(Arte de Marcin Jakubowski)
Nathan acorda.
Sentindo dores em seu corpo, ele se vê ferido e dolorido. Ao seu lado, ele vê
Maynard desacordado. Balançando-o, ele o chama mas o mercenário não reage,
mantendo-se inconsciente. O cheiro do revestimento queimado lhe causa incômodo,
mas o fogo na lataria já havia se apagado, soltando apenas a desagradável
fumaça.
Puxando a
maçaneta, a porta não se abre. Nathan desconecta seu cinto e então a chuta,
fazendo a porta se abrir. Saindo do aerocarro, ele se vê em um lugar escuro e
deserto. Muitos detritos estão espalhados pelos local, denotando abandono e
sujeira. Olhando para cima, ele vê a tênue luz do dia infiltrando-se através
das altas torres de Sonata. O rapaz também ouve o som dos drones voando e das
bombas se estourando. Nos níveis superiores, o confronto ainda ocorria.
Aquela era a
superfície do distrito da Cúpula Corporativa. Nathan não conhecia aquele lugar.
Apesar da superfície ser um local vasto, proibido aos cidadãos e evitado pelas
autoridades, o rapaz acha muito improvável que alguma subsociedade tenha se
formado aos pés da sede do governo.
Nathan acha
aquela situação muito semelhante ao seu desafortunado dia no Setor L. Deixando
Maynard no carro, ele caminha procurando por ajuda. As grossas tubulações industriais
e as telas de arame farpado dificultam seu caminho, mas para ajudar o agente,
ele deve prosseguir.
A falta de luz
impede seu avanço, as passagens e becos se estendem pela escuridão. Sozinho e
desarmado, ele sente sua determinação minar. Pegando seu comunicador, ele tenta
liga-lo, mas percebe que o aparelho foi danificado na queda. Mesmo o aerocarro
de Maynard não funcionava devido ao impacto. Desta vez ele não teria a vital
ajuda do Submundo.
Sentando-se,
Nathan descansa um pouco. Se ele tivesse que ajudar Maynard, ele teria de
voltar aos níveis superiores. Olhando ao redor, ele tem uma desagradável
constatação. As paredes das megatorres são muito lisas e as plataformas de
manutenção estão a muitos metros acima do solo. Incapaz de escalar e sem o
conhecimento básico para a escalada, ele pensa: “como eu queria ser um runner
agora...”.
O rapaz se
levanta e prossegue sua caminhada. As bases das megatorres mudam de aspecto e
ele vê inúmeras pichações nas paredes. Algumas palavras são legíveis, mas
outras são indecifráveis devidos às suas letras estilizadas. Nathan se anima.
“Se há pichações aqui, então pessoas devem viver nessas profundezas”.
Nathan se sente
observado, mas nada vai fazê-lo parar. Cada minuto perdido é um minuto a menos
na vida de Maynard. Pessoas se movem na escuridão, a iminência do perigo o
agita. Então algo acontece.
O rapaz ouve sons
de algo batendo contra o chão, como se fossem tacos de madeira. E então ele
ouve o som de correntes e barras de aço sendo batidas também. Holofotes são
acesos no alto das paredes e tudo fica nítido, finalmente. As sombras se
personificam e ele reconhece cerca de dez pessoas se aproximando com barras de
aço, tacos de madeira e correntes em suas mãos. Homens e mulheres vêm em sua
direção, vestindo blusas, jaquetas e coturnos militares. Nathan se surpreende,
alguns têm cabelos coloridos ou longos cabelos moicanos. Era como se fossem
runners, mas de aparência muito mais violenta e agressiva.
Além das armas
brancas, aquelas pessoas também carregam armas de fogo e de laser. Rendendo-se,
o rapaz levanta suas mãos. Um homem com tinta preta abaixo dos olhos – como se
fosse um jogador de futebol americano – fuma seu cigarro e então assopra a
fumaça em seu rosto. Ele pergunta:
- Quem é você,
cara?
O rapaz pode
sentir o forte hálito de álcool e cigarro no homem. Ele responde:
- Eu sou Nathan
Hill. Por favor, peço que não atirem...
- Cale a boca! –
interrompe ele – Você só vai falar quando eu mandar, entendeu?
O rapaz se
irrita. Olhando para suas jaquetas, ele vê um símbolo estampado, um “A”,
aparentemente. “Anarquistas?” pensa ele.
O homem novamente
pergunta:
- O que você está
fazendo aqui?
- Eu sofri um
acidente. O aerocarro do meu amigo foi atingido por um míssil, um Securitron o
atingiu, e então nós caímos aqui.
- Um Securitron?
Você esteve na manifestação?
- Sim. – responde
ele – Estávamos de partida, mas fomos atingidos antes. Meu amigo está
gravemente ferido, vocês precisam ajuda-lo, por favor!
O homem olha para
alguém atrás dele. Virando-se, Nathan vê outro homem parado ali, vestindo uma
máscara de hóquei e com uma faca de caça em sua mão. O mascarado meneia
negativamente sua cabeça, descreditando seu relato.
Pegando uma barra
de aço, o interrogador olha para ele e diz:
- Está vendo essa
barra? Eu já esmaguei muitos crânios dos meus inimigos com ela. E você também é
meu inimigo, pois veio aqui para nos espionar. Você é um espião!
Então os homens o
põem de joelho. Nathan grita:
- Espere! Eu não
sou um espião! Eu sou Nathan Hill, sou o Inimigo de Estado!
Os arruaceiros se
entreolham. Ignorando-o, o homem ordena:
- Segurem-no!
Segurando seus
braços, o homem se prepara para golpeá-lo. O rapaz se desespera.
- Zack, espere!
Todos se
interrompem. Uma mulher, de cabelos roxos e com a lateral de sua cabeça raspada,
estende a mão e diz:
- Eu conheço ele,
sua imagem está em toda a rede corporativa. Ele realmente é Nathan Hill, o
Inimigo de Estado.
O tal Zack olha
para ela e pergunta:
- Você tem
certeza?
- Absoluta. A
manifestação lá em cima era para ser pacífica e só se intensificou por sua causa.
Foi Nathan quem provocou tudo aquilo.
Então o
sentimento de culpa invade a mente de Nathan.
- Nesse caso... –
diz ele, levantando-o pelas roupas – eu peço desculpas.
Ajeitando-se, o
rapaz se alivia.
- Vocês tem um
jeito bem peculiar de receber os estranhos.
- Estranhos? - sorri ele - Estamos em guerra, cara. Não há estranhos na guerra, apenas inimigos e
espiões.
- Quem são vocês,
afinal? – pergunta o rapaz.
- Somos membros
da Frente Ateísta.
Ao ouvi-lo, o
rapaz se assombra. A Frente Ateísta é conhecida por ser uma facção impiedosa e
fanática, agindo de forma violenta em seu fundamentalismo antirreligioso.
Adicionado a isso, dias atrás Nathan foi o responsável pela explosão de um
hospital no território deles. Lembrando-se do atentando terrorista, ele sente o
seu corpo tremer.
- O que você está
fazendo aqui embaixo, Nathan? – pergunta a mulher que lhe salvou a vida.
- Eu sofri um
acidente. – repete ele – Um Securitron nos atingiu e caímos aqui. Eu não
esperava entrar no território da Frente Ateísta.
- Não, não
estamos em nosso território. – responde Zack – Viemos infiltrados à
manifestação para armar os manifestantes e agita-los contra a polícia.
- Nossa intenção
era causar um tumulto. – continua e mulher – Mas com você lá em cima nem
precisamos. Sua presença foi o bastante para incita-los à desordem. Foi um
verdadeiro banho de sangue, eu devo dizer. Você deve estar muito orgulhoso,
não?
Nathan pensa que
ela está sendo irônica, mas ela não estava. Todos falavam sério e olhavam para
ele com certa satisfação.
- Fiquei sabendo
– diz Zack, mudando de assunto – que você vem fazendo alianças com as outras
facções. Isso é verdade?
- Sim. Eu
pretendia me encontrar com os ateístas também, mas em outras condições. Para
vencermos as corporações, as facções devem se unir.
Novamente os
ateístas se entreolham. O homem pergunta:
- Você acha que a
nossa facção aceitará uma aliança com o Submundo?
- Eu espero que
sim. Se houver condições, nós podemos negociar.
Surpreso, Zack levanta suas
mãos, dizendo:
- Ei, eu sou só
um soldado raso! Não sou eu quem vai decidir se aliar ou não.
- Talvez
devêssemos leva-lo à nossa sede. Nosso chefe vai adorar receber o Inimigo de
Estado em pessoa. – sugere a mulher.
Então todos
sorriem, concordando.
- Você é uma lenda
viva, cara! – diz alguém.
- Um verdadeiro
herói de Sonata. – complementa outro.
- E pensar que eu
quase matei ele... – comenta Zack, não dando a mínima para a sua vida.
Os ateístas riem,
conversando entre si. Nathan intervém, dizendo:
- Eu agradeço a
consideração, mas eu realmente preciso ajudar o meu amigo.
Olhando de volta
para ele, Zack fica sério e então responde:
- É claro. Nos
mostre o caminho.
Levando-os de
volta, ele passa pelas mesmas passagens e becos escuros de antes. Nathan se
sente o líder daqueles arruaceiros e extremistas, pois eles marchavam com
autoridade e imponência, não se importando em serem cautelosos ou discretos.
Chegando ao
aerocarro, o rapaz se intriga. Maynard não estava lá.
- Nathan, o que
houve? – pergunta Zack.
- Eu não entendo.
Meu amigo não está aqui...
Revistando o
aerocarro, ele vê apenas o assento do motorista vazio. Haviam algumas manchas
de sangue pelo estofado e pelo painel, mas nenhum sinal do agente.
Olhando ao redor,
Nathan põe as mãos na cabeça e não sabe o que fazer.
§
Horas antes,
Burton caminha pela superfície. Sob seu sobretudo, ele carrega muitos recursos.
As ondas de calor o levaram até aquele ponto, se o aerocarro caiu em algum
lugar, ele deve estar ali. Vestindo seu óculos de visão noturna, ele enxerga
claramente o caminho a seguir.
Sons são ouvidos
à distância. Escondendo-se atrás das robustas tubulações industriais, ele espia
o escuro ambiente e encontra um rapaz andando sozinho pela superfície. É
Nathan. Tomando cuidado para não ser visto, Burton então o segue.
Entre as bases de
algumas megatorres, Nathan é capturado por um bando de arruaceiros portando
armas brancas. A situação se complica mas, ao ver que são muitos e que alguns portavam
armas de fogo, Burton prefere manter distância.
Ligando um
gravador, o policial capta a conversa do grupo. Ao se identificar, os
arruaceiros poupam sua vida. Eles também se identificam, sendo eles mais um
grupo de terroristas de Sonata. Nathan fala de uma possível aliança e então os
convence a ir ajudar seu amigo, o mercenário que seu chefe falou a respeito.
Após alguns minutos de conversa, eles finalmente vão embora.
Sozinho
novamente, Burton pega seu celular e faz uma ligação.
- Ministro
Arquimedes, aqui é o Detetive Burton. Eu encontrei o alvo, mas ainda não pude
captura-lo. O Inimigo de Estado está acompanhado de terroristas violentos e
armados. Vou precisar de mais tempo.
Ponderando, o
ministro responde:
“Ótimo. Você terá
todo o suporte que o Ministério da Informação puder lhe oferecer. E lembre-se
do que conversamos. Queremos o Inimigo de Estado vivo, você entendeu?”.
- É claro,
senhor.
Então, sem se
despedir, o ministro desliga.
Lembrando-se de
todos os problemas que Nathan causou em Sonata e de sua fuga há uma ano,
envergonhando-o perante todo o departamento, Burton olha para o rapaz e
sussurra:
- É melhor
correr, garoto, porque a caçada apenas começou.
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