O distrito de
Monte Fuji atemoriza o rapaz. Desde sua última estadia, ele tem péssimas
lembranças do lugar. Em um aerocarro com quatro runners, incluindo Vertigo,
eles passam pelas vias virtuais iluminadas por milhares de neons japoneses.
Apesar do estranho
comportamento de Vertigo, ele quis acompanha-lo nessa nova missão. O hacker
esteve cativo durante dias, mas deu poucos detalhes de sua situação. O Submundo
inteiro desconfia dele, mas por terem grande estima pelo admirado hacker, o
toleraram no bunker. Nathan e Laura gostam dele, entretanto o astuto
Database o manterá cautelosamente sob vigilância.
Diferente de seus
comentários bem humorados e distraídos, agora Vertigo apenas abre sua boca para
falar da missão. Ele havia voltado mais técnico e frio onde apenas o desempenho
das missões o importavam.
Vertigo pergunta:
- Você acha que o
plano vai funcionar?
Nathan olha para
trás. Por razões implícitas, desta vez não era o hacker quem dirigia.
- Eu não sei,
Vertigo.
Olhando pela
janela, o rapaz fica pensativo novamente. Assim como Database alertou, as
facções são instáveis. Em seu ousado plano para aliar-se a elas, cada dia em
que Nathan as visitava podia ser seu último.
A sede da Bushido
se aproxima. O suntuoso templo com sua belíssima arquitetura oriental, brilha
como uma joia nas alturas de Sonata. Abrindo a porta do aerocarro, Nathan e
Vertigo descem. O rapaz diz:
- Desejem-me
sorte.
Apertando as mãos
dos runners, o veículo levanta voo e continua seu caminho.
Uma longa ponte
atravessa os terraços dos edifícios. Caminhando sobre o piso metálico, seus
passos fazem barulho sobre a vertiginosa altura. Seis miras lasers iluminam o
corpo do rapaz, mirando seu rosto e suas costas. Levantando suas mãos, ele se
mostra desarmado, alertando os snipers escondidos na paisagem noturna.
Na entrada do
templo, dois guardas vestidos de samurais os aguardam. Ainda de mãos
levantadas, o rapaz diz:
- Eu sou Nathan,
sou o Inimigo de Estado. – os guardas não demonstram reação – Tenho uma informação
importante ao Xogum Tokugawa.
Entreolhando-se,
os guardas demoram a agir. Finalmente um deles os revista enquanto o outro
contata alguém no vidphone. Voltando às suas posições iniciais, os guardas
ficam parados ali, olhando para eles em silêncio. Nathan se intriga.
Minutos depois
alguém aparece. Vestindo uma armadura samurai vermelha, um senhor de barbas
pontudas se aproxima. O rapaz imediatamente o reconhece, “capitão Yamada” pensa
ele.
- Kon'nichiwa,
Nathan-san! Lembra-se de mim?
Um pouco
temeroso, o rapaz responde:
- É claro que
sim. Você me sequestrou.
O capitão sorri,
sem se importar.
- Imagino que
tenha algo muito importante para falar ao Xogum Tokugawa hoje. Do contrário
você jamais se atreveria a voltar aqui.
Nathan sarcasticamente
responde:
- Muito perspicaz
de sua parte.
Dando-lhes
permissão, os guardas finalmente liberam a entrada. Levando-os pelo templo,
Nathan relembra os exóticos detalhes do ambiente, desde os ornamentos à
arquitetura. Vertigo se fascina também, pois nunca esteve ali antes.
Ao passarem por
uma enorme porta de madeira, os três adentram o grande salão. Nathan reconhece
o lugar, o infame salão onde ocorreu a decapitação de um samurai desonrado.
Apesar de passado um ano, as imagens ainda são vívidas em sua memória.
Xogum Tokugawa o
aguarda em pé no centro da sala, rodeado por seus mais valiosos samurais. O
xogum porta duas enormes katanas em sua cintura e encara o rapaz friamente.
Vendo as manchas vermelhas e escuras no piso, novamente Nathan sente medo.
Yamada o leva até
poucos metros do Xogum. Nisto, os samurais ao redor se aproximam, cercando-os.
- Xogum
Tokugawa... – diz Nathan – Boa noite. Em nome do Submundo, trago informações
imprescindíveis ao senhor.
O líder não
responde coisa alguma, ao invés ele dá ordens ao seus homens, dizendo:
- Ponham-no de
joelhos!
Yamada chuta a
junta de sua perna, fazendo-o cair. Então dois samurais seguram seus braços,
deixando-o ajoelhado e de braços abertos perante Tokugawa. Vertigo grita
também, posto na mesma posição.
Ao desembainhar
uma belíssima katana de cabo enfeitado, a lâmina prateada brilha. O xogum a
aponta ao pescoço de Nathan, fazendo-o suar. Antes que o rapaz pudesse fazer
algo, o líder diz:
- Despendi uma
quantia absurda para livra-lo dos fanáticos americanos, nossos arqui-inimigos.
Te ofereci comida, abrigo e principalmente uma causa da qual valesse a pena
lutar. E o que você me deu em troca? Rejeição, sabotagem, fuga e o pior de
todos, desonra. Nos tornamos motivo de zombaria para nossos inimigos e infâmia
para toda Sonata. Mas hoje você nos pagará por esse insulto.
Os samurais
inclinam o rapaz para frente. Tokugawa levanta sua espada, preparando-se para
golpear. Nathan diz:
- Espere! Eu
tenho uma informação e preciso entrega-la ao senhor!
- Uma informação?
Da última vez você também tinha uma informação, mas se negou a entrega-la. Por
que se esforça para revela-la agora?
- Porque dela
depende a sobrevivência de toda a Bushido!
Os samurais se
entreolham. Tokugawa, porém, se mantém firme.
- Cobra
traiçoeira! Você agora trabalha para o pior tipo de gente em Sonata e espera
que eu acredite em você? – responde ele, referindo-se à superfície.
- Eu sou o
Inimigo de Estado! Me matando, você iniciará um guerra não apenas com a
Submundo, mas com todas as facções que se aliaram a mim!
Nathan tem razão.
Preocupados, os samurais olham para Tokugawa, que responde:
- É mentira! Te
matando, a rebelião acabará. E vocês, marginais, mercenários e ladrões da
superfície, perderão. E a honra da Bushido finalmente será limpa, lavada com o
seu sangue.
O líder levanta sua
espada.
- Ouça-me,
primeiro! E então julgue se minha morte será necessária! – apela ele pela
última vez – A polícia instalou morteiros pelo distrito. Seu ataque será
iminente e eles já estão prontos para atacar!
Tokugawa se
intriga.
- Morteiros...?
Que ardil é esse, verme?
- Não é ardil
nenhum, é a verdade. A polícia secretamente instalou morteiros pelo distrito
Monte Fuji e pretendem ataca-los à distância. Se a Bushido não se preparar, a
polícia os destruirá.
- E como você
sabe disso? Como descobriu?
- Porque nós, os
“marginais, mercenários e ladrões” da superfície temos mais recursos do que
imagina.
Olhando para
Yamada, o líder ordena:
- Kyaputen,
pergunte aos sentinelas no Monte Fuji se eles têm conhecimento disso. Rápido!
- Hai! – responde ele antes de sair pela
porta.
- É melhor estar
falando a verdade, rapaz. A Bushido não reage bem com quem brinca com nossa
honra.
O rapaz responde:
- Eu bem sei de
sua desavença, Tokugawa, mas nessa guerra todas as facções devem se unir. Temos
um inimigo em comum com todo o aparato do Estado para o proteger. A Bushido não
daria credibilidade ao Submundo se eu, o Inimigo de Estado, não o informasse
pessoalmente.
Minutos depois
Yamada retorna. Com um comunicador em sua mão, ele diz:
- Xogum Tokugawa,
os sentinelas não confirmaram a informação.
- Como é?
- Não há
morteiros espalhados pelo distrito.
Arregalando os
olhos, os samurais veem o rosto do líder corar. Desonrado e tremendamente
irritado, ele olha para Nathan e diz:
- Mentiroso...
Agora enfurecido,
nada faria o líder parar. Levantando sua espada, ele novamente se prepara para
decapitar Nathan. Então algo acontece.
Uma explosão é
ouvida no telhado do templo. As paredes tremem e poeira cai sobre o piso.
- O que foi isso?
– pergunta Yamada.
Confusos, os
samurais se preparam para empunhar suas espadas e proteger seu líder. Ele,
porém, olha para Nathan e o acusa.
- Foi sabotagem!
Você trouxe aquele mercenário aqui para nos sabotar!
- Impossível! –
protesta ele – Eu nem mesmo sei se o mercenário está vivo!
- Vocês são
espiões! – grita ele, ignorando-o.
Intentando
ataca-lo, outra explosão é ouvida. O salão treme. Em seguida ocorrem outras
quinze explosões, devastando o exterior do templo. Os samurais se desesperam.
- Estamos sob
ataque! – brada um samurai.
O telhado começa
a ruir e se desaba ao redor deles, levantando uma densa poeira no salão.
- Senhor, temos
que sair daqui agora! – diz Yamada.
- Nunca! –
recusa-se Tokugawa – Ficaremos aqui e defenderemos nossa fortaleza!
“Fortaleza?”
pensa Nathan. “Eles realmente pensam que estão em um Japão feudal”.
Os samurais
soltam Nathan e Vertigo. Agora livre, o hacker olha para o rapaz e pergunta:
- Você está bem?
- Eu pensei que
ia morrer... – sussurra ele.
- Não foi a última
vez. – adverte ele, de maneira pessimista.
O fogo se levanta.
A fumaça e a poeira dificultam a respiração. Aproximando-se, Tokugawa puxa
Nathan pelas roupas e o põe em pé.
- O que disse era
verdade, rapaz?
Indicando a
destruição ao redor, ele responde:
- O que você
acha?
Gritos são
ouvidos. Deixando o salão, uma viga se desprende do telhado e cai sobre um
samurai. Preso debaixo dos destroços flamejantes, seus companheiros não podem fazer
nada a não ser deixa-lo queimar até a morte. Novas explosões são ouvidas, as
paredes laterais desabam.
Atordoado devido
as chamas, o capitão Yamada, com muito esforço, informa:
- Senhor, nossos
sentinelas encontraram os morteiros. Eles estão espalhados por todo o distrito!
Então os samurais
olham para Nathan, acreditando-o.
- Separem as
equipes, quero todos armados com fuzis lasers. Matem todos os policiais que
encontrarem!
- Não! – grita
Nathan – Não há policiais aqui. Os morteiros são controlados à distância, via
ciberespaço. Vocês devem usar mísseis e explosivos se quiserem destruí-los.
Desconfiando do
rapaz, o líder pergunta:
- Como você sabe
de tudo isso?
Irritando-se,
Nathan responde:
- Pela última
vez, Tokugawa, confie em mim.
A contragosto, o
líder olha para seus samurais e ordena:
- Separem os
aerocarros. Quero todos equipados com torretas e prontos para atacar.
Assentindo, os
samurais correm pelo templo em chamas. Acenando para Vertigo, o rapaz intenta
sair dali, mas Tokugawa o impede.
- Você vem comigo, rapaz! Se algo me acontecer, você sofrerá também.
Levando o rapaz
pelo braço, Tokugawa se dirige a um aerocarro. Vertigo é levado a força por outro
samurai e ambos vão para o contra-ataque.
Minutos depois,
eles sobrevoam o distrito em um aerocarro. O motorista olha para o mapa no
painel e confirma as coordenadas do alvo. Ele diz:
- Tokugawa-san,
alvo a trezentos metros. Solicitando permissão para o ataque.
Vociferando ao
lado de Nathan no banco de trás, o líder responde:
- Pulverize-o!
Controlando a
torreta, um samurai no banco do passageiro a mira para o alvo à frente.
Tokugawa não vê um morteiro, mas sim um canhão antitanque esverdeado efetuar
disparos aleatórios pela noite. Um segundo depois, três mísseis são disparados,
voando em direção ao canhão e explodindo-o em centenas de pedaços.
- Eram canhões! –
surpreende-se o líder – Por isso causaram tantos estragos em minha fortaleza.
Encontrando mais
dois, eles os destroem também. Assim como Nathan disse, não havia ninguém
operando-os. Minutos depois, os outros aerocarros os contatam, dizendo:
“Tokugawa-san, os
alvos foram destruídos com sucesso”.
Apertando um
botão no painel, o líder abre o canal de comunicação e responde:
- Entendido. Vamos
voltar.
Manobrando o
aerocarro no ar, eles tentam voltar quando uma viatura policial passa por eles.
De sirene ligada, a metralhadora do veículo abre fogo contra os samurais,
assustando-os.
- Tokugawa-san! O
senhor está bem? – pergunta o motorista.
Ignorando-o, o
líder responde:
- Siga aquela
viatura, agora!
Virando-se, o
aerocarro persegue a viatura pelo céu. Enfiando-se entre as megatorres, a
viatura atravessa perigosamente o distrito. O motorista tem dificuldade em
segui-la, pois as explosões provocaram o caos nas vias virtuais e nas
passarelas. Então, desligando as sirenes, a viatura se embica e mergulha pela
escuridão abaixo. Os samurais veem a viatura descer rapidamente e se
surpreendem.
- Senhor... –
começa o motorista – a viatura desceu para a superfície. Devemos segui-la?
Olhando para
baixo, Tokugawa vê a viatura policial descer e, como um fantasma, sumir na
escuridão. Receoso, ele responde:
- Não. Nós já vencemos
essa batalha essa noite. Acabou. Vamos voltar para a fortaleza.
§
Horas depois, o
fogo no templo estava controlado. As paredes e o telhado, porém, estavam
arruinados em pilhas de brasa e entulho. Reunidos no salão principal, os
samurais sabiam que não tinham tempo para se lamentar. O inimigo corporativo se
levantou naquela noite, quebrando a paz delicada mantida há alguns anos no
Monte Fuji. Apreensivos, todos sabiam o que aquilo significava: guerra.
- Quantos canhões
haviam no distrito? – pergunta o líder.
- Quatorze. –
responde Yamada.
- E quantas
vítimas eles fizeram?
Pesaroso, o
capitão responde:
- Vinte e três.
Respirando fundo,
Tokugawa diz:
- Vamos honrar
suas mortes depois, e certamente nos preparar para o luto. Entretanto, devo
informar que mais mortes foram evitadas hoje, graças a um homem que, arriscando
sua vida, muito bravamente veio nos alertar esta noite. – então ele olha para
Nathan – Peço que saúdem a Nathan-san, o Inimigo de Estado!
Então os samurais se curvam ao rapaz, saudando-o. Lisonjeado, Nathan sorri, acenando com a mão.
- De jurado de morte
a convidado de honra. Parabéns, Nathan-san. A Bushido tem uma dívida de gratidão.
O xogum lhe
presenteia com uma katana. O rapaz aprecia o exótico presente, contemplando-a
com muita alegria. Aproveitando o momento, o rapaz diz:
- Xogum Tokugawa,
me sinto honrado e profundamente agradecido. Porém, há algo que pode fazer para
retribuir o favor.
O xogum e os
samurais se intrigam.
- E o que seria?
- Como todos já
devem saber, as corporações retomaram o Projeto Gemini e planejam substituir a
população com o Protótipo#8. Devido a esse hediondo plano,
deflagrei a rebelião em Sonata, na esperança de que eles fossem impedidos. Mas
não posso fazer isso sozinho e a cada dia que passa mais vítimas são feitas
nessa sangrenta rebelião que eu mesmo causei. Portanto, do fundo do coração
lhes peço que se aliem a nós, o Inimigo de Estado e o Submundo, para que, com a
ajuda das outras facções também aliadas, nos ajudem a derrubar o governo
corporativo e encerrar esse irracional e violento banho de sangue.
Nathan se cala.
Um silêncio incômodo paira no templo em ruínas. Entreolhando-se, os samurais
mais velhos parecem se surpreender com a notável eloquência do rapaz.
O líder pondera
em silêncio. Então, cheio de honra em sua postura e sua voz, ele levanta
sua cabeça e diz:
- Quando for
combater o imperialismo corporativo e seus desonrados samurais da polícia,
conte com a Bushido para o ajudar.
Sorrindo, Nathan
aperta sua mão e os samurais os aplaudem. Em seguida, ambos se encurvam um ao
outro, em típico sinal de respeito japonês.
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