No dia seguinte,
Nathan assiste aos noticiários. Houve outra manifestação popular na Cúpula
Corporativa, o distrito onde se localiza a sede das corporações no Setor S.
Portando faixas e cartazes, os manifestantes protestaram contra o Protótipo #8
e o temível Projeto Gemini. Assustados quanto a ameaça de extermínio, eles
marcharam rumo à cúpula, de braços dados e em grande número, ameaçando derrubar
o tirânico governo corporativo.
A polícia, em
contrapartida, os reprimiu duramente, lançando bombas de gás e jatos d’água.
Inclusive drones foram usados para lançar bombas de concussão no meio dos
manifestantes. A violência aumentou quando os populares, munidos de coquetéis
molotov, reagiram. As chamas se espalharam entre as fileiras da tropa de
choque, causando pânico e correria nos policiais.
Após quarenta
minutos de intenso confronto, a praça da sede corporativa havia se tornado uma deprimente
zona de guerra. Aeronaves militares sobrevoaram o local, lançando seus
carregamentos. Pousando atrás dos policiais, os carregamentos se desmontaram
sozinhos, formando imensos robôs. Com metralhadoras Vulcan instaladas em seus
braços e lançadores de mísseis em seus ombros, os enormes robôs bípedes avançaram
em sincronia contra os manifestantes. Nathan reconhece aquelas máquinas,
tratavam-se de Securitrons.
Os Securitrons
são os temíveis robôs da Polícia Corporativa. Projetados para os grandes
confrontos, eles raramente se provavam ineficientes em ação. Queimando e explodindo
tudo pelo caminho, eles geralmente obtinham êxito, cumprindo a missão por
quaisquer meios necessários. “À força” pensa Nathan.
Mirando seus
canhões aos manifestantes, os Securitrons atiram bombas não-letais, causando
grande tumulto. O caos se instala e todos correm de um lado ao outro,
queimando-se nas chamas de seus próprios coquetéis molotov. Em poucos minutos a
multidão se dispersa, garantindo a vitória dos robôs e da força corporativa.
Finado o
confronto, os Securitrons avançam pelas barricadas improvisadas, destruindo
tudo pelo caminho. Nathan se impressiona ao ver um cartaz com seu rosto no
chão. Como disseram os líderes das facções, a população o vê como um salvador,
um herói. Em lamentação, o rapaz percebe que, em sua luta pela libertação de
Sonata, ele não pertencia mais a si mesmo. Em seguida o cartaz é impiedosamente
esmagado pelo Securitron, desfigurando seu rosto, o rosto do estimado Inimigo
de Estado.
Sentando-se no
sofá, Nathan reflete sobre a rebelião. Naquele conturbado ano, várias
manifestações ocorreram em Sonata, em especial na Cúpula Corporativa. Algumas
foram pacíficas, outras violentas, e em outras houve a ajuda das facções, que cometeram
atentados terroristas por toda a cidade. Mas em toda fumaça negra que subia das
paisagens chamuscadas, ou das poças de sangue derramado que sua rebelião
provocara, Nathan se via ali, pronto para ser idolatrado pelos opositores das
corporações, ou para ser esmagado pelos apoiadores delas.
Uma sensação de
urgência se apodera do rapaz. Ele está cansado de esperar. Mais do que nunca, a
rebelião tinha que acabar.
Andando apressado
pelo Submundo, ele pega suas armas, veste sua jaqueta e se dirige à saída.
Database, ao vê-lo partir, pergunta:
- Nathan, vai a
algum lugar?
- Sim. – responde
ele, de imediato – Vou à Cúpula Corporativa.
Database se
espanta.
- Você ficou
louco?!
- Não, chefe. Eu
acho...
- Mas o que você
vai fazer lá?
- Apenas preciso
analisar uma coisa.
Sem compreender,
o chefe o alerta dizendo:
- Nathan, se você
for capturado você vai morrer.
- Não se preocupe,
Database. Prometo que ficarei bem.
Então ele deixa o
porão. Mas antes que pudesse fechar a porta, o chefe astutamente informa:
- A Laura voltou.
Nathan se
paralisa. Virando-se, ele olha para o chefe e então pergunta:
- Você tem
certeza?
- Foi o que eu
ouvi.
- Onde ela está?
- Em seu
apartamento. Pelo menos foi o que me disseram. Laura nunca informa quando ela
sai.
Ainda paralisado,
seu coração bate mais forte em seu peito. Nathan precisa vê-la com urgência,
mas aquele era um péssimo momento. O rapaz tem uma rebelião a resolver, e agora
não podia haver distração em sua mente. Mas quando o assunto são os
sentimentos, a mente sempre perdia para o coração.
- Obrigado,
chefe. Estou indo lá agora mesmo.
Database o
interrompe dizendo:
- Se você a vir,
fale para ela aonde você está indo. Talvez Laura consiga te fazer desistir.
Nathan sorri.
- Eu duvido que
ela ao menos tente.
Concordando, o
chefe também sorri. Ele duvida também.
- Fale mesmo
assim.
Assentindo,
Nathan então deixa o Submundo.
Com a
determinação de um homem apaixonado, Nathan avança pelas ruas sujas e movimentadas
da superfície. Chegando ao prédio de Laura, ele retoma o fôlego e rapidamente
entra. Subindo as escadarias, ele avança pelo corredor esfumaçado e
empolgadamente bate à porta.
Limpando-se e
ajustando suas roupas, ele espera mais trinta segundos e então bate novamente.
Sem resposta, ele espera mais um minuto para bater. Olhando ao redor, ele tenta
disfarçar a vergonha, afinal os vizinhos o viram bater ali por uma semana inteira e
agora olhavam para ele. Abaixando a cabeça, ele espera mais um minuto e
novamente bate. Nada.
Lamentando-se,
ele contém o choro, respira fundo e finalmente deixa o local.
Ao sair do
prédio, o rapaz caminha de volta ao Submundo. Passando em frente a um beco
escuro, ele não nota a silhueta de homem parado ali, encostado na parede. Então
ele ouve:
- Dia difícil,
hein garoto?
Assustando-se,
Nathan olha para o lado e então pergunta:
- Quem está aí?
Caminhando para a
luz, o homem se revela. Assustando-se mais uma vez, o rapaz exclama:
- Maynard?!
- Oi de novo,
Nathan.
Rapidamente
enfiando a mão sob a jaqueta, o rapaz tenta pegar sua arma. Mas o mercenário o
interrompe, dizendo:
- Isso não será
necessário.
- O que você
quer?
- Ora, isso não
ficou claro no Submundo? – ele falava de seus agressores.
- Você não devia
andar por aqui sozinho, Maynard. Database tem informantes por toda a parte.
Dando de ombros,
o mercenário responde:
- Eu sei me
cuidar. – abanando-se, ele comenta – Parece que sua namorada não está em casa
de novo, não?
Nathan
desconversa.
- Não sei do que
está falando.
- Oh, você sabe
sim. A Lótus é uma garota muito bonita, devo dizer, mas muito irritada também.
Mas, como dizem por aí, gosto não se discute.
- Cale a boca.
- Mas eu não
consigo entender uma coisa. O que você pensa que está fazendo? Sufocando a
garota assim, não deixando-a em paz, você se parece um perseguidor, um maníaco
pervertido. Que droga, Nathan! Você já tem trinta anos, pensei que já soubesse
como conquistar uma mulher.
Intrigando-se,
ele pergunta:
- O que quer
dizer?
- Quero dizer que
você está fazendo tudo errado, cara. Não é assim que você vai fazer ela gostar
de você. Ah, essa juventude... Quando vocês vão aprender?
Maynard parecia
demonstrar muito domínio no assunto, diferente de Nathan que não sabia nada.
Triste demais para o ignorar, o rapaz decide se expor.
- O que eu faço,
Maynard? Eu já não sei mais o que fazer.
O mercenário
sorri.
- Eu posso te
ensinar uma coisa ou outra, mas a melhor estratégia quem vai escolher é você
mesmo. Mas vamos falar disso depois. Aonde você está indo mesmo? À Cúpula
Corporativa?
Nathan se
surpreende.
- Como você sabe
disso?
Levantando a
palma de suas mãos, ele responde com outra pergunta.
- Por acaso você
se esqueceu de quem eu sou?
- Você colocou
escutas no Submundo? – pergunta ele, impressionando-se com sua ousadia.
- Foi por
precaução. Se eu deixar todos os que tentam me matar vivos, eles podem formar
uma gangue de derrotados e ressentidos e vierem para acabar comigo de vez.
O mercenário
estava mentindo, sua preocupação ia mais longe do que isso. Maynard desconfiava
que seus inimigos – talvez a Polícia ou as corporações – queriam ele morto, e
para isso contrataram outros mercenários para fazer o serviço. Se a tentativa
falhasse, a culpa cairia sobre o Submundo, que era o inimigo em comum.
- Como eu posso
confiar em você?
- Um Inimigo de
Estado viajando para o distrito mais perigoso de Sonata, em quem é melhor
confiar? No experiente e articulado agente Maynard, ou em um bando de
delinquentes indisciplinados e irresponsáveis chamados de runners?
Nathan percebe
que nem as facções, as corporações ou o agente Maynard levavam os runners a sério.
- Está bem, eu
irei com você.
§
No intrigante aerocarro
de Maynard, Nathan segue para o Setor S. Enquanto o mercenário dirige, ele lê seus
e-mails pessoais no painel e ouve o noticiário. O rapaz está pensativo, os
últimos dias foram os mais duros de sua vida. Após beijar Laura, ele não pensou
que ela iria sumir de repente, deixando-o assim. “Será que ela está
arrependida?” pensa ele.
Lembrando-se dos
Clérigos do Recomeço, ele ainda vê o atentado terrorista e a bomba no hospital
explodindo, matando dezenas de pessoas. Os clérigos o manipularam, fazendo-o ativar
o detonador. Olhando para a palma de suas mãos, ele as vê sujas de sangue.
Ao entrar no
Setor S, eles veem muitas viaturas policiais patrulhado as vias. Entregando-lhe
uma pequena caixa, Maynard diz:
- Vista isso.
Abrindo-a, o
rapaz vê duas lentes de contato.
- Para que isso
serve?
- As lentes são
uma proteção contra os scanners de retina, camuflando sua verdadeira
identidade.
Chegando à
Cúpula, o mercenário estaciona o aerocarro em uma megatorre e ambos prosseguem
à pé pelas passarelas. Apesar do dia movimentado, muitos policiais rondam as
passarelas e túneis, deixando os transeuntes apreensivos. Nathan vê os
edifícios públicos ao redor, secretarias, ministérios e alguns corporativos.
Aproximando-se da
cúpula, as vias públicas mudam de aparência e o rapaz vê as marcas da rebelião.
Pichações, depredações e sinais de incêndios são visíveis. As passarelas foram
obstruídas com barricadas de detritos e entulhos. A violência e o vandalismo
fizeram vítimas, pois haviam escuras manchas de sangue ressecado espalhadas
pelo chão.
As portas de uma
megatorre foram destruídas por vândalos. Passando por elas, Maynard leva o
rapaz pelos corredores, pega o elevador e sobe até o topo até saírem ao ar
livre. Aproximando-se do parapeito, Nathan vê uma bela paisagem à sua frente. A
cúpula corporativa era uma linda e moderna megatorre, cercada por uma extensa
plataforma arborizada, a famosa praça daquele distrito.
Apesar do
confronto na noite anterior, os manifestantes novamente se concentram na praça,
carregando cartazes e gritando frases de ordem. A tropa de choque está mais
adiante, cercando a entrada do edifício com seu efetivo. Sobrevoando o local,
Nathan vê os aerocarros da mídia, com suas câmeras fazendo a cobertura da
manifestação.
Alguém lança um
coquetel molotov contra os policiais e eles revidam com bombas de gás. A multidão
se agita e então recomeça o confronto. Após alguns minutos, a violência e o
caos dominam a praça, pois apesar da resistente tropa de choque, os
manifestantes eram muitos. Então, do fogo e da fumaça, Nathan consegue ver. Os Securitrons
surgem das chamas, caminhando inexoravelmente entre o caos e os detritos.
Avançando pelos
manifestantes, os enormes robôs atiram seus projéteis, dispersando-os. Incapazes
de lhes resistir, muitos recuam perante as máquinas, intimidados com sua
elevada estatura. E mais uma vez a manifestação acabava em fracasso. Nathan lamenta.
- Esses
Securitrons... – sussurra Nathan – Eles não podem ser vencidos.
Ouvindo-o,
Maynard, de maneira perspicaz, pergunta:
- Por que você está
aqui, garoto?
Saindo de seu
transe, o rapaz responde:
- Eu precisava
ver o que minha rebelião estava causando... – começa ele – E descobrir como
derrotar essas máquinas.
Ponderando, o
mercenário faz outra pergunta:
- E por que você está
se aliando às facções?
- Porque o
Submundo precisa de todo o poder de fogo disponível para derrotar as corporações,
assim encerrando finalmente a rebelião.
Assentindo,
Maynard sabiamente diz:
- Veja os
Securitrons como as próprias corporações, Nathan. Agora veja os manifestantes
como os runners do Submundo. No confronto abaixo, os manifestantes tiveram
alguma chance?
Lamentando-se, o rapaz
responde:
- Não...
- Por que não?
Nathan é razoável
ao responder.
- Porque eles não
têm o poder de fogo necessário para vencê-los.
- Exatamente. – responde
Maynard – Eu estou nesse ramo há muitos anos, Nathan. Na verdade,
desde quando você nasceu. E o que eu posso dizer é o seguinte: se o seu inimigo
tem armas potentes, você vai precisar de armas maiores.
Intrigado, o
rapaz pergunta:
- Está dizendo
que vamos precisar de robôs? Nós não temos esse armamento, Maynard. Os recursos
do Submundo são escassos em armamentos pesados.
- Como você mesmo
disse, o Submundo não tem robôs para esse tipo de combate, mas há outras pessoas
na metrópole que tem. Pode me dizer quem?
O rapaz demonstra
muito interesse, mas não sabe o que responder:
- Eu não sei.
Então o mercenário
simplesmente diz:
- Bushido.
Arregalando os
olhos, Nathan então se lembra. Quando Maynard e ele fugiram da sede da Bushido,
eles foram atacados por enormes robôs de combate semelhantes aos Securitrons. “Os
robôs samurais” lembra-se ele. “É claro!”.
Por outro lado, o
rapaz também se lembra que ele é jurado de morte naquela facção. Para o Xogum
Tokugawa, recusar seu pedido foi uma tremenda desonra. Além disso, por culpa dele
muitos samurais morreram em sua fuga, envergonhando-o perante seus inimigos. Nathan
fica apreensivo.
- Convencê-los
vai ser difícil. Você, mais do que ninguém, sabe o porquê.
- Use sua
influência. Você é o Inimigo de Estado, vai saber convence-los.
Ponderando mais
uma vez, Nathan sabe que esse problema será difícil de se resolver.
Enquanto os
manifestantes e a polícia se digladiam lá embaixo, um drone sobe de repente,
pairando no ar. Com sua câmera, a aeronave mira seu scanner em Nathan. Demorando
demais, Maynard o puxa pelo braço e então diz:
- Temos que ir.
Descendo pelas
escadarias, o rapaz pergunta:
- O que houve?
- O drone não reconheceu
a identidade falsa. Se tivermos sorte, foi só um mal funcionamento.
Chegando ao andar
da passarela, eles correm pelo corredor até a entrada do edifício. Mas ao saírem,
eles têm uma terrível surpresa. Atravessando as barricadas improvisadas, um
Securitron surge entre a sujeira e a fumaça. Com uma voz grave e robótica, o
enorme robô diz:
- Nathan Hill, você
está preso. Renda-se agora ou usaremos força letal.
O rapaz se desespera.
Antes que pudesse responder ou fazer algo, o Securitron gira os canos de sua
arma.
O robô estava
prestes a atirar.
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