Chove em Sonata.
Com o anoitecer, os relâmpagos iluminam brevemente os edifícios ocultos na
escuridão. Nos trens lotados, os trabalhadores voltam normalmente para suas
casas. Os monitores nos vagões exibem os noticiários, os televisores em cada
apartamento também funcionam normalmente, exibindo sua habitual programação.
Então algo
acontece.
O sinal é
interrompido. Após alguns segundos, os sonatenses veem um rapaz de jaqueta
escura e semblante assustado olhar para a câmera em um vídeo de baixa produção.
Segurando um papel em suas mãos, ele diz:
“Cidadãos de
Sonata, meu nome é Nathan Hill, sou um funcionário da corporação Electro Core.
Alguns de vocês já devem me conhecer do ciberespaço como o Inimigo de Estado,
um título me imputado injustamente pelos mesmos ditadores totalitários que nos
governam. Há dias venho sofrendo ameaças das facções e da Polícia Corporativa
para me capturarem. Hoje eu vou dar o meu relato do que realmente aconteceu e
evitar que mais sangue seja derramado em troca de minha informação”.
“Há três dias fui
vítima de um atentado terrorista onde acabei caindo no Setor L, uma área externa
além da muralha de Contenção. Em meu dia de folga, meu táxi foi sequestrado por
um membro da Resistência Purista. O membro era um homem-bomba que intencionava
explodir o táxi na sede dos Trans-humanistas, que ele acreditava estar
localizado no distrito de Phalanx, no Setor K. Após uma ferrenha luta corporal,
o motorista e eu conseguimos impedir seu plano, mas o aerocarro voou livremente
rumo ao exterior da Contenção, caindo inevitavelmente no Setor L. E foi então
que minha vida mudou”.
“No Setor L
conheci Copérnico, o ex-ministro do Ministério da Informação. Ele me revelou
que Sonata na verdade é o nome de um conglomerado multinacional responsável
pela construção da metrópole. Apesar da intenção nobre, a
metrópole não seria apenas um simples oásis habitável para a preservação da
raça humana como costumavam dizer, mas um macro laboratório a céu aberto
construído para a realização de testes psicológicos e genéticos em seus
próprios cidadãos. As enormes colônias populacionais – vindas de várias partes
do mundo – não estariam à salvo da catástrofe de 2057 aqui, mas confinadas a
uma megaprisão sujeitas a todo tipo de experimentos imorais e sinistros”.
“O grupo Sonata,
para se livrar das leis de monopólio ilegal, subdividiu-se em corporações
menores, como Bio Prótesis, Cellgenesis, Electro Core, Cybersys, Hoverdrive e
outras das quais nós conhecemos, trabalhamos, utilizamos e até dependemos”.
“O ex-ministro
Copérnico, por investigar arquivos corporativos ultrassecretos, foi
inadvertidamente banido de Sonata, sem direito de defesa e sem apelação. Sim, caros
compatriotas, o Banimento é real”.
“As corporações
escondem os fatos históricos do nosso passado, como o que aconteceu em 2057 e
como os Estados Unidos desfaleceram, e hoje eles detêm o poder sobre a causa da
fatídica catástrofe. Este é o Projeto Gemini”.
Em seguida
aparecem imagens dos projetos revelados por Database. Enquanto Nathan fala, os
sonatenses assistem atenciosamente aos seus televisores, como se o tempo
tivesse parado.
“As imagens a
seguir descrevem os protótipos projetados para substituir os seres humanos. No
mundo pré-2057, a humanidade passava por sua pior crise e enfrentava o risco de
extinção. Um vírus letal – trazido de Marte da qual os humanos não tinham
anticorpos – se espalhou pelo mundo, tornando-se uma incurável pandemia. Um dos
cientistas do projeto relatou alguns fatos ocorridos antes da catástrofe. Ocultos
no Círculo Ártico, eles criaram uma inteligência artificial sapiente capaz de
recriar as emoções humanas. Essa poderosa máquina criou uma série de
experimentos genéticos, até seu aperfeiçoamento final chamado Protótipo #8.
Essa máquina criou e repopulou grande parcela da raça humana, substituindo-a
com seu protótipo e nos dando esperança para um futuro possível. Mas, sem
nenhuma previsão, a máquina saiu do controle e destruiu suas próprias criações.
Eu soube que houveram conflitos e guerras, mas não tenho nenhum detalhe sobre
isso”.
“As
corporações recuperaram os dados científicos do finado Projeto Gemini e
atualmente estão recriando o Protótipo #8. Eles têm como objetivo o diabólico plano
de exterminar e substituir a população, realizando a delirante utopia da
sociedade perfeita na Terra, livre das imperfeições e vícios do Homem. Essa
será sua mais sublime forma de governar, tornando-se o símbolo máximo de sua tirania”.
“A seguir
comprovo minhas palavras exibindo um vídeo do que eu vi no Setor L, o infame
exterior da metrópole”.
Então as imagens
gravadas pela câmera do aerocarro são exibidas. Nathan é visto fugindo de criaturas
sobre-humanas semelhantes a ciborgues. Os sonatenses se paralisam. Nos
aerometrôs, as pessoas olham atentamente para os monitores, esquecendo-se de
seus celulares e de suas estações.
“Cidadãos de
Sonata, não confiem nas corporações, não confiem nos noticiários e não confiem
na polícia. Estamos sendo testados. A água que você bebe, a comida que você
come, os medicamentos que você usa, tudo foi contaminado. Os presídios são
laboratórios de experimentos humanos. Quando não são eliminados
sistematicamente, as cobaias são lançadas no exterior para morrer. Eu vi os
monstros no Setor L, o vídeo exibido comprova isso. Se você, operário
corporativo ou sectário das facções, precisa de um motivo para lutar, lute por
isso. A metrópole, assim como a mera existência humana, está à beira da
extinção”.
E então o vídeo
termina. As corporações, as facções e a polícia também viram a gravação. Um
silêncio pesado paira sobre a metrópole. Como uma calmaria fúnebre que precede
a desgraça, longos minutos se passam até uma esperada reação. De repente
explosões são ouvidas, tiros são disparados e gritos ecoam das massas.
Estava iniciada a
rebelião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário