O rapaz acorda de
repente. O quarto está escuro e ele enxerga apenas os números vermelhos do
relógio: 02h19min. Ele se pune por dentro, ele adormeceu quando deveria ter
tentado fugir. Recuperando-se, ele enxuga o suor de seu rosto e respira fundo. Estranhamente ele sente um cheiro doce no ar, e um doce bem
gostoso. Então ele estica seu braço até o interruptor e acende a luz.
- Ah!
Gritando de
susto, ele vê a mulher-robô a um palmo de distância. Com seu rosto estático,
ela sinistramente sorri para ele.
- Meu jovem, eu
trouxe o seu bolo, conforme prometido.
- O que você pensa
que está fazendo?!
- Estou esperando
você acordar, meu jovem. Vamos, experimente o bolo, você vai adorar!
Tentando conter o
susto, ele vê a mulher segurar o bolo em uma bandeja. Ela não demonstra reação alguma,
apenas permanece olhando-o com seu sorriso imutável. Nathan vê o recheio,
chantili com frutas sintéticas, sua aparência estava deliciosa. Sentando-se,
ele tenta pegar um pedaço, mas tem dificuldade. O bolo não estava fatiado.
- Oh, perdoe-me,
meu jovem. Deixe-me ajuda-lo.
A mão da mulher
forma uma longa faca, intimidando-o por um momento. Ela fatia o bolo
simetricamente, dividindo-o em pedaços e oferecendo-os ao rapaz. Nathan
experimenta. Ao mastiga-lo, ele rapidamente sente o doce sabor, o bolo
realmente estava delicioso.
- Pode deixa-lo
aqui. Obrigado.
- Deseja mais
alguma coisa, meu jovem? – pergunta gentilmente ela.
- Sim. Você pode
me trazer um copo de leite ou uma xícara de chá?
- Será um prazer!
Mas eu não tenho leite no estoque ou os ingredientes para fazer um chá. Incomoda-se
de esperar eu trazê-los para você?
Não querendo
esperar mais horas para ela voltar, ele responde:
- Um copo d’água
serve.
Minutos depois
ela retorna. A mulher-robô lhe traz um prato com o copo preenchido
perfeitamente até a boca, em seguida deixando-o sobre o criado-mudo. Como se
fosse uma garçonete, em seu braço ela traz um guardanapo. Antes que Nathan
pudesse fazer algo, a mulher o interrompe e então ajusta o guardanapo em seu
colarinho, deixando-o acanhado.
Desacostumado com
qualquer tipo de regalia, ele acha tudo aquilo muito estranho. Ele se assusta
com o fato de que sua mão, ao menor sinal de mal funcionamento, pode se tornar
uma faca e atravessar seu pescoço. A mulher então pergunta:
Deseja mais
alguma coisa, meu jovem?
- Não. Isso é
tudo.
Sorrindo
gentilmente, a mulher se despede e sai pela porta. Mas o
rapaz nota que ela não sai do apartamento, ficando com ele o tempo todo.
Esgueirando-se pelo quarto, ele caminha até a porta e espia a sala. Como uma
assombração, ele a encontra parada ao lado da janela.
- Deseja mais
alguma coisa, meu jovem? – pergunta novamente ela.
- Não.
-
Meu jovem, gostaria de comer um bolo? Eu sei fazer dezenas de bolos diferentes,
tenho incontáveis receitas em meu banco de dados!
Nathan, que
acabara de ingerir alguns pedaços, se confunde por um instante.
- Eu sei, você acabou
de me fazer um.
- Por favor, me
avise se precisar de algo.
- Pensando bem,
eu preciso de algo sim. Me responda uma coisa: o Apex te colocou aqui para me
espionar, não é mesmo?
Sem piscar, a
mulher responde:
- Oh, não meu
jovem! Minha função é cozinhar, e não espionar os humanos! – responde ela,
cordialmente.
- Então por que
só você vem aqui? Onde está Apex? Onde estão os outros robôs?
- O nosso líder Apex
é um homem muito ocupado. E os outros robôs têm outras funções, como limpar,
cozinhar e dirigir, por exemplo. Nem todos podem visita-lo.
Parcialmente
satisfeito, o rapaz diz:
- Vá embora, eu
quero ficar sozinho.
- Fico feliz em
poder ajuda-lo. Até mais tarde.
Sem perder o
sorriso no rosto, a mulher deixa o apartamento e a porta se desliza, fechando-se.
§
Nuvens se formam
no céu, estava prestes a chover. Ele vê alguns robôs voltarem aos seus
apartamentos, caminhando em sincronia pelos corredores e passarelas adjacentes.
Nathan sente inveja deles, pois nenhuma daquelas máquinas sentia estresse,
frustração ou estafa. No dia seguinte, todas voltariam a trabalhar com a mesma
disposição e força sobre-humana novamente.
“Malditos robôs,
tão livres das angústias e preocupações humanas” pensa ele. “Devido a um
maldito software corrompido, hoje eles pensam que são seres sapientes,
desejando estupidamente serem orgânicos. Eles vivem livres da prisão da carne,
livre dos males que afligem o mundo. Se ao menos eles soubessem o privilégio
que têm...”.
Então Nathan
percebe, ele não é diferente dos humanos intolerantes. Ele os odeia também.
Um trovão
reverbera pelo céu. Com o cair da noite, também caem as infindáveis gotas de
chuva. Mais chuva sobre a metrópole, mais lágrimas sobre sua vida. Nathan se distrai. Observando a noite chuvosa lá fora, ele se
pergunta por quanto tempo terá de se esconder das facções e da polícia.
Coincidentemente,
ele não teve de esperar muito para descobrir.
Fora do
apartamento, ele ouve uma explosão. E então várias outras explosões são vistas
nas megatorres ao redor. Luzes vermelhas e azuis invadem o ambiente e o rapaz
se desespera, era outra invasão.
Aerocarros descem
pelo fosso e uma voz no alto-falante diz: “aqui é a Polícia! Fiquem onde estão.
Qualquer tentativa de fuga ou resistência será vista como agressão. Entreguem o
fugitivo e ninguém sairá ferido”.
Mas os robôs
sairão feridos, e muitos. Da janela Nathan pode vê-los correndo e sendo
baleados pelas costas. Eles caem ao chão e têm descargas elétricas, definhando
enquanto desligam.
A luz de um
holofote percorre os edifícios e encontra o olhar assustado do rapaz. Alguém no
alto-falante grita: “parado!”. Assustado, ele se vira e deixa o apartamento.
Sons de soldados
em marcha são ouvidos pelos corredores, eles estão em toda parte! Ao chegar ao
final do corredor, um robô aparece na intersecção e toma um tiro no peito,
explodindo em faíscas com o impacto. Voltando pelo mesmo caminho, ele vê a
porta da escadaria. Ele começa a descer quando vê soldados descerem as escadas
logo acima. Vendo o rapaz, eles miram suas lanternas para o seu rosto e gritam:
- Polícia!
Antes que pudesse
fazer algo, os policiais atiram, estourando o piso sob seus pés. Nathan corre,
descendo as escadas em pulos inacreditáveis de quem quer sobreviver. Ao chegar
ao nível das passarelas, ele abre a porta e ouve gritos horríveis vindo dos
apartamentos, como se as vozes estivessem se distorcendo com as chamas. As
luzes piscam e as portas se abrem descontroladamente, deslizando-se para cima e
para baixo.
Policiais
vasculham o andar, Nathan precisa ser cuidadoso se quiser sobreviver. Há vários
robôs se contorcendo pelo chão, o rapaz tenta evita-los para não ser
eletrocutado. Levantando-se, ele corre para a saída quando tropeça em algo,
fazendo-o cair.
Ao olhar para
baixo ele tem uma terrível surpresa. Com apenas metade de seu corpo e tendo um
mal funcionamento em seu pescoço, ele vê a mulher-robô olhando de volta para
ele. Com seu sorriso gentil e cordialidade inocente, ela pergunta:
- Meu jovem,
gostaria de comer um bolo? Eu sei fazer dezenas de bolos diferentes, tenho
incontáveis receitas em meu banco de dados!
Por
alguma razão o rapaz se comove. Agachando-se, ele a levanta e a abraça,
chorando em seu pescoço em seguida. A mulher não consegue fazer nada além de
repetir a mesma pergunta até finalmente esgotar suas energias, morrendo em seus
braços. O brilho em seus olhos se apaga e o mal funcionamento cessa, até ela
não se mexer mais.
O rapaz ainda
está distraído quando uma explosão é ouvida no final do corredor.
- Lá está ele!
Nathan se levanta
e volta a correr. Os policiais avançam ferozmente, pisoteando a mulher-robô
caída sobre o piso.
Ao chegar à porta
de acesso às passarelas, vários policiais guardam a saída e olham para ele.
Nathan está cercado. Voltando pelo caminho, ele entra em um apartamento e abre
a janela. A vertiginosa altura o hipnotiza. Os policiais também invadem o
apartamento e o rapaz não tem outra opção senão escalar o edifício.
Haviam grossas
tubulações sob as passarelas. Ele tenta descer cuidadosamente pela parede até
alcançar os tubos. Apesar de largos, muitos estão cobertos de limo e são
escorregadios, tornando a caminhada perigosíssima. Nathan pula sobre os tubos e
corre o mais rápido que pode, fugindo daqueles policiais. Então algo acontece.
Um furgão paira
ao seu lado. Mirando o holofote, o veículo dispara um míssil, explodindo parte
da tubulação e estremecendo tudo ao redor. O rapaz se desespera, não havia mais
como fugir.
O furgão abre as
portas e um homem aparece. Mirando seu fuzil para Nathan, o homem diz:
- Te peguei.
Sem ter para onde
ir, o rapaz levanta suas mãos.
- Não atire! Eu
me rendo.
Ainda apontando
seu fuzil, o homem sorri.
- Você me deu um
tremendo trabalho, hein rapaz?
Nathan pergunta:
- Quem é você?
- Detetive
Burton. Vai desejar nunca ter me conhecido.
O detetive atira
próximo de seu pé.
- Ei! Eu disse
que me rendo!
O motorista do
furgão chama o detetive e diz:
-
Burton, você não acha que está exagerando? Destruindo patrimônio público,
incapacitando propriedades particulares e atirando em um suspeito rendido. Você
já o pegou, cara! Já chega!
- Ora, você não
se meta nisso! Estou em um dia muito ruim.
Os ferimentos de
Burton ainda não fecharam e sua nova perna biomecânica doía devido a operação.
O furgão se
aproxima, os policiais se preparam para prendê-lo. Olhando para a tubulação, o
rapaz vê que a explosão abriu um buraco no grosso tubo. Nathan se lembra de
algo, aqueles tubos direcionavam a água pluvial para as estações de tratamento
inferiores na metrópole. Se ele estiver certo, os tubos terminam em enormes
efluentes abertos, dando-lhe uma chance de fugir.
O rapaz tenta
argumentar:
- Eu sou
inocente!
O detetive o
interrompe:
- Eu não quero
saber.
Sem ter outra
opção, ele decide arriscar a sua vida. Pulando no buraco, ele cai na água e
rapidamente é levado pela escuridão. Burton se explode em ira.
Os policiais não
acreditam no que veem. Confusos, eles se entreolham enquanto Burton se
descontrola chutando as laterais do veículo e gritando inúmeros palavrões.
Nathan é levado
pelo fluxo, ele se escorrega pelo tubo escuro de um lado ao outro, lutando para
não se afogar nas mudanças de direção. Sua suspeita estava certa, os tubos
desembocavam em estações de tratamento, mas as piscinas de contenção eram
profundas e conduziam a maiores galerias. Tentando segurar as paredes, ele se
escorrega o tempo todo e seu corpo é levado mais longe pelas águas. Se ele não
quisesse se afogar, ele tinha que se apressar.
Ao entrar por um
túnel, a água o submerge e ele perde a consciência.
§
Nathan acorda.
Tossindo forte e expelindo a água de seus pulmões, ele olha ao redor e vê uma
paisagem cinzenta e escura. Luzes piscam pelos cantos e a água flui pelo
pequeno canal poluído. Ao mexer suas mãos, seus dedos tocam um resíduo viscoso
e ao mesmo tempo arenoso. Eram os detritos.
Ao longo do canal
ele vê as grossas tubulações, ele teve sorte de não se afogar e sair vivo dali.
Acima, as luzes estão rodeadas de mosquitos e os tubos industriais estão sujos e enferrujados, dando a impressão de serem muito velhos.
Há lodo por toda parte, ele olha para os lados e vê telas com arames farpados.
O rapaz olha para
cima e vê apenas a escuridão, era como se estivesse no fundo de um poço tão
profundo que não era mais possível ver o céu. Ele ouve os sons abafados das
máquinas operando ao longe, mas ao redor há apenas as espessas paredes de
concreto e aço. O local era desconhecido e estava completamente deserto, com
pouquíssimas luzes iluminando-o.
Passando pelas
carcaças dos aerocarros, ele olha para cima e vê plataformas metálicas
enferrujadas com o tempo. De repente um facho de laser se aproxima de seus pés
e ele se assusta. Levantando sua cabeça, ele vê uma dúzia de pessoas paradas na
escuridão. Alguém segura um rifle laser e aponta para seu rosto, ofuscando-o. Holofotes
são ligados e então dois deles descem da plataforma, aproximando-se em seguida.
Nathan vê um
homem e uma mulher. O homem veste camiseta regata preta e calça cinza larga, e
ele também vê joelheiras, luvas e botas. Seu corte de cabelo é um moicano curto
e ele porta uma mochila em suas costas, do tipo militar. A mulher se veste com
um blusa amarela e luvas que vão até os cotovelos. Ela veste uma calça branca
com botas até os joelhos e Nathan pode ver que seus cabelos são azuis. O rapaz
se assusta, a mulher está portando uma espada katana.
O rapaz reconhece
aquela vestimenta, aquelas roupas arrojadas e exóticas apenas lhe indicam uma
coisa.
Aquelas pessoas eram
Runners.
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