CAPÍTULO II
Sonata. 2280.
Correndo através
das movimentadas passarelas, Maynard foge. Atrás dele estão alguns membros da
Frente Ateísta, uma outra facção terrorista que contamina Sonata.
Devido à forte
presença comercial naquele distrito, as passarelas mais largas estão
abarrotadas de barracas de ambulantes. Todos falam alto e chamam seus clientes,
na mais antiga maneira de promover seus produtos. O cheiro de comida preparada
recentemente lhe abre o apetite, apesar de estar fugindo de alguns fanáticos e
homicidas atrás de si.
Os clientes e
transeuntes atrapalham seu caminho, forçando-o a empurrá-los e causando grande
confusão. Nos televisores Maynard vê o rosto de Nathan, assim como em centenas
de cartazes colados nas paredes. Seu discurso, que todos se referem como a
“Grande Revelação”, repete-se incessantemente pela metrópole, tornando-se um
vídeo tão viral que nenhum mecanismo corporativo foi capaz de censurar.
O vídeo de Nathan
causou um distúrbio social generalizado que estremeceu as fundações da
distópica sociedade, mergulhando-a em uma espiral decadente de caos e
violência. Para os cidadãos que têm suas vidas confortáveis baseadas no
entretenimento e consumo, a consequência foi trágica. Para os cidadãos que são
explorados diariamente nas desgastantes linhas de produção, a desordem não pôde
vir em melhor hora. E para pessoas como Maynard, que lucram do caos e da
violência – se importando somente consigo mesmas – a desordem não passa de mais
um motivo para tratar a metrópole como um enorme parque de diversões.
Os Ateístas o
avistam e então disparam suas armas. Os tiros atingem algumas garrafas de
vidro, fazendo-as se estourar. Ao perceber a ação terrorista diante de seus
olhos, as pessoas imediatamente se desesperam, começando a correr pela
passarela. Algumas se deitam e são pisoteadas, outras correm em direção aos
Ateístas e são baleadas, e outras se esbarram em Maynard e são atingidas nas
costas. O agente se assusta ao vê-las se atirando do parapeito para a morte
certa lá embaixo.
Ativando uma
bomba de fumaça, Maynard a lança para trás e continua correndo. Logo toda a
passarela desaparece em uma cortina de fumaça tão grande que mesmo os
aerocarros, sobrevoando acima e abaixo, são afetados.
Ao criar a
distração necessária, ele pula sobre alguns dutos de ventilação e escala a
lateral da megatorre. Os gigantescos painéis de neon brilham em centenas de
cores, ofuscando-o, mas Maynard prossegue sem hesitar. Estando à beira do
precipício, seu pé se escorrega e ele se empalidece de horror. Paralisado, ele
observa os fragmentos do edifício caírem lentamente entre a infindável frota de
aerocarros lá embaixo.
Prosseguindo em
seu caminho, Maynard pendura-se em um cabo de aço e desce à uma plataforma
adjacente. As pessoas observam atônitas a passarela acima ser tomada por gritos
e uma fumaça branca. Aproveitando que as pessoas estão ocupadas, Maynard põe as
mãos nos bolsos e passa discretamente, evitando chamar atenção.
Ao longe ele vê
um velho gesticulando e falando sozinho, suas roupas são velhas e rasgadas, a
barba em seu rosto é comprida e ele fala impetuosamente, esforçando-se para ser
ouvido. O velho também avista Maynard e o encara. “É apenas um velho louco e doente”
pensa ele. Sobrecarregados com a eclosão de tantos distúrbios, a opressão
policial se abrandou e aumentou o número de vagabundos por aí. Ignorando-o, o
agente continua seu caminho quando o velho se põe à sua frente. Ele aponta para
algo atrás de Maynard e, incomodado, o agente olha para trás. Então alguém grita
atrás de si:
- Cuidado!
Um aerocarro
repleto de bombas voa deliberadamente em direção à passarela, explodindo com a
colisão. A explosão é tão forte que ilumina a movimentada noite, lançando Maynard
vários metros pelo ar.
Em meio a
intervalos de consciência, Maynard ouve gritos, choros e prantos. Ele sente que
alguém está puxando-o pelas roupas. Pessoas correm ao seu lado, várias vezes
ele as ouve dizer “atentado terrorista”.
- Não se
preocupe. – diz alguém – Estou levando-o para um lugar seguro.
Recobrando a
consciência, Maynard segura o pulso do desconhecido e o puxa para perto de si.
Ele se surpreende. É o velho.
Encostando-o na
parede do túnel, o velho gesticula freneticamente. Ele parece estar delirando.
- Por que está me
ajudando? – pergunta o agente.
O velho olha para
trás e vê os transeuntes com manchas enormes de sangue em suas roupas.
Apontando para eles, ele responde:
- Isto é o que eu
vejo todos os dias, morte e sofrimento em toda parte! Eu tento avisá-los, mas
eles sempre me ignoram. Não há como escapar... Por que avisá-los então?
Maynard o puxa
pela camisa e diz:
- Mas do que é
que você está falando?
- Por que se
importa? Ninguém nunca se importa. E quando ninguém se importa você morre por
dentro muito antes de realmente morrer.
Sem conseguir
entendê-lo, o agente pergunta:
- Quem é você,
afinal?
- Sou isso que
você está vendo, um velho decrépito à beira da loucura. Meu corpo está se
deteriorando, minhas palavras cheias de desgraça me consumiram. E agora esse
câncer dentro de mim me destrói. Quando eu estiver morto vocês se lembrarão das
palavras que eu tentei dizer? Quando eu estiver apodrecendo no chão, vocês se
importarão?
O velho tenta
expressar a tremenda agonia dentro de seu peito. Ainda confuso, o agente
pergunta:
- O que está
tentando dizer?
- Você não
entende? Não deixarei nada para trás se minhas palavras caírem em ouvidos
surdos. Ouça, você tem que me ajudar, você tem que me ouvir! – o velho tenta se
controlar antes de continuar – Eu vi a decadência, eu vi o que está prestes a
acontecer. O que ocorre aqui hoje é somente uma fração do que virá em seguida, este
é o prelúdio de algo ainda maior!
O agente ri
desta grande loucura. O velho se enfurece.
- Como eu odeio o
jeito que vocês olham para mim! Me zombando e me ridicularizando como se eu
fosse uma aberração! Isso será a sua ruína!
Cheio de altivez
e desprezo, Maynard responde:
- Louco...!
O velho parece se
consternar.
- Ouça-me, eu te
imploro. Você é o único que pode detê-lo, que pode apelá-lo à razão! Não deixe
que ele se engane, ideais nobres são sabotagens, liberdade é rebelião! Mais do
que nunca, o futuro de nossa metrópole depende de você... – e então o velho
conclui – Maynard!
O agente se
intriga. Puxando-o novamente, ele pergunta:
- Como você sabe
o meu nome?!
Mas o velho se desvencilha e foge, correndo pelo túnel e desaparecendo na multidão.
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