(Artista: Eddie Mendonza, da Artstation.com)
Em uma plataforma
de uma imensa chaminé industrial, Laura observa a paisagem abaixo. Apesar do
calor e do ar poluído, ela se mantém firme, sem se desconcentrar. Usando seu
binóculo, ela espiona um galpão abaixo, a sede dos Trans-humanistas.
Apesar de
permanecer ali por longas doze horas, ela espera encontrar Vertigo, seu velho
amigo. Dois dias se passam e o hacker ainda não apareceu. Impaciente, ela pediu
ajuda para Database e ambos uniram esforços para encontra-lo. “O que será que
aconteceu com ele?” pensa ela. “Vertigo nunca se deixaria capturar assim”.
Entardecia no
distrito de Entropia. Laura estava exausta, sua vigília foi desgastante, mas
ela pretende voltar à superfície só quando concluir sua missão.
“Lótus?” – chama
o chefe.
- Laura. – corrige
ela.
“Que seja. Algum
sinal de Vertigo?”
- Ainda não.
“Laura, deixe o
distrito, ele não está aí. Já se passou muito tempo, os mecanicistas já teriam
se livrado do corpo”.
A garota
concorda. Manter o corpo de Vertigo seria a evidência necessária para começar
uma guerra entre o Submundo e a facção. Mas ninguém havia deixado o galpão, ou
mesmo entrado nele. Ela se enche de dúvidas.
- Ainda não houve
movimentação na sede dos mecanicistas. Eu não entendo, chefe, onde estão
escondendo-o?
“Não sabemos. Por
enquanto, te peço para sair daí. Você está cansada e o distrito está mais
perigoso agora que a sede dos Trans-humanistas foi invadida. Se te pegarem,
você será morta”.
Laura o ignora.
- Eu não vou a
lugar algum, Database. Não enquanto não encontrar o Vertigo.
Dez minutos se
passam. Em seu computador, Database recebe uma valiosa mensagem.
“Lótus, um dos
meus informantes me contatou. Ele disse haver uma atividade suspeita em outro
distrito, também no Setor T. Gostaria de verificar?”
- Você acha que
pode ser o Vertigo?
“Eu não tenho
como dizer e também não posso colocar meu informante perto demais. Os
mecanicistas desconfiariam. Você vai ter que descobrir sozinha”.
Laura pondera.
Até o momento, sua vigília foi contraproducente e uma pista sucinta é melhor do
que nada.
- Certo. Me diga
onde procurar.
Database
responde:
“O local fica no
território dos Trans-humanistas. Mas tome cuidado, pois é o mesmo distrito onde
os puristas esquartejaram um informante, dias atrás”.
- Devo esperar
vigilância reforçada?
O chefe ri.
“Laura, o
território e sua sede foram invadidos duas vezes nos últimos dias. Eles estão
loucos de raiva!”
A garota entendeu
o recado. Os facciosos não farão prisioneiros. Vertigo terá sorte se ainda
estiver vivo.
Levantando-se,
ela enxuga o suor de sua testa e se limpa. Antes de descer, ela olha para os
telhados das fábricas e vê muitos sentinelas vigiando o distrito. Como alertou
Database, eles não pareciam nada tranquilos. De fato, Laura foi muito ousada em
ter voltado para lá depois do que fez.
Empunhando sua
submetralhadora, ele desce os degraus metálicos da escada e deixa a plataforma.
Esgueirando-se pelos telhados industriais, ela passa por componentes químicos e
substâncias tóxicas enquanto evade os mecanicistas. Ao lado de contêineres de
lixo, Laura puxa a longa capa e revela sua aeromoto escondida. Levantando voo,
a garota se adequa às vias virtuais e deixa o distrito de Entropia para trás.
Quinze minutos
depois, ela chega ao seu destino. Contatando Database, ela pergunta:
- Chefe, não
tenho certeza se Vertigo fugiu da sede dos mecanicistas.
“Oh, você conhece
o Vertigo. Ele tem muitos truques, talvez tenha se disfarçado de
trans-humanista e fugiu durante a confusão”.
Laura acha aquilo
muito improvável, afinal ela viu seus ferimentos. Ela responde:
- Talvez.
“Você já chegou?”
Sobrevoando o
movimentado distrito residencial abaixo, ela diz:
- Sim, Database.
Onde eu devo ir?
Passando-lhe as
coordenadas, o chefe complementa.
“Tenha cuidado,
Lótus. Não quero que você desapareça como o Vertigo desapareceu”.
- Que lindo. –
comenta ela, sarcasticamente.
Escondendo a
aeromoto em um túnel, ela escala uma megatorre e observa as passarelas abaixo.
Muitos sentinelas estão espalhados pelos terraços próximos, todos fortemente
armados. Se Laura quiser permanecer ali, ela vai ter que se cuidar.
Chegando a um
estacionamento, ela vê quatro trans-humanistas escoltando um homem encapuzado. A
garota se intriga. Usando seu binóculo, ela tenta identificar a figura
misteriosa, mas sem sucesso. O grupo continua caminhando e então entram na
megatorre à frente. Verificando os terraços ao redor, ela deduz que chegar ao
seu objetivo será muito arriscado.
- Database, vi
uma figura suspeita perto da minha posição. Estou indo encontra-la
pessoalmente. Terei de usar o arpão.
“Negativo. É
melhor você ficar escondida até ter certeza do alvo. Não é seguro transitar
pelo distrito”.
Mas, ignorando-o,
ela pega sua mochila, monta o arpão calmamente e então se levanta. Mirando-o
para a megatorre à frente, ela atira, fazendo o projétil voar entre os
aerocarros no trânsito. O cabo de aço se desenrola rapidamente até a ponta se
perfurar na parede no outro lado. Certificando-se que está bem travado, ela
diz:
- Vou atravessar.
“Laura, espere!
Laura!”
Mas Database ouve
apenas o atrito metálico do gancho se deslizando pelo cabo. Chegando ao outro
lado, a garota se desconecta e escala a lateral do edifício. A altura é
vertiginosa, o vento assopra suas roupas, seus dedos cansam, mas ela não tem
tempo a perder. Apoiando-se nos peitoris, ela desce lentamente.
Ela chega ao
andar desejado. Espiando as janelas, ela vê os mecanicistas em uma sala
guardando o apartamento. Tateando pela parede, ela encontra a figura encapuzada
em um quarto. Amarrando seu cinto em uma protuberância, ela pega suas
ferramentas na bolsa de perna e rapidamente começa a destrancar a janela. Hábil
como um gato, ela a destranca silenciosamente sem ninguém ouvi-la.
Abrindo a janela,
ela entra e sorrateiramente caminha até a figura desconhecida. O encapuzado
está sentado de costas para ela, sinistramente estático e olhando para um
computador. Laura toca seu ombro e, em sussurros, diz:
- Vertigo...?
Mas, ao virar-se,
a garota tem um terrível susto. Sob o capuz, ela vê uma mulher sem o maxilar.
“Meu Deus!” sussurra ela. Cabos percorrem onde deveria haver sua cavidade
bucal, descendo por sua garganta. O rosto da mulher parece ter uma pele
plástica e brilhava com as luzes de LED atrás de seus olhos. É então que Laura
percebe, aquela mulher era um robô.
Conectando os
cabos ao computador à sua frente, o robô acessava o ciberespaço, invadindo as
páginas proibidas pelas corporações. “Mas que estranha ferramenta nas mãos
desses fanáticos” pensa ela. Desanimada, a garota respira fundo.
- Database?
“Laura? O que
foi?”
- Alvo não
confirmado.
“Você teve
contato visual? Não era o Vertigo?”
- Não. Os
mecanicistas estavam escoltando uma mulher, ou melhor, um robô.
O chefe não sabe
o que responder.
“Lamento...”
- Você tem mais
alguma pista?
- Não, nada.
A garota se entristece.
- Ótimo. Estarei
voltando para o Entropia.
“Espere. Há outra
coisa que podemos fazer”.
Intrigada, ela
pergunta:
- E o que é?
Demorando um
pouco para responder, Database então revela seu curioso plano.
“Minha equipe de
informantes tem um equipamento necessário escondido neste distrito, perto de
sua posição. Eu os mantive aí por uma questão de emergência, e agora esse
momento chegou. Preciso que você o encontre e o ative para mim”.
- Que tipo de
equipamento é esse?
O chefe
simplesmente responde:
“Explosivos”.
Surpresa, a garota
exclama:
- O quê?!
“Laura, preciso
que você ative os explosivos para mim. Preciso que você detone as bombas”.
Laura não
consegue acreditar no que ouve.
- Database, você
está falando para eu cometer um atentado terrorista?!
Sorrindo no outro
lado da linha, o chefe a corrige.
“Não se trata de
terrorismo, Laura. É vingança. Os Trans-humanistas sequestraram Nathan e então
Vertigo. Se não reagirmos, o Submundo perderá o prestígio... E principalmente o
respeito. Eu não posso deixar isso acontecer”.
Indignada, a
garota protesta.
- Eu não dou a
mínima para o seu prestígio, Database! Eu não compartilho da causa do Submundo.
Se você quiser cometer terrorismo, peça aos seus informantes para o fazer!
“Não posso. Eles
são apenas civis e não runners experientes como você”.
- Esqueça! Eu não
farei isso!
Com muita
perspicácia, Database responde:
“O seu namorado
não hesitou em apertar o botão”.
Arregalando os
olhos, Laura se irrita e então diz:
- Mas do que é
que você está falando? Eu não tenho namorado nenhum!
Então o chefe ri.
“Mas foi um beijo
bem apaixonado o que vocês deram. Eu até me emocionei”.
- Como você sabe
disso?!
“Esse é o meu
trabalho, Laura. Saber”.
Então alguém
grita do apartamento.
- Ei! Quem está
aí?
- Database, vamos
resolver isso depois. Eu tenho que ir.
Ao abrir a porta,
um trans-humanista encontra o quarto vazio, com exceção da mulher robô operando
o computador. A janela, porém, estava aberta, com o vento balançando sutilmente
a cortina.
§
Dirigindo sua
aeromoto, Laura deixa o distrito, se afastando do perigo. Ela ainda está muito
irritada, mas no fundo o que ela sentia era timidez, e seu coração não conseguia
esconder isso. Então a voz no seu comunicador diz:
“Lótus, você está
aí?”
- Droga,
Database!
“Ok... E então?
Vai detonar as bombas?”
- É claro que
não!
“É uma pena você
dizer isso. Pensei que você fosse mais durona”.
- Não tente me
manipular! Se você quiser praticar terrorismo, então chame o seu Inimigo de
Estado para isso.
Laura hesita por
um segundo. Falando por impulso, ela ainda não conseguia acreditar que Nathan
havia cometido um ataque terrorista.
“Ora, Laura, não
sei por que você está dramatizando tanto. Eu já disse que se trata de vingança,
um pequeno acerto de contas com os mecanicistas. Eu só pedi que fosse você – que é quem
eu considero e estimo muito – a aplicar-lhes o corretivo”.
- Achava que o
Submundo defendesse uma causa nobre, libertadora, e não que derramasse sangue
inocente como essas patéticas facções.
“Eu entendo,
entretanto devo lembra-la que estamos no meio de uma rebelião, e que o Submundo
não é um escritório de contratação de runners como o Mystique. Queremos salvar
Sonata. Se a rebelião falhar, não haverá mais Submundo, runners, facções ou
coisa nenhuma para salvar. Estamos lutando para vencer”.
Novamente aquela
conversa inflamada, altruísta e sedutora, típica dos revolucionários. Laura se
entedia. Tendo uma ideia, ela decide falar na linguagem de seu chefe.
- Database, o
Submundo não deve se vingar dos Trans-humanistas. Vocês querem vencer a
rebelião, não é? E para isso precisam de uma aliança com todas as facções, não
é mesmo? Então por que começar uma guerra paralela com os mecanicistas agora? Seria
uma melhor ideia se você os perdoasse e buscasse uma saída diplomática para
resolver esse incidente. Desta maneira, o seu Inimigo de Estado ainda teria uma
chance de fortalecer a causa se aliando com eles.
O chefe se
silencia por um momento. Laura pensa ter perdido a conexão, mas ele então diz:
“Para quem não
compartilha de nossa causa, você fala muito bem a seu respeito. Eu estou
impressionado. Mas nessa linha de serviço, não é assim que as coisas funcionam.
Lidamos com marginais, terroristas e assassinos o tempo todo. Se demonstrarmos
fraqueza, nossos inimigos saberão”.
- Mas a causa é a
sua força. Acima de todas as coisas, a causa não busca a mesquinhez e o
egoísmo, ela busca a libertação. Não é nisso que o Submundo acredita?
Database pondera.
“Talvez você
esteja certa”.
A garota se
felicita por dentro.
- Eu estou.
Entretanto,
Database nunca permitirá que seu nome, sua reputação e sua honra sejam
manchadas gratuitamente por um bando de fanáticos. Sequestrando Nathan e Vertigo,
os Trans-humanistas o insultaram, e insultos não serão tolerados. “Perdoa-los...”
pensa ele, em desprezo.
O chefe pergunta:
“Esta é sua
resposta final?”
- Sim, chefe. Eu
não vou detonar as bombas.
Então ele
friamente responde:
“Está bem. Eu
cancelarei o ataque”.
Laura respira
aliviada.
- Você fez bem,
Database. Inocentes não precisam morrer para que você recupere seu respei...
De repente a
garota ouve uma assustadora explosão atrás dela, erguendo suas labaredas
amareladas com o estrondo. Os aerocarros perdem o controle no trânsito e o caos
se instala naquele distrito. Confusa, ela olha para o local da explosão e
reconhece o último andar de uma megatorre, agora todo arruinado e destruído
pelas vorazes chamas.
O terraço cede e
as torres de transmissão tombam, caindo pelas alturas. As passarelas abaixo são
atingidas pelos escombros, ferindo os inocentes transeuntes. Fragmentos rápidos
como projéteis atingem os aerocarros, ferindo inclusive os passageiros. Montada
em sua aeromoto, Laura assistia estarrecida à paisagem de horror.
Chamando por seu
chefe, ela pergunta:
- Database,
responda! Houve um atentado terrorista aqui!
De semblante
sério olhando para o seu monitor, o chefe cinicamente pergunta:
“Do que você está
falando?”
- Houve um
ataque! Não sei bem o que aconteceu!
“Um ataque? Como
isso é possível? Laura, ouça-me, você tem que sair daí agora!”
Assustada, ela
responde:
- Mas e o
Vertigo?
“Procuraremos por
ele depois! Está muito perigoso aí em cima! Por favor, volte para a superfície
e então decidiremos o que fazer”.
Confusa, ela
decide acatar ao seu pedido. Manobrando a aeromoto, ela novamente se adequa ao
trânsito e então deixa aquele distrito para trás.
§
Em silêncio em
sua sala, Database assiste ao fogo queimando no distrito dos Trans-humanistas.
As imagens do circuito de segurança exibem em detalhes seu trabalho, ele se
satisfaz em ver a megatorre queimar.
À distância,
Database podia ter ativado as bombas o tempo todo, mas ele não quis. Assim como
Nathan, ele quis testar a determinação de Laura, ver até onde eles iriam. Estrategista,
ele pretendia testar a capacidade de seus peões em seu jogo pelo poder, e este
jogo chama-se rebelião e o tabuleiro, Sonata.
Explodindo bombas
no território da Frente Ateísta, e agora um terraço inteiro no distrito dos
Trans-humanistas, ele se encosta em sua cadeira e sorri. Database reconhece que
pouco a pouco o Submundo se assemelhava a uma facção. Ainda sorrindo, ele
comenta para si mesmo:
- Já estou me
acostumando com isso.
Bebendo um gole
de seu uísque, ele se levanta e deixa sua sala. Com a imagem do ataque ainda em
seu monitor, o fogo exprime o que ele começava a sentir.
Database estava
começando a pegar gosto pelo terrorismo.
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