Nathan caminha
pelo túnel em ruínas. Ele vê um local onde antes funcionavam várias lojas e
comércios, mas naquela noite estavam todas vandalizadas e destruídas.
Espalhados pelo caminho, ele vê os aerocarros tombados e em chamas. Friamente
ele percebe que o distrito Mecanicistas ainda carregava as marcas da rebelião.
Saindo ao ar
livre, ele olha para o topo das megatorres e vê um intenso tiroteio ocorrendo
nos terraços. As viaturas da polícia sobrevoam as alturas emitindo o irritante
som de suas sirenes, a visibilidade é prejudicada pela fumaça negra dos
incêndios próximos, aquela realmente era uma noite bem agitada.
Horas atrás, os
hackers do Submundo recebem um email da facção 4 de Julho.
“Aceitamos em
receber o Inimigo de Estado em nossa sede, porém sob os nossos termos”.
“Ele deve vir ao
distrito Mecanicistas hoje à noite. Estaremos nos terraços das megatorres. Não
se preocupem com o endereço exato, vocês saberão quando virem para cá”.
“PS.: o Inimigo
de Estado deve vir sozinho”.
O rapaz
pondera. Após o ataque da Bushido, ele
imaginou que os americanos já tivessem se recuperado e voltado à sua antiga
sede. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu. Durante aquele ano, eles
foram fortemente atacados pela polícia corporativa, que se mobilizou em seu
território com a intenção de retoma-lo e libera-lo do controle daquela facção.
A rebelião
provocou um vasto confronto, mas ao medirem suas forças e disputarem o poder, a
4 de Julho vivia um momento difícil.
Os runners estão
no porão auxiliando Nathan. Enquanto se veste e prepara seus armamentos, Database
aparece e pergunta:
- Você realmente
vai fazer isso?
Amarrando o
cadarço em suas botas, o rapaz responde:
- Eu dei minha
palavra.
O chefe assente e
então diz:
- Você tem muita
coragem. Ninguém aqui faria o mesmo.
Como
desencorajamento, Nathan sente sua determinação tremer. Olhando para o
corredor, ele vê Laura passando, séria e confiante como sempre. Então o rapaz
pergunta:
- O que a Laura
faria?
Sabendo de seus
profundos sentimentos por ela, Database discretamente sorri.
- A Lótus? –
pergunta o chefe – Se eu mandasse os runners invadirem o inferno, ela seria a
primeira a abrir suas portas com um chute.
O rapaz ri. Seu
coração bate mais forte por ela, mas se enfraquece ao reconhecer que talvez ele
nunca poderá tê-la.
Database observa
o rapaz em silêncio. Após tanto tempo tratando com todo o tipo de pessoas, ele
sabia por que Nathan estava fazendo aquilo. Ele queria impressionar a garota.
Laura, uma garota forte, independente e com um passado difícil, jamais olharia
para um homem fraco como ele, que veio dos níveis superiores e por um acidente do
destino se tornou alguém importante. “Não, Laura não é facilmente
impressionável, mas facilmente impressiona” pensa o chefe. “E quanto a Nathan?
Um homem que arrisca sua vida nas missões mais perigosas simplesmente para
impressiona-la, na esperança de que ela goste dele do mesmo jeito que ele gosta
dela?”. Então Database corrige a si mesmo. “Gosta não, ama”.
O rapaz se
levanta e deixa o Submundo. O chefe fica olhando ele partir. “Pobre Nathan”
pensa ele, “é só mais um jovem tolo e apaixonado”. “Se ao menos você soubesse das
motivações de Lótus, e do porquê ela ter se tornado uma runner...”.
Meneando a
cabeça, Database suspira e volta à sua casa noturna, o Mystique.
§
Parado em uma
passarela, Nathan olha para os terraços. Uma viatura policial mira um holofote para
o edifício, iluminando-o. Alguém na 4 de Julho dispara um míssil, que voa pelo
céu provocando um irritando zunido. A viatura se explode em um hipnótico clarão,
mergulhando-se livremente pelas megatorres em seguida.
A viatura cai na
passarela onde Nathan se encontra. Apesar das chamas, o motorista lá dentro
ainda está vivo e chama por ajuda. Seu companheiro, porém, está morto e queima
no incêndio. O rapaz corre para socorrê-lo. Abrindo a porta do veículo, ele
arrasta o motorista para fora.
Atrás da viseira
negra do capacete, o motorista parece sentir muita dor. O fogo queimou parte de
seu uniforme, exibindo seus braços. Então Nathan tem uma terrível surpresa. Tatuado
dos ombros até os pulsos, ele descobre a verdade. O motorista não era um
policial comum, ele era um mercenário contratado pela Polícia Corporativa.
Nathan sente
desprezo. Mercenários eram homens frios e cruéis, assassinos de aluguel que não
se importavam com ninguém além de si mesmos. Reprimindo a raiva, o rapaz
reconhece que, ao combate-los, as facções faziam um favor à sociedade.
O motorista
agarra seu braço, mas, em um surto de sangramentos e espasmos, ele amolece e
finalmente morre no chão. O rapaz fecha os olhos e lágrimas escorrem de seu
rosto. Diferente dos anarquistas selvagens que só querem destruir a cidade,
Nathan tinha um coração bom.
Entrando na
megatorre, ele caminha pelos corredores e o vê embarricado. Os apartamentos
estão trancados e ele ouve as famílias lá dentro. “Pobres vítimas do fogo
cruzado” pensa ele. “Assim como em uma guerra aberta, elas não têm para onde ir”.
Aparentando mal
funcionamento, uma porta ao seu lado se abre e Nathan saca sua arma.
Ele olha para dentro do apartamento e se assusta. Agachados no chão, um casal e
duas crianças olham de volta para ele, em silêncio levantando suas mãos. O
rapaz sente seu coração se despedaçar. A família se rende em sinal claro de
submissão. “Mais vítimas indefesas” pensa ele. Então eles ouvem uma explosão
acima e o pai rapidamente abraça sua família, bravamente protegendo-a. Nathan
rapidamente se vira e vai embora, ele não queria que eles o vissem chorar.
O elevador se
abre e Nathan aperta o botão. A subida é tensa, pois as explosões tremiam o
fosso e faziam as luzes piscarem. Parando pouco antes do terraço, a porta se
abre e imediatamente homens armados apontam seus fuzis para ele.
- Quem é você? –
pergunta alguém.
- Acalmem-se! Eu
sou Nathan, sou o Inimigo de Estado!
Eles se
entreolham por um momento. Então o homem responde:
- Você deve ser
um suicida por ter vindo aqui.
Lembrando-se do
terrível mar de sangue que sua revelação causou, Nathan reconhece que, para
pará-lo, o auto sacrifício seria um preço justo a se pagar.
- Talvez.
Os americanos o
escoltam pelos corredores até um apartamento adaptado. Ao entra-lo, ele vê
mapas da região e quatro homens criando estratégias com os desenhos. Um deles
se vira e, ao vê-lo, humoradamente diz:
- Ora, ora,
ora... Vejam só quem voltou para nos visitar.
O homem estende
sua mão ao rapaz. Cumprimentando-o, ele responde:
- Olá, General
Washington. É um prazer revê-lo.
O general ri.
- Após nosso
último encontro, tenho certeza que não. Aliás, não achei que realmente fosse
vir.
- Tive meus motivos.
Sentando-se, o
general põe seus pés sobre a mesa e vai direto ao ponto.
- Eu não preciso
dizer que a situação está ruim, todo mundo sabe que a situação está ruim. Não
preciso dizer que temos pouco armamento, todo mundo sabe que temos pouco
armamento. E não preciso falar do meu efetivo, que neste exato momento está lá
em cima combatendo o inimigo.
Eles ouvem uma
forte explosão, reverberando o vidro das janelas e fazendo poeira cair do teto.
Nathan se assusta, mas o general mantém seus olhos fixos nele.
- Sim, estou
vendo que a polícia está te dando trabalho.
Avançando a
conversa, o homem pergunta:
- Então você quer
uma aliança entre o Submundo e a 4 de Julho?
- Sim. – responde
ele, convictamente.
- E após eu pagar
para o mercenário te tirar da prisão, ter meu quartel-general arruinado por sua
causa e estar prestes a ser extinguido pela polícia, o que te faz pensar que eu
aceitaria?
- Não podemos
lutar sozinhos, General. Se quisermos vencer esta guerra, temos que nos unir.
- E você
realmente acredita na união entre as facções?
- Não. – responde
ele, intrigando-os – Mas acredito na aliança entre as facções e o Inimigo de
Estado.
Novamente outra
explosão. O rapaz ouve gritos, mas todos ignoram.
- Do jeito que
você fala, é como se o Database te disponibilizasse um exército.
Nathan responde:
- Nosso
contingente é considerável.
O general se
levante em indignação.
- Contingente de
quê? De um bando de moleques ousados, vestidos de roupas exóticas, que ganham a
vida correndo pelos terraços e pulando de torre em torre por aí? Esses são os soldados
“treinados e disciplinados” que você usa para combater?
Apesar da
pertinente descrição dos runners, Nathan responde:
- Você se
esqueceu de um detalhe, General. Nós temos o povo. Eu sou um símbolo no
imaginário popular, um brado de indignação e um suspiro de esperança. Sou um
herói suburbano valente o bastante para se opor às corporações e libertar a
metrópole da infame ameaça do Projeto Gemini. Este é o Inimigo de Estado. Este
é o Nathan.
Os americanos se
surpreendem. Inflamados pelo discurso do rapaz, eles tentam conter suas emoções
e esperar o general responder. Ainda refletindo, o general George Washington
apela à sensatez.
- Muito bonito o
que disse, Nathan. Inspirador. Entretanto, belas palavras não cumprem
promessas. Eu já estou em guerra lá fora e de nada valerá uma aliança sem o
benefício mútuo. Você quer minha ajuda? Ajude-me primeiro e você terá sua
aliança.
O rapaz não
compreende.
- Do que está
falando?
- Livre meu
distrito desses mercenários disfarçados de polícia. Ajude-me a retomar meu
território e a 4 de Julho marchará com o Submundo, juntas como um só corpo, rumo
à Cúpula Corporativa. – responde ele, empolgadamente.
Nathan sorri.
Tirando um comunicador de seu bolso, ele o veste e então diz:
- Vertigo, traga o
transporte, por favor. E equipe os canhões Vulcan. Sim, você ouviu certo, pode
equipa-los.
Os americanos se
intrigam. Sorrindo, o general se aproxima e diz:
- Pensei que eu
tivesse dito para você vir sozinho.
Tocando-o no
ombro, o rapaz responde:
- Eu sou o
Inimigo de Estado, George. Eu nunca
estou sozinho.
Alguém entra na sala e
informa:
- General, há uma
aeronave não identificada se aproximando à oeste.
Olhando para o
general, Nathan pergunta:
- E então,
General. Gostaria de voar um pouco?
§
Vinte minutos depois,
o distrito Mecanicistas encontra-se tomado e arrasado pelo confronto, como
habitualmente. As viaturas da polícia cercam as megatorres onde os americanos
se encontram, eles estavam sufocados pelo inimigo. Então, aproximando-se
rapidamente, aparece uma poderosa aeronave de guerra no conturbado céu noturno.
O general
Washington chama a Nathan e pergunta:
- Você ainda não
me disse como conseguiu esse brinquedinho.
Ele referia-se à
aeronave. O rapaz responde:
- Eu o roubei. –
e então ele ri.
Abrindo as
portas, Nathan e os americanos miram as robustas metralhadoras giratórias ao
inimigo abaixo.
- Fogo! – exclama
ele.
Então uma chuva
horizontal de fogo e aço cruza as alturas. As viaturas são literalmente picadas pelos poderosos projéteis. O som dos tiros, dos gritos e das explosões atormentavam a noite,
compondo a melodia maldita.
Abaixo, correndo
sobre os terraços das megatorres, eles veem as tropas à pé aproximando-se do
combate com poderosos lança-mísseis. Apoiando-os nos ombros, os runners
localizam as barricadas inimigas e atiram, explodindo tudo pelo caminho.
O festival
frenético de tiros e explosões era constante e ensurdecedor, como em uma festa
de réveillon no inferno.
- Minha nossa! –
surpreende-se Vertigo – Parece que o mundo vai explodir!
A ofensiva dura
trinta minutos. O vermelho dos lasers colore as megatorres próximas, criando
uma paisagem fascinante. Então o inimigo começa a recuar, entrando em suas
viaturas e deixando o distrito. Alguns daqueles mercenários são deixados para
trás. Correndo desesperados pelos terraços, eles lançam suas armas no chão e
tentam fugir. Nathan se surpreende ao vê-los tentando atravessar os edifícios e
caindo no profundo abismo. Definitivamente eles não eram runners.
Finado o
confronto, Vertigo pousa a aeronave em um terraço. Os americanos levam os
mercenários capturados e os põem de joelhos ao General Washington e a Nathan. O
rapaz pergunta:
- E então? Temos nossa
aliança?
Colocando as mãos
em seus ombros, o general sorri e responde:
- E Pluribus
Unum!
Nathan não
compreende.
- O que isso quer
dizer?
- “De muitos,
um”. Esse é o lema dos Estados Unidos da América. – responde ele, bem humorado
– E de agora em diante, a 4 de Julho e o Submundo são um.
O rapaz sorri,
agradecido.
Olhando ao redor
para os extremistas e terroristas fanáticos da 4 de Julho, Vertigo cutuca um
runner próximo e sarcasticamente comenta:
- Mal posso conter a empolgação...
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