terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Sonata - Parte 21 - O Chamado do Mercenário



CAPÍTULO II

Sonata. 2280.
Correndo através das movimentadas passarelas, Maynard foge. Atrás dele estão alguns membros da Frente Ateísta, uma outra facção terrorista que contamina Sonata.
Devido à forte presença comercial naquele distrito, as passarelas mais largas estão abarrotadas de barracas de ambulantes. Todos falam alto e chamam seus clientes, na mais antiga maneira de promover seus produtos. O cheiro de comida preparada recentemente lhe abre o apetite, apesar de estar fugindo de alguns fanáticos e homicidas atrás de si.
Os clientes e transeuntes atrapalham seu caminho, forçando-o a empurrá-los e causando grande confusão. Nos televisores Maynard vê o rosto de Nathan, assim como em centenas de cartazes colados nas paredes. Seu discurso, que todos se referem como a “Grande Revelação”, repete-se incessantemente pela metrópole, tornando-se um vídeo tão viral que nenhum mecanismo corporativo foi capaz de censurar.
O vídeo de Nathan causou um distúrbio social generalizado que estremeceu as fundações da distópica sociedade, mergulhando-a em uma espiral decadente de caos e violência. Para os cidadãos que têm suas vidas confortáveis baseadas no entretenimento e consumo, a consequência foi trágica. Para os cidadãos que são explorados diariamente nas desgastantes linhas de produção, a desordem não pôde vir em melhor hora. E para pessoas como Maynard, que lucram do caos e da violência – se importando somente consigo mesmas – a desordem não passa de mais um motivo para tratar a metrópole como um enorme parque de diversões.
Os Ateístas o avistam e então disparam suas armas. Os tiros atingem algumas garrafas de vidro, fazendo-as se estourar. Ao perceber a ação terrorista diante de seus olhos, as pessoas imediatamente se desesperam, começando a correr pela passarela. Algumas se deitam e são pisoteadas, outras correm em direção aos Ateístas e são baleadas, e outras se esbarram em Maynard e são atingidas nas costas. O agente se assusta ao vê-las se atirando do parapeito para a morte certa lá embaixo.
Ativando uma bomba de fumaça, Maynard a lança para trás e continua correndo. Logo toda a passarela desaparece em uma cortina de fumaça tão grande que mesmo os aerocarros, sobrevoando acima e abaixo, são afetados.
Ao criar a distração necessária, ele pula sobre alguns dutos de ventilação e escala a lateral da megatorre. Os gigantescos painéis de neon brilham em centenas de cores, ofuscando-o, mas Maynard prossegue sem hesitar. Estando à beira do precipício, seu pé se escorrega e ele se empalidece de horror. Paralisado, ele observa os fragmentos do edifício caírem lentamente entre a infindável frota de aerocarros lá embaixo.
Prosseguindo em seu caminho, Maynard pendura-se em um cabo de aço e desce à uma plataforma adjacente. As pessoas observam atônitas a passarela acima ser tomada por gritos e uma fumaça branca. Aproveitando que as pessoas estão ocupadas, Maynard põe as mãos nos bolsos e passa discretamente, evitando chamar atenção.
Ao longe ele vê um velho gesticulando e falando sozinho, suas roupas são velhas e rasgadas, a barba em seu rosto é comprida e ele fala impetuosamente, esforçando-se para ser ouvido. O velho também avista Maynard e o encara. “É apenas um velho louco e doente” pensa ele. Sobrecarregados com a eclosão de tantos distúrbios, a opressão policial se abrandou e aumentou o número de vagabundos por aí. Ignorando-o, o agente continua seu caminho quando o velho se põe à sua frente. Ele aponta para algo atrás de Maynard e, incomodado, o agente olha para trás. Então alguém grita atrás de si:
- Cuidado!
Um aerocarro repleto de bombas voa deliberadamente em direção à passarela, explodindo com a colisão. A explosão é tão forte que ilumina a movimentada noite, lançando Maynard vários metros pelo ar.
Em meio a intervalos de consciência, Maynard ouve gritos, choros e prantos. Ele sente que alguém está puxando-o pelas roupas. Pessoas correm ao seu lado, várias vezes ele as ouve dizer “atentado terrorista”.
- Não se preocupe. – diz alguém – Estou levando-o para um lugar seguro.
Recobrando a consciência, Maynard segura o pulso do desconhecido e o puxa para perto de si. Ele se surpreende. É o velho.
Encostando-o na parede do túnel, o velho gesticula freneticamente. Ele parece estar delirando.
- Por que está me ajudando? – pergunta o agente.
O velho olha para trás e vê os transeuntes com manchas enormes de sangue em suas roupas. Apontando para eles, ele responde:
- Isto é o que eu vejo todos os dias, morte e sofrimento em toda parte! Eu tento avisá-los, mas eles sempre me ignoram. Não há como escapar... Por que avisá-los então?
Maynard o puxa pela camisa e diz:
- Mas do que é que você está falando?
- Por que se importa? Ninguém nunca se importa. E quando ninguém se importa você morre por dentro muito antes de realmente morrer.
Sem conseguir entendê-lo, o agente pergunta:
- Quem é você, afinal?
- Sou isso que você está vendo, um velho decrépito à beira da loucura. Meu corpo está se deteriorando, minhas palavras cheias de desgraça me consumiram. E agora esse câncer dentro de mim me destrói. Quando eu estiver morto vocês se lembrarão das palavras que eu tentei dizer? Quando eu estiver apodrecendo no chão, vocês se importarão?
O velho tenta expressar a tremenda agonia dentro de seu peito. Ainda confuso, o agente pergunta:
- O que está tentando dizer?
- Você não entende? Não deixarei nada para trás se minhas palavras caírem em ouvidos surdos. Ouça, você tem que me ajudar, você tem que me ouvir! – o velho tenta se controlar antes de continuar – Eu vi a decadência, eu vi o que está prestes a acontecer. O que ocorre aqui hoje é somente uma fração do que virá em seguida, este é o prelúdio de algo ainda maior!
O agente ri desta grande loucura. O velho se enfurece.
- Como eu odeio o jeito que vocês olham para mim! Me zombando e me ridicularizando como se eu fosse uma aberração! Isso será a sua ruína!
Cheio de altivez e desprezo, Maynard responde:
- Louco...!
O velho parece se consternar.
- Ouça-me, eu te imploro. Você é o único que pode detê-lo, que pode apelá-lo à razão! Não deixe que ele se engane, ideais nobres são sabotagens, liberdade é rebelião! Mais do que nunca, o futuro de nossa metrópole depende de você... – e então o velho conclui – Maynard!
O agente se intriga. Puxando-o novamente, ele pergunta:
- Como você sabe o meu nome?!
Mas o velho se desvencilha e foge, correndo pelo túnel e desaparecendo na multidão.


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