Enquanto aguarda
por Database, o rapaz observa o ambiente ao redor. Nas paredes haviam vários
monitores, exibindo as notícias da metrópole. Aquela sala, apesar de pouco
organizada, não era diferente dos postos de trabalho dos hackers das facções.
Os runners não eram tão diferentes dos terroristas, pois ambos utilizavam as
redes virtuais para seus próprios interesses.
Ao analisar bem,
Nathan percebe que Vertigo era um hacker muito objetivo e inteligente. Os dois conversavam
sobre vários assuntos e, para a surpresa de Nathan, o hacker parecia saber um
pouco de tudo. Então o rapaz se lembra de algo, ele queria saber mais sobre a garota na noite do ataque à 4 de Julho. “Talvez o hacker a
conheça” pensa ele. Ao abrir sua boca, ele é logo interrompido. Eles ouvem um
som e o hacker rapidamente veste uma máscara.
Database caminha
pelo corredor. Acompanhado de dois seguranças enormes, ele olha para Nathan,
retira um frasco de seu bolso e pergunta:
- Está vendo
isso? É o seu antídoto. Antes de entrega-lo a você, preciso fazer um exame de sangue
e determinar o quanto o vírus já se espalhou em seu organismo. Se importa?
Um runner lhe
exibe uma seringa.
- Não, é claro
que não.
A amostra de
sangue é coletada e Database a analisa em seus aparelhos médicos. Nathan o
aguarda em silêncio até ele responder:
- Você disse ter
um prazo de 72 horas, não é? Pois ele já expirou duas horas atrás.
Nathan se
assusta. Os runners olham apreensivos para ele.
- Por favor,
preciso do antídoto.
O chefe estende
sua mão, mas antes de entregar o frasco, ele o joga no chão e pisa sobre ele,
esmagando-o. O rapaz se desespera, lançando-se ao chão e tentando recuperar o
líquido.
- Acalme-se. Não
havia antídoto nenhum aí. De fato, não havia nem mesmo um vírus.
Nathan não
compreende.
- O que está
dizendo?
- Você foi enganado,
não apenas uma vez, mas duas. Não há nenhum vírus em seu organismo.
Ainda confuso, o
rapaz diz:
- Mas Copérnico
me infectou. Eu inclusive senti os sintomas.
- Uma reação
esperada e psicológica. De fato, você foi infectado, mas o vírus foi expelido
de seu organismo sem lhe fazer mal algum. O seu corpo é imune.
O rapaz se
intriga.
- Imune?
Database lhe faz
um olhar de quem esconde muitas coisas. Ao invés de responde-lo, ele continua:
- E o Copérnico,
o homem que se diz ser o líder da Subtopia, não é nenhum nativo das ruínas. Na verdade
ele é o ex-ministro do Ministério da Informação, banido da metrópole por expor
arquivos confidenciais.
Surpreso, o rapaz
se enfurece.
- Aquele homem me
enganou!
- É isso o que
esses ministros fazem, Nathan. Esconder a verdade para enganar você.
Levantando-se,
Nathan se senta no sofá e leva suas mãos à cabeça.
- Mas por quê?
Por que ele fez isso?
- Ele queria usar
você, fazê-lo vir até mim com a vontade e determinação de quem quer sobreviver.
- Para quê?
- Uma mensagem. Copérnico
sabe de minha aversão às corporações e do poder que tenho na superfície. Com sua
informação ele espera que eu a use para começar uma rebelião.
Novamente Nathan
percebe que tanto a superfície quanto as facções têm os mesmos planos megalomaníacos.
- Mas e se você
se recusar a rebelar-se?
Database ri.
- Imagine que
você espera o ano inteiro para receber seu presente de aniversário. Na véspera
do dia você escolheria esperar outro ano mais uma vez? Aliás, Copérnico tem um
exército lá fora e um vírus muito mais potente que o de 2057. Com a rebelião
ele espera enfraquecer a ordem e se infiltrar na metrópole, espalhando seu
vírus e tomando o poder. Isso resultaria na morte de milhões.
O rapaz não consegue
acreditar. Aquela loucura envolvia proporções gigantescas.
- E você pretende
começar uma rebelião mesmo assim? Cumprindo o plano de um louco genocida?
- As pessoas
também não estão à salvo das corporações, estas também são uma ameaça. E quanto
ao Copérnico, nós lidaremos com ele depois.
Nathan não sabe o
que fazer. Enquanto pensa, ele vê Vertigo olhar para ele segurando algo em sua
mão. Database respira fundo e diz:
- Pode parar com
esse teatro, Vertigo. Eu sei que é você se escondendo sob a máscara. Após
tantas vezes desarmando meus sistemas de segurança, esperava mais de você.
Com as armas apontadas
para o hacker, ele retira sua máscara e levanta suas mãos.
- Você está
cometendo um grande erro, Database. Provocar uma rebelião em Sonata vai nos
destruir!
Sorrindo, o chefe
responde:
- Olhe para você,
Vertigo. Um hacker pirado e obcecado por conspirações. Tanta inteligência na
cabeça de um desequilibrado. É como dizem por aí: todo gênio tem suas
excentricidades.
Insistente, o hacker
responde:
- Database, a
superfície depende da existência das corporações! Colocando-as em guerra,
milhões de inocentes irão morrer!
- Pobre Vertigo...
se ao menos você soubesse o que realmente causou a morte de milhões...
O chefe não dá atenção
aos alertas do hacker, mas ele novamente insiste:
- É você quem
está obcecado, Database! Você realmente acha que a informação de Nathan é o
suficiente para causar uma rebelião? Você precisa de provas!
Com sorriso enigmático,
o chefe olha para seus seguranças e diz:
- Podem chama-la.
Caminhando com
passos determinados, alguém vestindo um capuz se aproxima. Entrando na sala,
todos olham para essa misteriosa pessoa. Tirando seu capuz, Vertigo e principalmente
Nathan, se espantam.
- Laura!
A runner observa
a todos em silêncio. Tirando um objeto de sua mochila, ela o joga
indelicadamente sobre a mesa. Vertigo o reconhece, é o servidor do qual eles
roubaram do Ministério da Informação.
Database conecta
cabos no pequeno aparelho. O chefe pacientemente faz alguns testes até
encontrar o que está procurando. Realmente o arquivo continha inscrições
desconhecidas, comprovando suas origens governamentais. Ao abri-lo, arquivos
aparecem contendo complexos projetos genéticos. O título do arquivo diz:
“Projeto Gemini”.
O rapaz já viu
aquele nome antes, o ambicioso projeto genético exibido por Copérnico. O
projeto descreve a criação de duplicatas humanas chamadas de Protótipo #8, algo
que Nathan não conseguia entender ao certo o que era. Mas Database sabia
exatamente do que se tratava. Abrindo outro arquivo, ele chama o rapaz e diz:
- Leia esse
arquivo.
Nathan lê um
texto falando sobre a catástrofe de 2057 e a criação de uma poderosa
inteligência artificial. Vertigo nunca leu aquele documento antes, mas incapaz
de comprovar suas palavras, apenas suspeitava de uma conspiração. Mas Nathan
compreende perfeitamente. Após a revelação de Copérnico, aqueles arquivos eram
a prova de que ele falava a verdade. O ex-ministro não estava mentindo, afinal.
Em poder da tecnologia mutagênica, as corporações estavam manipulando
geneticamente a população sonatense, descartando os testes insatisfatórios no
exterior para morrer. E ele viu as aberrações no outro lado da Contenção. “Agora
tudo fazia sentido!” pensa ele.
Nathan está
estarrecido, ele não sabe o que dizer. Então Database se aproxima e diz:
- Entende agora
por que precisamos divulgar sua informação?
Confuso, o rapaz
pergunta:
- Esse
protótipo... o que as corporações irão fazer caso eles sejam concluídos?
- Os protótipos
serão “nós” após as corporações ordenarem nosso extermínio. Seremos substituídos
sistematicamente nesse plano utópico. Será uma sociedade nova, sem criminosos,
sem terroristas, sem facções – e então ele conclui olhando para Vertigo – e sem
a superfície.
O hacker
responde:
- Isto são apenas
especulações. Ninguém nunca viu um experimento corporativo antes.
Database então exibe
outro arquivo. Um vídeo aparece e o rapaz imediatamente o reconhece. É a
filmagem do fatídico dia de sua incursão no Setor L.
A imagem exibe a
superfície no exterior e todos se assustam ao ver como é sinistra paisagem além
da muralha de Contenção. Nathan é visto fugindo desesperadamente de algo até
cair eletrocutado no chão. Então aparece o segredo que todos queriam ver. O
vídeo exibe dezenas de silhuetas monstruosas caminhando na escuridão. Ao se
aproximarem da câmera, os runners, os seguranças e inclusive Database se
espantam ao verem uma forma alterada e grotesca de ciborgues. Os ciborgues das
ruínas eram imensos, defeituosos e alguns eram quadrúpedes. Embora tivessem
faces humanas, os monstros tinham componentes cibernéticos e cabos implantados
em seus corpos, tornando difícil defini-los.
Após alguns
segundos de silêncio perturbador, Vertigo pesarosamente percebe que o problema
era muito maior do que imaginava. Pela primeira vez ele reconhecia a ameaça e,
assim como Nathan, via que todas as evidências faziam sentido.
- Meus Deus –
sussurra ele – eu não sabia...
- Não se trata de
uma simples teoria da conspiração, Vertigo. Você viu o vídeo, você viu o que as
corporações são capazes de fazer. Milhões de inocentes vão morrer? Com certeza,
caso o infame Projeto Gemini se concretize. – responde Database.
Vertigo entende o
problema que aquilo implicava. A informação de Nathan significava muito para
ele, pois finalmente suas teorias se comprovavam verdadeiras. Por outro lado, a
informação ia muito além de seu egoísmo. O que decidissem ali afetaria a vida
de milhões de inocentes, podendo haver consequências catastróficas.
Com olhar sério, o
hacker olha para o rapaz e diz:
O chefe sorri por
dentro. Até mesmo Vertigo, o hacker mais habilidoso e inteligente da superfície,
não resistiu e foi convencido também. Agora Nathan estava sob seu controle.
Database pergunta:
- Nathan, você
tem duas opções: salvar a metrópole... – então ele faz uma pausa, olhando
seriamente para o rapaz – ou destruí-la. O que você escolhe?
O rapaz sente
medo, agora sua decisão ia muito mais longe do que qualquer princípio. Ele
entende o que Database quer dizer, deixar a metrópole nas mãos das corporações
resultaria em sua destruição, um banho de sangue jamais antes visto. O rapaz
olha para Laura. Ela, porém, lhe dá as costas e vai embora, deixando-o sozinho
e estilhaçando seu coração.
Respirando fundo,
ele enxuga o suor de sua testa, se enche de coragem e finalmente responde:
- Eu escolho
salvá-la.
Todos se aliviam
ao ouvi-lo. Com um sorriso misterioso, o chefe se aproxima de Nathan e sussurra
em seus ouvidos:
- Fatalismo...
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