sexta-feira, 26 de abril de 2019

Sonata - Parte 40 - Ataque no Distrito Japonês


O distrito de Monte Fuji atemoriza o rapaz. Desde sua última estadia, ele tem péssimas lembranças do lugar. Em um aerocarro com quatro runners, incluindo Vertigo, eles passam pelas vias virtuais iluminadas por milhares de neons japoneses.
Apesar do estranho comportamento de Vertigo, ele quis acompanha-lo nessa nova missão. O hacker esteve cativo durante dias, mas deu poucos detalhes de sua situação. O Submundo inteiro desconfia dele, mas por terem grande estima pelo admirado hacker, o toleraram no bunker. Nathan e Laura gostam dele, entretanto o astuto Database o manterá cautelosamente sob vigilância.
Diferente de seus comentários bem humorados e distraídos, agora Vertigo apenas abre sua boca para falar da missão. Ele havia voltado mais técnico e frio onde apenas o desempenho das missões o importavam.
Vertigo pergunta:
- Você acha que o plano vai funcionar?   
Nathan olha para trás. Por razões implícitas, desta vez não era o hacker quem dirigia.
- Eu não sei, Vertigo.
Olhando pela janela, o rapaz fica pensativo novamente. Assim como Database alertou, as facções são instáveis. Em seu ousado plano para aliar-se a elas, cada dia em que Nathan as visitava podia ser seu último.
A sede da Bushido se aproxima. O suntuoso templo com sua belíssima arquitetura oriental, brilha como uma joia nas alturas de Sonata. Abrindo a porta do aerocarro, Nathan e Vertigo descem. O rapaz diz:
- Desejem-me sorte.
Apertando as mãos dos runners, o veículo levanta voo e continua seu caminho.
Uma longa ponte atravessa os terraços dos edifícios. Caminhando sobre o piso metálico, seus passos fazem barulho sobre a vertiginosa altura. Seis miras lasers iluminam o corpo do rapaz, mirando seu rosto e suas costas. Levantando suas mãos, ele se mostra desarmado, alertando os snipers escondidos na paisagem noturna.
Na entrada do templo, dois guardas vestidos de samurais os aguardam. Ainda de mãos levantadas, o rapaz diz:
- Eu sou Nathan, sou o Inimigo de Estado. – os guardas não demonstram reação – Tenho uma informação importante ao Xogum Tokugawa.
Entreolhando-se, os guardas demoram a agir. Finalmente um deles os revista enquanto o outro contata alguém no vidphone. Voltando às suas posições iniciais, os guardas ficam parados ali, olhando para eles em silêncio. Nathan se intriga.
Minutos depois alguém aparece. Vestindo uma armadura samurai vermelha, um senhor de barbas pontudas se aproxima. O rapaz imediatamente o reconhece, “capitão Yamada” pensa ele.
- Kon'nichiwa, Nathan-san! Lembra-se de mim?
Um pouco temeroso, o rapaz responde:    
- É claro que sim. Você me sequestrou.
O capitão sorri, sem se importar.
- Imagino que tenha algo muito importante para falar ao Xogum Tokugawa hoje. Do contrário você jamais se atreveria a voltar aqui.
Nathan sarcasticamente responde:
- Muito perspicaz de sua parte.
Dando-lhes permissão, os guardas finalmente liberam a entrada. Levando-os pelo templo, Nathan relembra os exóticos detalhes do ambiente, desde os ornamentos à arquitetura. Vertigo se fascina também, pois nunca esteve ali antes.
Ao passarem por uma enorme porta de madeira, os três adentram o grande salão. Nathan reconhece o lugar, o infame salão onde ocorreu a decapitação de um samurai desonrado. Apesar de passado um ano, as imagens ainda são vívidas em sua memória.
Xogum Tokugawa o aguarda em pé no centro da sala, rodeado por seus mais valiosos samurais. O xogum porta duas enormes katanas em sua cintura e encara o rapaz friamente. Vendo as manchas vermelhas e escuras no piso, novamente Nathan sente medo.
Yamada o leva até poucos metros do Xogum. Nisto, os samurais ao redor se aproximam, cercando-os.
- Xogum Tokugawa... – diz Nathan – Boa noite. Em nome do Submundo, trago informações imprescindíveis ao senhor.
O líder não responde coisa alguma, ao invés ele dá ordens ao seus homens, dizendo:
- Ponham-no de joelhos!
Yamada chuta a junta de sua perna, fazendo-o cair. Então dois samurais seguram seus braços, deixando-o ajoelhado e de braços abertos perante Tokugawa. Vertigo grita também, posto na mesma posição.
Ao desembainhar uma belíssima katana de cabo enfeitado, a lâmina prateada brilha. O xogum a aponta ao pescoço de Nathan, fazendo-o suar. Antes que o rapaz pudesse fazer algo, o líder diz:
- Despendi uma quantia absurda para livra-lo dos fanáticos americanos, nossos arqui-inimigos. Te ofereci comida, abrigo e principalmente uma causa da qual valesse a pena lutar. E o que você me deu em troca? Rejeição, sabotagem, fuga e o pior de todos, desonra. Nos tornamos motivo de zombaria para nossos inimigos e infâmia para toda Sonata. Mas hoje você nos pagará por esse insulto.
Os samurais inclinam o rapaz para frente. Tokugawa levanta sua espada, preparando-se para golpear. Nathan diz:
- Espere! Eu tenho uma informação e preciso entrega-la ao senhor!
- Uma informação? Da última vez você também tinha uma informação, mas se negou a entrega-la. Por que se esforça para revela-la agora?
- Porque dela depende a sobrevivência de toda a Bushido!         
Os samurais se entreolham. Tokugawa, porém, se mantém firme.
- Cobra traiçoeira! Você agora trabalha para o pior tipo de gente em Sonata e espera que eu acredite em você? – responde ele, referindo-se à superfície.
- Eu sou o Inimigo de Estado! Me matando, você iniciará um guerra não apenas com a Submundo, mas com todas as facções que se aliaram a mim!
Nathan tem razão. Preocupados, os samurais olham para Tokugawa, que responde:
- É mentira! Te matando, a rebelião acabará. E vocês, marginais, mercenários e ladrões da superfície, perderão. E a honra da Bushido finalmente será limpa, lavada com o seu sangue.
O líder levanta sua espada.
- Ouça-me, primeiro! E então julgue se minha morte será necessária! – apela ele pela última vez – A polícia instalou morteiros pelo distrito. Seu ataque será iminente e eles já estão prontos para atacar!
Tokugawa se intriga.
- Morteiros...? Que ardil é esse, verme?
- Não é ardil nenhum, é a verdade. A polícia secretamente instalou morteiros pelo distrito Monte Fuji e pretendem ataca-los à distância. Se a Bushido não se preparar, a polícia os destruirá.
- E como você sabe disso? Como descobriu?
- Porque nós, os “marginais, mercenários e ladrões” da superfície temos mais recursos do que imagina.
Olhando para Yamada, o líder ordena:
- Kyaputen, pergunte aos sentinelas no Monte Fuji se eles têm conhecimento disso. Rápido!
- Hai! – responde ele antes de sair pela porta. 
- É melhor estar falando a verdade, rapaz. A Bushido não reage bem com quem brinca com nossa honra.
O rapaz responde:
- Eu bem sei de sua desavença, Tokugawa, mas nessa guerra todas as facções devem se unir. Temos um inimigo em comum com todo o aparato do Estado para o proteger. A Bushido não daria credibilidade ao Submundo se eu, o Inimigo de Estado, não o informasse pessoalmente.
Minutos depois Yamada retorna. Com um comunicador em sua mão, ele diz:
- Xogum Tokugawa, os sentinelas não confirmaram a informação.
- Como é?
- Não há morteiros espalhados pelo distrito.
Arregalando os olhos, os samurais veem o rosto do líder corar. Desonrado e tremendamente irritado, ele olha para Nathan e diz:
- Mentiroso...
Agora enfurecido, nada faria o líder parar. Levantando sua espada, ele novamente se prepara para decapitar Nathan. Então algo acontece.
Uma explosão é ouvida no telhado do templo. As paredes tremem e poeira cai sobre o piso.
- O que foi isso? – pergunta Yamada.
Confusos, os samurais se preparam para empunhar suas espadas e proteger seu líder. Ele, porém, olha para Nathan e o acusa.
- Foi sabotagem! Você trouxe aquele mercenário aqui para nos sabotar!
- Impossível! – protesta ele – Eu nem mesmo sei se o mercenário está vivo!     
- Vocês são espiões! – grita ele, ignorando-o.
Intentando ataca-lo, outra explosão é ouvida. O salão treme. Em seguida ocorrem outras quinze explosões, devastando o exterior do templo. Os samurais se desesperam.
- Estamos sob ataque! – brada um samurai.
O telhado começa a ruir e se desaba ao redor deles, levantando uma densa poeira no salão.
- Senhor, temos que sair daqui agora! – diz Yamada.
- Nunca! – recusa-se Tokugawa – Ficaremos aqui e defenderemos nossa fortaleza!
“Fortaleza?” pensa Nathan. “Eles realmente pensam que estão em um Japão feudal”.
Os samurais soltam Nathan e Vertigo. Agora livre, o hacker olha para o rapaz e pergunta:
- Você está bem?
- Eu pensei que ia morrer... – sussurra ele.
- Não foi a última vez. – adverte ele, de maneira pessimista.
O fogo se levanta. A fumaça e a poeira dificultam a respiração. Aproximando-se, Tokugawa puxa Nathan pelas roupas e o põe em pé.
- O que disse era verdade, rapaz?
Indicando a destruição ao redor, ele responde:
- O que você acha?
Gritos são ouvidos. Deixando o salão, uma viga se desprende do telhado e cai sobre um samurai. Preso debaixo dos destroços flamejantes, seus companheiros não podem fazer nada a não ser deixa-lo queimar até a morte. Novas explosões são ouvidas, as paredes laterais desabam.
Atordoado devido as chamas, o capitão Yamada, com muito esforço, informa:
- Senhor, nossos sentinelas encontraram os morteiros. Eles estão espalhados por todo o distrito!
Então os samurais olham para Nathan, acreditando-o.
- Separem as equipes, quero todos armados com fuzis lasers. Matem todos os policiais que encontrarem!
- Não! – grita Nathan – Não há policiais aqui. Os morteiros são controlados à distância, via ciberespaço. Vocês devem usar mísseis e explosivos se quiserem destruí-los.
Desconfiando do rapaz, o líder pergunta:
- Como você sabe de tudo isso?
Irritando-se, Nathan responde:
- Pela última vez, Tokugawa, confie em mim.
A contragosto, o líder olha para seus samurais e ordena:
- Separem os aerocarros. Quero todos equipados com torretas e prontos para atacar.      
Assentindo, os samurais correm pelo templo em chamas. Acenando para Vertigo, o rapaz intenta sair dali, mas Tokugawa o impede.
- Você vem comigo, rapaz! Se algo me acontecer, você sofrerá também.    
Levando o rapaz pelo braço, Tokugawa se dirige a um aerocarro. Vertigo é levado a força por outro samurai e ambos vão para o contra-ataque.
Minutos depois, eles sobrevoam o distrito em um aerocarro. O motorista olha para o mapa no painel e confirma as coordenadas do alvo. Ele diz:
- Tokugawa-san, alvo a trezentos metros. Solicitando permissão para o ataque.
Vociferando ao lado de Nathan no banco de trás, o líder responde:
- Pulverize-o!
Controlando a torreta, um samurai no banco do passageiro a mira para o alvo à frente. Tokugawa não vê um morteiro, mas sim um canhão antitanque esverdeado efetuar disparos aleatórios pela noite. Um segundo depois, três mísseis são disparados, voando em direção ao canhão e explodindo-o em centenas de pedaços.  
- Eram canhões! – surpreende-se o líder – Por isso causaram tantos estragos em minha fortaleza.
Encontrando mais dois, eles os destroem também. Assim como Nathan disse, não havia ninguém operando-os. Minutos depois, os outros aerocarros os contatam, dizendo:
“Tokugawa-san, os alvos foram destruídos com sucesso”.
Apertando um botão no painel, o líder abre o canal de comunicação e responde:
- Entendido. Vamos voltar.
Manobrando o aerocarro no ar, eles tentam voltar quando uma viatura policial passa por eles. De sirene ligada, a metralhadora do veículo abre fogo contra os samurais, assustando-os.
- Tokugawa-san! O senhor está bem? – pergunta o motorista.
Ignorando-o, o líder responde:
- Siga aquela viatura, agora!
Virando-se, o aerocarro persegue a viatura pelo céu. Enfiando-se entre as megatorres, a viatura atravessa perigosamente o distrito. O motorista tem dificuldade em segui-la, pois as explosões provocaram o caos nas vias virtuais e nas passarelas. Então, desligando as sirenes, a viatura se embica e mergulha pela escuridão abaixo. Os samurais veem a viatura descer rapidamente e se surpreendem.
- Senhor... – começa o motorista – a viatura desceu para a superfície. Devemos segui-la?
Olhando para baixo, Tokugawa vê a viatura policial descer e, como um fantasma, sumir na escuridão. Receoso, ele responde:
- Não. Nós já vencemos essa batalha essa noite. Acabou. Vamos voltar para a fortaleza.   

§

Horas depois, o fogo no templo estava controlado. As paredes e o telhado, porém, estavam arruinados em pilhas de brasa e entulho. Reunidos no salão principal, os samurais sabiam que não tinham tempo para se lamentar. O inimigo corporativo se levantou naquela noite, quebrando a paz delicada mantida há alguns anos no Monte Fuji. Apreensivos, todos sabiam o que aquilo significava: guerra.
- Quantos canhões haviam no distrito? – pergunta o líder.
- Quatorze. – responde Yamada.
- E quantas vítimas eles fizeram?
Pesaroso, o capitão responde:
- Vinte e três.
Respirando fundo, Tokugawa diz:
- Vamos honrar suas mortes depois, e certamente nos preparar para o luto. Entretanto, devo informar que mais mortes foram evitadas hoje, graças a um homem que, arriscando sua vida, muito bravamente veio nos alertar esta noite. – então ele olha para Nathan – Peço que saúdem a Nathan-san, o Inimigo de Estado!
Então os samurais se curvam ao rapaz, saudando-o. Lisonjeado, Nathan sorri, acenando com a mão.
- De jurado de morte a convidado de honra. Parabéns, Nathan-san. A Bushido tem uma dívida de gratidão.
O xogum lhe presenteia com uma katana. O rapaz aprecia o exótico presente, contemplando-a com muita alegria. Aproveitando o momento, o rapaz diz:
- Xogum Tokugawa, me sinto honrado e profundamente agradecido. Porém, há algo que pode fazer para retribuir o favor.
O xogum e os samurais se intrigam.
- E o que seria?
- Como todos já devem saber, as corporações retomaram o Projeto Gemini e planejam substituir a população com o Protótipo#8. Devido a esse hediondo plano, deflagrei a rebelião em Sonata, na esperança de que eles fossem impedidos. Mas não posso fazer isso sozinho e a cada dia que passa mais vítimas são feitas nessa sangrenta rebelião que eu mesmo causei. Portanto, do fundo do coração lhes peço que se aliem a nós, o Inimigo de Estado e o Submundo, para que, com a ajuda das outras facções também aliadas, nos ajudem a derrubar o governo corporativo e encerrar esse irracional e violento banho de sangue.
Nathan se cala. Um silêncio incômodo paira no templo em ruínas. Entreolhando-se, os samurais mais velhos parecem se surpreender com a notável eloquência do rapaz.
O líder pondera em silêncio. Então, cheio de honra em sua postura e sua voz, ele levanta sua cabeça e diz:
- Quando for combater o imperialismo corporativo e seus desonrados samurais da polícia, conte com a Bushido para o ajudar.
Sorrindo, Nathan aperta sua mão e os samurais os aplaudem. Em seguida, ambos se encurvam um ao outro, em típico sinal de respeito japonês.
    

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