quarta-feira, 20 de março de 2019

Sonata - Parte 34 - Securitron


No dia seguinte, Nathan assiste aos noticiários. Houve outra manifestação popular na Cúpula Corporativa, o distrito onde se localiza a sede das corporações no Setor S. Portando faixas e cartazes, os manifestantes protestaram contra o Protótipo #8 e o temível Projeto Gemini. Assustados quanto a ameaça de extermínio, eles marcharam rumo à cúpula, de braços dados e em grande número, ameaçando derrubar o tirânico governo corporativo.
A polícia, em contrapartida, os reprimiu duramente, lançando bombas de gás e jatos d’água. Inclusive drones foram usados para lançar bombas de concussão no meio dos manifestantes. A violência aumentou quando os populares, munidos de coquetéis molotov, reagiram. As chamas se espalharam entre as fileiras da tropa de choque, causando pânico e correria nos policiais.
Após quarenta minutos de intenso confronto, a praça da sede corporativa havia se tornado uma deprimente zona de guerra. Aeronaves militares sobrevoaram o local, lançando seus carregamentos. Pousando atrás dos policiais, os carregamentos se desmontaram sozinhos, formando imensos robôs. Com metralhadoras Vulcan instaladas em seus braços e lançadores de mísseis em seus ombros, os enormes robôs bípedes avançaram em sincronia contra os manifestantes. Nathan reconhece aquelas máquinas, tratavam-se de Securitrons.
Os Securitrons são os temíveis robôs da Polícia Corporativa. Projetados para os grandes confrontos, eles raramente se provavam ineficientes em ação. Queimando e explodindo tudo pelo caminho, eles geralmente obtinham êxito, cumprindo a missão por quaisquer meios necessários. “À força” pensa Nathan.
Mirando seus canhões aos manifestantes, os Securitrons atiram bombas não-letais, causando grande tumulto. O caos se instala e todos correm de um lado ao outro, queimando-se nas chamas de seus próprios coquetéis molotov. Em poucos minutos a multidão se dispersa, garantindo a vitória dos robôs e da força corporativa.
Finado o confronto, os Securitrons avançam pelas barricadas improvisadas, destruindo tudo pelo caminho. Nathan se impressiona ao ver um cartaz com seu rosto no chão. Como disseram os líderes das facções, a população o vê como um salvador, um herói. Em lamentação, o rapaz percebe que, em sua luta pela libertação de Sonata, ele não pertencia mais a si mesmo. Em seguida o cartaz é impiedosamente esmagado pelo Securitron, desfigurando seu rosto, o rosto do estimado Inimigo de Estado.
Sentando-se no sofá, Nathan reflete sobre a rebelião. Naquele conturbado ano, várias manifestações ocorreram em Sonata, em especial na Cúpula Corporativa. Algumas foram pacíficas, outras violentas, e em outras houve a ajuda das facções, que cometeram atentados terroristas por toda a cidade. Mas em toda fumaça negra que subia das paisagens chamuscadas, ou das poças de sangue derramado que sua rebelião provocara, Nathan se via ali, pronto para ser idolatrado pelos opositores das corporações, ou para ser esmagado pelos apoiadores delas.
Uma sensação de urgência se apodera do rapaz. Ele está cansado de esperar. Mais do que nunca, a rebelião tinha que acabar.
Andando apressado pelo Submundo, ele pega suas armas, veste sua jaqueta e se dirige à saída. Database, ao vê-lo partir, pergunta:
- Nathan, vai a algum lugar?
- Sim. – responde ele, de imediato – Vou à Cúpula Corporativa.
Database se espanta.
- Você ficou louco?!
- Não, chefe. Eu acho...
- Mas o que você vai fazer lá?
- Apenas preciso analisar uma coisa.
Sem compreender, o chefe o alerta dizendo:
- Nathan, se você for capturado você vai morrer.  
- Não se preocupe, Database. Prometo que ficarei bem.
Então ele deixa o porão. Mas antes que pudesse fechar a porta, o chefe astutamente informa:
- A Laura voltou.
Nathan se paralisa. Virando-se, ele olha para o chefe e então pergunta:
- Você tem certeza?
- Foi o que eu ouvi.
- Onde ela está?
- Em seu apartamento. Pelo menos foi o que me disseram. Laura nunca informa quando ela sai.
Ainda paralisado, seu coração bate mais forte em seu peito. Nathan precisa vê-la com urgência, mas aquele era um péssimo momento. O rapaz tem uma rebelião a resolver, e agora não podia haver distração em sua mente. Mas quando o assunto são os sentimentos, a mente sempre perdia para o coração.
- Obrigado, chefe. Estou indo lá agora mesmo.
Database o interrompe dizendo:
- Se você a vir, fale para ela aonde você está indo. Talvez Laura consiga te fazer desistir.   
Nathan sorri.
- Eu duvido que ela ao menos tente.
Concordando, o chefe também sorri. Ele duvida também.
- Fale mesmo assim.
Assentindo, Nathan então deixa o Submundo.
Com a determinação de um homem apaixonado, Nathan avança pelas ruas sujas e movimentadas da superfície. Chegando ao prédio de Laura, ele retoma o fôlego e rapidamente entra. Subindo as escadarias, ele avança pelo corredor esfumaçado e empolgadamente bate à porta.
Limpando-se e ajustando suas roupas, ele espera mais trinta segundos e então bate novamente. Sem resposta, ele espera mais um minuto para bater. Olhando ao redor, ele tenta disfarçar a vergonha, afinal os vizinhos o viram bater ali por uma semana inteira e agora olhavam para ele. Abaixando a cabeça, ele espera mais um minuto e novamente bate. Nada.
Lamentando-se, ele contém o choro, respira fundo e finalmente deixa o local.
Ao sair do prédio, o rapaz caminha de volta ao Submundo. Passando em frente a um beco escuro, ele não nota a silhueta de homem parado ali, encostado na parede. Então ele ouve:
- Dia difícil, hein garoto?
Assustando-se, Nathan olha para o lado e então pergunta:
- Quem está aí?
Caminhando para a luz, o homem se revela. Assustando-se mais uma vez, o rapaz exclama:
- Maynard?!
- Oi de novo, Nathan.
Rapidamente enfiando a mão sob a jaqueta, o rapaz tenta pegar sua arma. Mas o mercenário o interrompe, dizendo:
- Isso não será necessário.
- O que você quer?
- Ora, isso não ficou claro no Submundo? – ele falava de seus agressores.
- Você não devia andar por aqui sozinho, Maynard. Database tem informantes por toda a parte.
Dando de ombros, o mercenário responde:
- Eu sei me cuidar. – abanando-se, ele comenta – Parece que sua namorada não está em casa de novo, não?
Nathan desconversa.
- Não sei do que está falando.
- Oh, você sabe sim. A Lótus é uma garota muito bonita, devo dizer, mas muito irritada também. Mas, como dizem por aí, gosto não se discute.
- Cale a boca.
- Mas eu não consigo entender uma coisa. O que você pensa que está fazendo? Sufocando a garota assim, não deixando-a em paz, você se parece um perseguidor, um maníaco pervertido. Que droga, Nathan! Você já tem trinta anos, pensei que já soubesse como conquistar uma mulher.
Intrigando-se, ele pergunta:
- O que quer dizer?
- Quero dizer que você está fazendo tudo errado, cara. Não é assim que você vai fazer ela gostar de você. Ah, essa juventude... Quando vocês vão aprender?
Maynard parecia demonstrar muito domínio no assunto, diferente de Nathan que não sabia nada. Triste demais para o ignorar, o rapaz decide se expor.
- O que eu faço, Maynard? Eu já não sei mais o que fazer.
O mercenário sorri.
- Eu posso te ensinar uma coisa ou outra, mas a melhor estratégia quem vai escolher é você mesmo. Mas vamos falar disso depois. Aonde você está indo mesmo? À Cúpula Corporativa?
Nathan se surpreende.
- Como você sabe disso?
Levantando a palma de suas mãos, ele responde com outra pergunta.
- Por acaso você se esqueceu de quem eu sou?
- Você colocou escutas no Submundo? – pergunta ele, impressionando-se com sua ousadia.
- Foi por precaução. Se eu deixar todos os que tentam me matar vivos, eles podem formar uma gangue de derrotados e ressentidos e vierem para acabar comigo de vez.
O mercenário estava mentindo, sua preocupação ia mais longe do que isso. Maynard desconfiava que seus inimigos – talvez a Polícia ou as corporações – queriam ele morto, e para isso contrataram outros mercenários para fazer o serviço. Se a tentativa falhasse, a culpa cairia sobre o Submundo, que era o inimigo em comum.  
- Como eu posso confiar em você?
- Um Inimigo de Estado viajando para o distrito mais perigoso de Sonata, em quem é melhor confiar? No experiente e articulado agente Maynard, ou em um bando de delinquentes indisciplinados e irresponsáveis chamados de runners?
Nathan percebe que nem as facções, as corporações ou o agente Maynard levavam os runners a sério.
- Está bem, eu irei com você.

§

No intrigante aerocarro de Maynard, Nathan segue para o Setor S. Enquanto o mercenário dirige, ele lê seus e-mails pessoais no painel e ouve o noticiário. O rapaz está pensativo, os últimos dias foram os mais duros de sua vida. Após beijar Laura, ele não pensou que ela iria sumir de repente, deixando-o assim. “Será que ela está arrependida?” pensa ele.
Lembrando-se dos Clérigos do Recomeço, ele ainda vê o atentado terrorista e a bomba no hospital explodindo, matando dezenas de pessoas. Os clérigos o manipularam, fazendo-o ativar o detonador. Olhando para a palma de suas mãos, ele as vê sujas de sangue. 
Ao entrar no Setor S, eles veem muitas viaturas policiais patrulhado as vias. Entregando-lhe uma pequena caixa, Maynard diz:
- Vista isso.
Abrindo-a, o rapaz vê duas lentes de contato.
- Para que isso serve?
- As lentes são uma proteção contra os scanners de retina, camuflando sua verdadeira identidade.   
Chegando à Cúpula, o mercenário estaciona o aerocarro em uma megatorre e ambos prosseguem à pé pelas passarelas. Apesar do dia movimentado, muitos policiais rondam as passarelas e túneis, deixando os transeuntes apreensivos. Nathan vê os edifícios públicos ao redor, secretarias, ministérios e alguns corporativos.
Aproximando-se da cúpula, as vias públicas mudam de aparência e o rapaz vê as marcas da rebelião. Pichações, depredações e sinais de incêndios são visíveis. As passarelas foram obstruídas com barricadas de detritos e entulhos. A violência e o vandalismo fizeram vítimas, pois haviam escuras manchas de sangue ressecado espalhadas pelo chão.   
As portas de uma megatorre foram destruídas por vândalos. Passando por elas, Maynard leva o rapaz pelos corredores, pega o elevador e sobe até o topo até saírem ao ar livre. Aproximando-se do parapeito, Nathan vê uma bela paisagem à sua frente. A cúpula corporativa era uma linda e moderna megatorre, cercada por uma extensa plataforma arborizada, a famosa praça daquele distrito.    
Apesar do confronto na noite anterior, os manifestantes novamente se concentram na praça, carregando cartazes e gritando frases de ordem. A tropa de choque está mais adiante, cercando a entrada do edifício com seu efetivo. Sobrevoando o local, Nathan vê os aerocarros da mídia, com suas câmeras fazendo a cobertura da manifestação.
Alguém lança um coquetel molotov contra os policiais e eles revidam com bombas de gás. A multidão se agita e então recomeça o confronto. Após alguns minutos, a violência e o caos dominam a praça, pois apesar da resistente tropa de choque, os manifestantes eram muitos. Então, do fogo e da fumaça, Nathan consegue ver. Os Securitrons surgem das chamas, caminhando inexoravelmente entre o caos e os detritos.
Avançando pelos manifestantes, os enormes robôs atiram seus projéteis, dispersando-os. Incapazes de lhes resistir, muitos recuam perante as máquinas, intimidados com sua elevada estatura. E mais uma vez a manifestação acabava em fracasso. Nathan lamenta.
- Esses Securitrons... – sussurra Nathan – Eles não podem ser vencidos.
Ouvindo-o, Maynard, de maneira perspicaz, pergunta:
- Por que você está aqui, garoto?
Saindo de seu transe, o rapaz responde:
- Eu precisava ver o que minha rebelião estava causando... – começa ele – E descobrir como derrotar essas máquinas.
Ponderando, o mercenário faz outra pergunta:
- E por que você está se aliando às facções?
- Porque o Submundo precisa de todo o poder de fogo disponível para derrotar as corporações, assim encerrando finalmente a rebelião.
Assentindo, Maynard sabiamente diz:
- Veja os Securitrons como as próprias corporações, Nathan. Agora veja os manifestantes como os runners do Submundo. No confronto abaixo, os manifestantes tiveram alguma chance?  
Lamentando-se, o rapaz responde:
- Não...
- Por que não?
Nathan é razoável ao responder.
- Porque eles não têm o poder de fogo necessário para vencê-los.
- Exatamente. – responde Maynard – Eu estou nesse ramo há muitos anos, Nathan. Na verdade, desde quando você nasceu. E o que eu posso dizer é o seguinte: se o seu inimigo tem armas potentes, você vai precisar de armas maiores.  
Intrigado, o rapaz pergunta:
- Está dizendo que vamos precisar de robôs? Nós não temos esse armamento, Maynard. Os recursos do Submundo são escassos em armamentos pesados.
- Como você mesmo disse, o Submundo não tem robôs para esse tipo de combate, mas há outras pessoas na metrópole que tem. Pode me dizer quem?
O rapaz demonstra muito interesse, mas não sabe o que responder:
- Eu não sei.
Então o mercenário simplesmente diz:
- Bushido.
Arregalando os olhos, Nathan então se lembra. Quando Maynard e ele fugiram da sede da Bushido, eles foram atacados por enormes robôs de combate semelhantes aos Securitrons. “Os robôs samurais” lembra-se ele. “É claro!”.
Por outro lado, o rapaz também se lembra que ele é jurado de morte naquela facção. Para o Xogum Tokugawa, recusar seu pedido foi uma tremenda desonra. Além disso, por culpa dele muitos samurais morreram em sua fuga, envergonhando-o perante seus inimigos. Nathan fica apreensivo.
- Convencê-los vai ser difícil. Você, mais do que ninguém, sabe o porquê.
- Use sua influência. Você é o Inimigo de Estado, vai saber convence-los.      
Ponderando mais uma vez, Nathan sabe que esse problema será difícil de se resolver.   
Enquanto os manifestantes e a polícia se digladiam lá embaixo, um drone sobe de repente, pairando no ar. Com sua câmera, a aeronave mira seu scanner em Nathan. Demorando demais, Maynard o puxa pelo braço e então diz:
- Temos que ir.
Descendo pelas escadarias, o rapaz pergunta:
- O que houve?
- O drone não reconheceu a identidade falsa. Se tivermos sorte, foi só um mal funcionamento.
Chegando ao andar da passarela, eles correm pelo corredor até a entrada do edifício. Mas ao saírem, eles têm uma terrível surpresa. Atravessando as barricadas improvisadas, um Securitron surge entre a sujeira e a fumaça. Com uma voz grave e robótica, o enorme robô diz:
- Nathan Hill, você está preso. Renda-se agora ou usaremos força letal.
O rapaz se desespera. Antes que pudesse responder ou fazer algo, o Securitron gira os canos de sua arma.
O robô estava prestes a atirar.

    

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