de que seu veículo de fuga foi atingido por um de nossos
Securitrons. O aerocarro caiu em algum lugar na superfície e atualmente sua localização
é desconhecida. Precisamos encontrar o Inimigo de Estado, vivo se possível. Porém,
não temos efetivo para enviar um regimento lá embaixo. Você terá de ir
sozinho.
O homem ouve o
zunido dos drones sobrevoando o céu lá fora. Obediente, ele diz:
- Apenas me
aponte o caminho.
Dando-lhe uma
pasta de documentos, o desconhecido responde:
- Tome cuidado. O
Inimigo de Estado não está sozinho. Um mercenário altamente experiente e
perigoso o acompanha. Cuide dele do jeito que quiser, mate-o se necessário, não
me interessa.
- É claro,
senhor.
Levantando-se, o
homem caminha até a porta. Mas antes que pudesse sair, o desconhecido o alerta,
dizendo:
- E tente não falhar
desta vez... – ele pausa por um momento – Detetive Burton.
Virando-se,
Burton olha para ele e responde:
- Eu não irei.
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