sábado, 30 de março de 2019

Sonata - Parte 36 - O Reencontro com o Hacker


(Arte de Hayley Macmillan)

Longe do Mystique ou do Submundo, Laura anda pelas ruas da superfície. Atravessando as movimentadas ruas, ela muda de direção e entra em um beco. Pelo chão, os mendigos dormem em caixas de papelão e outros conversam em volta de fogueiras. Vendo a garota passar ali, alguns lhe estendem a mão, pedindo-lhe esmola.
Ao lado de várias garrafas vazias, um homem dorme contra a parede. Laura se abaixa e, tocando seu ombro, o acorda. Seu rosto velho e enrugado demonstra embriaguez, sua barba tem forte cheiro de álcool e mosquitos pousam em seus cabelos longos e loiros.
O homem abre os olhos e, ao ver a garota, sussurra:
- Laura...?
Com lágrimas nos olhos, a garota responde:
- Oi, pai.
Sentando-se, o homem controla sua tontura e diz:
- Senti saudades.
Sorrindo, ela responde:
- Eu também.
O homem pergunta:
- Faz quanto tempo que você não vem me ver?
A garota pensa. Dias, semanas ou meses, ela não sabe dizer.
- Muito tempo.
- Bem... – comenta ele, ajeitando-se – O importante é que você veio. Estou feliz em te ver, filha.
Seu pai lhe abre os braços. Laura se aproxima e o abraça. Ao sentir o cheiro de suor, urina e álcool, ela sente náusea.
- Pai – diz ele, afastando-se –, eu trouxe comida para você. Também trouxe água e roupas... E remédios se precisar.
Laura lhe entrega uma volumosa mochila. O homem a abre e, com lágrimas nos olhos, a abraça novamente.
- Obrigado, filha.
Emocionada, Laura ignora o cheiro e o abraça também.
- Pai, eu disse que não ia mais te dar, mas pegue isso.
Entregando-lhe um envelope, o homem o abre e vê várias notas de dinheiro. Fazendo um semblante sério, ele diz:
- Laura, você sabe o que eu vou fazer com isso, não sabe? – ele se refere ao seu vício em álcool e drogas.
- Eu sei.
- Você tem certeza?
Sem abrir a boca, a garota apenas assente com a cabeça. Guardando o envelope, ele respira fundo e pergunta:
- Você ainda está trabalhando para o Database?
- Não. – responde ela – Estou trabalhando com ele, na verdade.
Preocupado, seu pai a alerta dizendo:
- Laura, eu já te falei que o Database é perigoso e que não deve ser confiado.
Irritada, ela o afronta dizendo:
- Vamos falar sobre isso de novo, pai?
Desistindo, o homem lhe faz um olhar complacente e sorri.
- Você é sempre tão forte e independente. Sua mãe teria muito orgulho de você.
Fazendo um semblante triste, Laura pergunta:
- Como ela era, pai?
- Sua mãe era uma mulher incrível, filha, de personalidade forte e um coração de leão. Ela simplesmente era a mulher mais linda e amável que eu já vi.
- Pai... – diz ela, com dificuldade na voz – Por que ela foi embora?
Parecendo esconder algo, ele vira o rosto e responde:
- Eu não sei.
Então uma dor imensa cresce em seu peito. Tentando conter o choro, ela se levanta e lhe diz:  
- Eu tenho que ir.
Caminhando de volta pelo beco, seu pai a interrompe, dizendo:
- Laura, espere! Não guarde isso no seu coração! Você tem que superar o passado! Você tem que superar...!
Olhando para trás, ela o ironiza:
- Como você o superou?
Fechando os olhos, ela tenta lidar com a culpa em sua mente.
- Eu apenas não quero que você fique como a mim também. – a garota não lhe dá atenção – Laura, espere! Laura...!
Ignorando-o, ela o deixa para trás e continua seu caminho.

§

Horas se passam. Sentada no terraço de um prédio, a garota chora em silêncio. Laura pensa em sua vida e em seu passado. Lembrando-se de seu pai, ela muito o despreza, mas ainda assim o ama e cuida dele. Com lágrimas escorrendo em seu rosto, ela se lamenta por sua família, sentindo pena de seu pai e de si mesma.   
Distraída em suas próprias lamentações, seu comunicador toca. É Database.
“Lótus, você está aí?”
Enxugando seu rosto, ela responde:
- Database, não é uma boa hora.
“Tenho informações sobre o paradeiro de Vertigo”.
Imediatamente a garota se interessa.
- Onde ele está?
“Você disse que não é uma boa hora. Eu te ligo mais tarde, se preferir”.
- Não, eu estou bem. – responde ela, recompondo-se – Me fale sobre o Vertigo.
“Eu recebi uma mensagem sobre o seu paradeiro, mas desta vez não veio dos meus informantes. De maneira bizarra, parece ter vindo do próprio Vertigo”.
A garota se intriga.
- Como assim? Ele te contatou pessoalmente.
“Aparentemente sim”.
- Estranho...
“Você realmente está bem? Consegue realizar o serviço?”
- É claro, chefe. Não haveria impedimentos se fosse o Vertigo procurando por mim.
“Está bem. Estarei lhe enviando as coordenadas, então. Boa sorte”.
Uma mensagem chega ao seu celular. Abrindo-a, ela lê: “Distrito Aletheia, Setor O”. Pensando um pouco, ela se levanta e então deixa o terraço.
Minutos depois, a garota pega sua linda aeromoto amarela e segue para o seu destino. 
    
§

Anoitecia em Sonata. Voando em sua aeromoto, Laura passa por telões luminosos nas fachadas das megatorres. Nos telões exibem as notícias do cotidiano, mas uma a surpreende, chamando-lhe a atenção.
No distrito da Cúpula Corporativa ocorreu uma manifestação geral de ativistas e trabalhadores. As imagens mostram um confronto violento entre os cidadãos e a Polícia Corporativa. Censurando o conteúdo sensível, as imagens revelavam um banho de sangue, um verdadeiro massacre cometido pela tropa de choque e a polícia. Drones e Securitrons são filmados atirando bombas e munição letal nas pessoas. Mas, apesar do poderio bélico das forças de segurança, muitos policiais foram mortos no conflito. Ao encerrar as imagens, a repórter informa: “o número de mortos ultrapassa os mil. Nem em um confronto com as facções o número foi tão alto assim”.
Em entrevista a Galileu, o ministro de Segurança Pública de Sonata, ele diz:
“Hoje foi um dia trágico para Sonata. Mas eu declaro que o responsável por essa manifestação criminosa e esse lamentável derramamento de sangue será severamente julgado e punido por seus crimes. Em conjunto com o Ministério da Informação, estamos trabalhando incansavelmente, dia e noite, para encontrar esse homem e traze-lo à justiça. E seu nome é Nathan Hill, o Inimigo de Estado”.
Laura se impressiona, ela nunca viu tanta gente morrer assim. Em seguida o noticiário exibe a imagem de Nathan, presente na manifestação e sendo levado nos ombros pelas pessoas. Esta imagem lhe causa infâmia, pois foi manipulada para fazer a população pensar que o rapaz faz de si mesmo um “salvador da metrópole”, um homem arrogante e irresponsável que usa a vida das pessoas para promover sua rebelião.  
Sabendo de toda a verdade, a garota sabe que Nathan não é nenhum arrogante, inconsequente e irresponsável. Muito pelo contrário, o rapaz está disposto a se sacrificar para salvar a vida dos outros. “Pensando por esse lado” pondera ela, “não seria Nathan, de fato, um salvador?”.
Em seguida, uma jornalista pergunta ao ministro Galileu quando que o Inimigo de Estado seria finalmente capturado, uma vez que o ministro já havia feito aquela promessa várias vezes antes. Ele é obscuro ao responder, inconclusivo, deixando os espectadores muito insatisfeitos com sua atuação. Mas Laura acha muito pertinente a questão, pois Nathan estava livre já fazia um ano e as corporações não chegaram nem perto do Submundo.  
Avançando pelas vias, a garota deixa os telões para trás. Então algo aparece no painel de sua aeromoto. O localizador captou um sinal próximo, o mesmo que Database informou horas atrás. Laura se confunde. “Seria Vertigo emitindo o sinal?”.
Minutos depois a garota caminha pelas passarelas daquele distrito. Aletheia era um belo lugar, pois haviam várias megatorres comerciais luminosas pelo ambiente. Com seu localizador em mãos, ela segue o sinal e se depara com uma megatorre em construção. Olhando para cima, ela vê o enorme monólito de concreto e aço se elevar pelo céu. Pulando sobre os tubos e plataformas de serviço, ela adentra a megatorre.
Subindo por uma escada de manutenção, ela chega a uma escotilha. Laura a abre e então vê uma área aberta, apenas com os pilares e vigas no andar. Ligando uma lanterna, ela caminha entre os equipamentos e materiais de construção. Chegando à beirada do edifício, o sinalizador apita mais forte, mas ela não vê ninguém. Olhando o aparelho novamente, ela constata outra coisa, o sinal vinha de cima.
Agarrando a beirada, ela sobe um andar. Ao iluminar o local, ela vê um ponto luminoso mais adiante. Aproximando-se cautelosamente, ela vê um homem agachado mexendo em seu notebook. A garota pergunta:
- Vertigo...?
O homem olha para ela. Com voz familiar, ele responde:
- Oi, Laura.
Sorrindo, ela corre em sua direção e o abraça.
- Vertigo, o que aconteceu com você? Você está bem? Os mecanicistas te fizeram alguma coisa?
Ainda mexendo em seu notebook, o hacker responde:
- Não se preocupe. Eles não fizeram nada comigo. Eu estou bem.
- Mas você esteve desaparecido por todos esses dias. Por onde você andou?
- Eu estive na sede dos Trans-humanistas. Eles não me fizeram mal, na verdade, desde o dia da invasão em que eu fui ferido, eles cuidaram de mim.
Laura não consegue acreditar.
- Como assim eles cuidaram de você? Está dizendo que depois de os sequestrarem, quase iniciando uma guerra com o Submundo, eles te pegaram e simplesmente cuidaram de você?
Indiferente, ele responde:
- Sim.
A garota se intriga, seu amigo estava apático. Estranhando seu comportamento, ela então pergunta:
- Vertigo, por acaso eles fizeram implantes forçados em você?   
Sem se importar com a pergunta direta de Laura, o hacker calmamente responde:
- Não.
- Tem certeza?
- Não havia razão para eles implantarem algo em mim. Os mecanicistas queriam o Nathan. O Submundo não se importaria em me matar para encontrar implantes em meu corpo, caso suspeitassem que eu fosse um espião. Mas, para todos, Nathan é necessário vivo. Ele é intocável por isso.
Com muito esforço Laura se convence. Mas, ainda desconfiada, ela diz:
- Se você diz.
- A propósito – começa ele – os Trans-humanistas aceitaram uma aliança com o Submundo. Quanto ao pequeno incidente ocorrido em sua sede, eles pedem desculpas.
A garota não se importa com o que acontece com Nathan e seu séquito, seu principal objetivo sempre foi salvar seu amigo. Mas, se importando ou não, Laura sabe que essa aliança vai fortalecer a causa do Submundo.
- Database vai ficar feliz ao ouvir isso.
- Laura, o Projeto Gemini já começou?
Com a estranha pergunta, a garota se intriga.
- Não que eu saiba.
- Ótimo. Eu estou tão cansado... Pode me levar de volta, por favor?
O hacker pões as mãos no rosto, demonstrando cansaço. Ajudando-o a se levantar, Laura cordialmente diz:
- É claro, Vertigo. Vamos para casa.
  
   

quarta-feira, 27 de março de 2019

Sonata - Parte 35 - O Salvador de Sonata



- Não se mexa, Nathan. – sussurra Maynard.
- Você está louco? – protesta ele – Ele vai atirar!
- Não. Os Securitrons reagem à movimentação hostil. Mantenha-o mirando em você enquanto eu pego algo em meu bolso.
Enfiando a mão debaixo de sua jaqueta, o agente tenta pegar suas bombas EMP. Mas o robô aponta sua metralhadora para ele e imediatamente começa a atirar. Maynard pula para o lado, tentando se proteger atrás das barricadas.
O robô avança contra Nathan. Recuando, o rapaz tateia pelas paredes, tropeça no piso e cai, se arrastando pelo chão em seguida. Os passos do Securitron tremem o chão, o rapaz se apavora. Então algo acontece.
Um coquetel molotov é arremessado e se estoura na fronte do terrível robô, levantando uma onda de chamas. Gritos são ouvidos, frases de ordem de um coral em desarmonia. Olhando para trás, Nathan vê uma multidão de manifestantes avançando com grande ímpeto pela passarela.
O rapaz se surpreende. Na manifestação há muitos cartazes e faixas com vários escritos, como “abaixo as corporações”, “o povo contra o Projeto Gemini” e “combatam a ameaça do Protótipo #8”. E, novamente, ele vê alguns cartazes com o seu rosto. A foto é de um ano atrás, do tempo em que ele divulgou a conspiração corporativa no vídeo em que a população chama de “a grande revelação”.
Maynard aparece e o puxa pelo braço. Nathan então comenta:
- Pensei que as lentes de contato fossem ocultar minha identidade.
Ativando as bombas em suas mãos, o agente apenas responde:
- Eu também.
Então Maynard lança as bombas contra o robô. O choque azulado se estoura aos seus pés e o Securitron cambaleia. Os manifestantes, encapuzados e vestidos de máscaras de gás, pulam sobre ele e o espancam com barras de aço e pedras, amassando seus componentes e ligas metálicas. Nathan novamente se surpreende, os manifestantes empenham uma luta violenta e enfurecida contra todo o governo de Sonata.
Um homem, vestindo camuflados urbanos e um lenço xadrez no pescoço, aparece e então pergunta:
- Cidadão, você está bem? Você foi ferido?
Um pouco confuso, Nathan olha para ele e responde:
- Eu estou bem, obrigado.
Arregalando os olhos, o homem se surpreende ao dizer.
- Espere um pouco, eu te conheço. Você é Nathan Hill, o Inimigo de Estado!
Ao ouvi-lo, as pessoas ao redor se aglomeram para ver. Em espanto, elas exclamam:
- É verdade! Ele é o Nathan!
- É o Inimigo de Estado!
- Nathan é o nosso libertador!
- Você veio liderar a rebelião?
- É muito maior do que isso! É uma revolução o que vivemos aqui! Vamos marchar rumo à Cúpula Corporativa!
- Como é o exterior da metrópole? As corporações querem nos exterminar?
- Onde está o Protótipo #8?
Cercando-o, as pessoas o assediam com dezenas de perguntas. Alguém o agarra pelas pernas e o suspende, carregando-o na altura dos ombros. Então as pessoas bradam:
- Viva o nosso salvador!
Como se de fato Nathan tivesse o poder de salvar alguém, os manifestantes o levam pelas passarelas. Apanhado por aquela multidão de admiradores, ele nada pode fazer senão observar atônito aquela exibição de fanatismo e loucura. Maynard não consegue alcança-lo, pois ele também é espremido e sufocado por eles.
Nathan não acredita. Ele é reverenciado como um salvador, um herói suburbano de uma sociedade distópica. Aquelas pessoas, há tanto tempo alienadas pelo materialismo e niilismo, agora preenchem seu vazio de espírito reverenciando como um salvador. O rapaz não consegue acreditar, aquelas pessoas combatem a utopia corporativa impedindo que outra seja instaurada – uma mais controlável e refinada – a do terrível Projeto Gemini. E eles têm a Nathan como seu principal mentor.
Enquanto a multidão reverencia a Nathan em seus ombros, algo surge na escuridão do túnel. À distância, eles veem pontos luminosos vermelhos surgirem em meio à fumaça. Todos se confundem. Se aproximando, os pontos tomam forma e gradualmente revelam seus imensos corpos cromados e robóticos, Securitrons. Girando suas miniguns, as máquinas alertam:
- Rendam-se ou usaremos força letal.
Mas os manifestantes, aqueles soldados suburbanos munidos de barras e pedras, avançam contra eles lançando coquetéis molotov e bombas caseiras. “Grande erro” pensa Maynard. Os robôs imediatamente atiram, crivando-os de balas. Tombando sem vida no chão, o sangue ensopa suas roupas e começa a se empoçar.  Os manifestantes olham para os corpos e, desesperados, gritam:
- Eles estão usando balas de verdade!
Na correria, Nathan se desequilibra e cai no chão. Um Securitron o encontra caído ali. Girando sua metralhadora, o robô o alerta dizendo:
- Nathan Hill, você está preso por agitação social, violência armada e exposição de material ultrassecreto corporativo. Renda-se agora ou usaremos força letal.
Pensando que seus admiradores iriam abandona-lo, ele se surpreende outra vez. Os manifestantes se posicionam à sua frente e, de braços dados, gritam:
- Protejam o Inimigo de Estado!
A máquina atira. Como figuras de papel, seus protetores são estraçalhados pelos impiedosos projéteis. Com as mãos na cabeça, Nathan se protege, mas ainda consegue ver aquelas pessoas caindo uma a uma. O rapaz se espanta.
Puxando-o pelas roupas, Maynard o levanta e então diz:
- Temos que ir.
Antes que pudesse correr, alguém segura seu pé. Olhando para baixo, ele vê o mesmo homem que o reconheceu, agora todo ensanguentado e incapacitado de se levantar, dizer:
- Salve o povo, Nathan. Salve a metrópole... – e então, cuspindo sangue, ele conclui – Salve Sonata!
Em espasmos, o homem solta seu pé e então morre no chão. Nathan pode ver o brilho da vida se desvanecer em seus olhos. Imediatamente lágrimas se formam em seus próprios, fazendo-o se descontrolar.
Percebendo que o rapaz ia perder o controle, Maynard o puxa novamente e o conduz pela multidão alvoroçada. Mais tiros são ouvidos pelas passarelas. Sem olhar para trás, o mercenário apenas grita:
- Corra, Nathan! Corra!
Os dois atravessam a multidão de manifestantes. Vários coquetéis molotov são acesos e lançados pelo caminho, Nathan tem que se esquivar para não ser atingido e queimado pelas chamas. Em pânico, o rapaz contemplava o caos.
Aquela era uma manifestação geral, pois mais e mais pessoas se aglomeravam nas passarelas e túneis ao redor da Cúpula Corporativa. Aqueles homens encapuzados e enfurecidos atiravam bombas e pedras contra os Securitrons, travando uma luta improvável e admirável.
Entrando em um túnel, Nathan vê os lojistas e comerciantes fecharem suas portas. Como se fosse uma torcida organizada, os transeuntes se intimidam ao ouvirem seu poderoso brado e frases de ordem. Eles carregavam mais cartazes e o rapaz novamente via sua imagem. Erguendo a gola de sua jaqueta, ele tenta se esconder quando tem outra surpresa. A roupa estava respingada de sangue.
Maynard ouve o som de aeronaves de combate sobrevoando as megatorres. Ele sabe o que aquilo significava, a polícia estava desembarcando tropas pelo distrito. A saída do túnel estava próxima. Ainda pensando no que faria a seguir, um estrondo reverbera pela extensão do túnel e todos se assustam. Surgindo através da nuvem de poeira, um Securitron atravessa um buraco na parede e aponta suas armas para Nathan.
Antes que o robô pudesse falar algo, o mercenário saca sua arma e atira. O Securitron atira de volta, disparando sua rajada de fogo. Agarrando o rapaz, Maynard o vira e o protege com seu corpo. Uma barreira de Kinect os protege, salvando-os da morte.
Enfiando a mão no bolso, Maynard olha para o dispositivo e confirma se em seu escudo ainda havia carga. Nathan ainda está confuso e pergunta para si mesmo: “eu ainda estou vivo?”.
Centenas de pessoas avançam contra o robô, atrapalhando-o. Puxando o rapaz, o mercenário corre, mas é obstruído pela furiosa multidão também. Nathan é empurrado e se solta, se perdendo entre os manifestantes. Assim os dois se separam.
Com muito esforço, Nathan chega à uma extensa passarela ao ar livre. Uma mulher vestida com uma máscara de gás se aproxima. Irritada ao vê-lo caminhar insistentemente no sentido contrário, ela olha para ele e diz:
- Ei, cara! A manifestação é para lá! – então ela se espanta, afirmando – Espere um pouco, eu conheço você. Você é o Inimigo de Estado!
Nisso, toda a multidão se enche de curiosidade, querendo vê-lo também. As pessoas se aglomeram ao seu redor, querendo toca-lo e reverencia-lo como antes. O rapaz não tinha para onde ir.
Ouvindo o som de jatos passando pelo céu, Nathan fica apreensivo. De repente, drones aparecem fazendo voos rasantes entre as megatorres. Vindo na direção deles, os drones abrem seus compartimentos e lançam bombas contra os manifestantes, vindo em seguida a horrorosa explosão. Nathan é lançado pelos ares, caindo violentamente e batendo sua cabeça em seguida. Imediatamente ele desmaia.
Os manifestantes o encontram inconsciente no chão. Vendo uma ferida sangrenta em sua testa, eles se desesperam. Afoitos, eles o levantam ainda desacordado e o suspendem acima dos ombros, havia sangue por toda parte. Um homem grita:
- Eles mataram... – o homem começa a chorar – Eles mataram o Inimigo de Estado!
Levando-o acima de suas cabeças, os manifestantes carregam o corpo de Nathan. Eles repetidamente gritam e choram, enlutados pela suposta perda.
- O Inimigo de Estado morreu!
- Eles mataram o Inimigo de Estado!
- Que espécie de governo é esse que lança bombas letais contra manifestantes?!
- Nathan morreu para nos salvar!
- Nathan morreu por nós!            
Fechando a entrada do túnel que dá acesso à Cúpula Corporativa, a tropa de choque aparece portando escudos, cassetetes e fuzis. Vendo que os manifestantes carregavam o corpo do Inimigo de Estado, eles se animam. Os policiais pensam que sua morte irá desencoraja-los, tornando-os fáceis de se conter. Atrás dos visores de seus capacetes, eles sorriem.
Um coro reverberante e ensurdecedor se forma entre a multidão. Cheios de ódio, fúria e rancor, eles olham para a tropa e, do fundo de suas almas, gritam:
- Mártir! Mártir! Mártir!
Ao contrário do que pensaram, os manifestantes não se desencorajaram, eles se agitaram mais ainda. Vendo a multidão se enfurecer diante de seus olhos, a tropa de choque teme. Então, como um tsunami, os manifestantes avançam contra os policiais. O confronto recomeça, a violência se intensifica, agora a multidão não queria apenas derrubar o governo, agora eles queriam vingança.
A tropa de choque tenta conte-los com a força de seus braços. Em espanto, muitos cassetetes se quebram com o uso, eles não conseguem acreditar. Os coquetéis molotov e as bombas caseiras se estouram atrás de suas fileiras, a linha de contenção policial cai. Os manifestantes atravessam e pisoteiam os policiais abatidos e muitos são sufocados até a morte. Sem outra opção, o capitão da tropa carrega seu fuzil e autoriza:
- Abram fogo!
Dada a ordem, eles atiram contra a multidão ensandecida. A rajada incessante esquenta a ponta dos fuzis, avermelhando-os. A fumaça das armas sobe, embaçando a entrada do túnel. As milhares de cápsulas vazias se expelem das câmaras, cobrindo o chão aos pés da polícia. Eles se transformavam em enegrecidos instrumentos da morte.
Após alguns minutos, o capitão grita:
- Cessar fogo!
Um véu de fumaça encobria o túnel. Aos seus pés, os policiais viam centenas de corpos, empilhando-se sobre seus companheiros mortos. O fogo queimava em algumas partes, subindo uma fumaça negra de pele e roupas. Surpresos, eles percebem que haviam cometido um massacre.
Um silêncio funéreo se apodera do local. Então, vindo dalém da fumaça e dos corpos, eles ouvem o coro desarmônico ressurgir.
“Mártir! Mártir! Mártir!”.
Os olhos dos policiais se arregalam. Seus corações disparam, suas mãos tremem, mas eles não podem se mexer. “Nós devemos nos manter firmes!” pensa o capitão enquanto ele mesmo luta para não perder o controle. De repente a segunda onda se forma e os atacam, avançando pela pilha de corpos e pelas balas da acuada polícia.
Nathan acorda. Olhando ao redor, ele vê cadáveres por toda parte. Levantando-se, ele contemplava um banho de sangue. Os manifestantes avançavam enfurecidos, correndo cheios de ódio e coragem para a entrada do túnel. Tiros são ouvidos, mas a fumaça impossibilitava ver.    
A tropa de choque percorria as passarelas próximas, os drones sobrevoavam a manifestação, o confronto estava longe de terminar. Surgindo entre a multidão, Maynard reaparece com as roupas rasgadas e portando fuzis, um em cada braço. Vendo alguns policiais se aproximarem, ele mira seus fuzis e atira, abatendo-os. Nathan tem a impressão de vê-lo sorrir.
- Vamos, Nathan! Não temos muito tempo.
Com dificuldade, o rapaz comenta:
- Maynard, eles estão cometendo um massacre...!
- Estão. Agora mexa-se, temos que sair daqui.
Mas Nathan não consegue andar. Agarrando-o pelas roupas, o mercenário o arrasta pela passarela coberta de corpos. Chegando à beirada, Maynard olha para baixo e vê seu aerocarro subindo pelo ar.
Parando no parapeito, o mercenário põe o rapaz primeiro e então entra. O para-brisa brilha com o seguinte alerta: “forte presença policial no distrito”. Definindo uma rota segura, Maynard manobra o carro e então começa a dirigir.
Enquanto voa pelas vias, um Securitron mira seus canhões ao aerocarro e atira. Uma mensagem novamente aparece no para-brisa dizendo: “perigo, míssil à caminho”. Mas, perto demais para se esquivar, o veículo é atingido e eles ouvem a explosão.
A traseira é destruída. Olhando para o mercenário, Nathan o vê desacordado. Ele grita:
- Maynard!
Mas o aerocarro continua caindo entre as megatorres, mergulhando rumo à escuridão abaixo.    
  
§

Longe dali, na megatorre das corporações, uma figura oculta espera alguém à sua mesa. Abrindo a porta, um homem entra e se vê em uma sala com pouca luminosidade. Sentando-se, a figura desconhecida fala com ele.
- Acabamos de receber a notícia de que o Inimigo de Estado foi visto na manifestação abaixo.
Tiros e explosões são ouvidos lá fora. O desconhecido continua:
- Também recebemos a informação de que seu veículo de fuga foi atingido por um de nossos Securitrons. O aerocarro caiu em algum lugar na superfície e atualmente sua localização é desconhecida. Precisamos encontrar o Inimigo de Estado, vivo se possível. Porém, não temos efetivo para enviar um regimento lá embaixo. Você terá de ir sozinho.
O homem ouve o zunido dos drones sobrevoando o céu lá fora. Obediente, ele diz:
- Apenas me aponte o caminho.
Dando-lhe uma pasta de documentos, o desconhecido responde:
- Tome cuidado. O Inimigo de Estado não está sozinho. Um mercenário altamente experiente e perigoso o acompanha. Cuide dele do jeito que quiser, mate-o se necessário, não me interessa.
- É claro, senhor.
Levantando-se, o homem caminha até a porta. Mas antes que pudesse sair, o desconhecido o alerta, dizendo:
- E tente não falhar desta vez... – ele pausa por um momento – Detetive Burton.
Virando-se, Burton olha para ele e responde:
- Eu não irei.


quarta-feira, 20 de março de 2019

Sonata - Parte 34 - Securitron


No dia seguinte, Nathan assiste aos noticiários. Houve outra manifestação popular na Cúpula Corporativa, o distrito onde se localiza a sede das corporações no Setor S. Portando faixas e cartazes, os manifestantes protestaram contra o Protótipo #8 e o temível Projeto Gemini. Assustados quanto a ameaça de extermínio, eles marcharam rumo à cúpula, de braços dados e em grande número, ameaçando derrubar o tirânico governo corporativo.
A polícia, em contrapartida, os reprimiu duramente, lançando bombas de gás e jatos d’água. Inclusive drones foram usados para lançar bombas de concussão no meio dos manifestantes. A violência aumentou quando os populares, munidos de coquetéis molotov, reagiram. As chamas se espalharam entre as fileiras da tropa de choque, causando pânico e correria nos policiais.
Após quarenta minutos de intenso confronto, a praça da sede corporativa havia se tornado uma deprimente zona de guerra. Aeronaves militares sobrevoaram o local, lançando seus carregamentos. Pousando atrás dos policiais, os carregamentos se desmontaram sozinhos, formando imensos robôs. Com metralhadoras Vulcan instaladas em seus braços e lançadores de mísseis em seus ombros, os enormes robôs bípedes avançaram em sincronia contra os manifestantes. Nathan reconhece aquelas máquinas, tratavam-se de Securitrons.
Os Securitrons são os temíveis robôs da Polícia Corporativa. Projetados para os grandes confrontos, eles raramente se provavam ineficientes em ação. Queimando e explodindo tudo pelo caminho, eles geralmente obtinham êxito, cumprindo a missão por quaisquer meios necessários. “À força” pensa Nathan.
Mirando seus canhões aos manifestantes, os Securitrons atiram bombas não-letais, causando grande tumulto. O caos se instala e todos correm de um lado ao outro, queimando-se nas chamas de seus próprios coquetéis molotov. Em poucos minutos a multidão se dispersa, garantindo a vitória dos robôs e da força corporativa.
Finado o confronto, os Securitrons avançam pelas barricadas improvisadas, destruindo tudo pelo caminho. Nathan se impressiona ao ver um cartaz com seu rosto no chão. Como disseram os líderes das facções, a população o vê como um salvador, um herói. Em lamentação, o rapaz percebe que, em sua luta pela libertação de Sonata, ele não pertencia mais a si mesmo. Em seguida o cartaz é impiedosamente esmagado pelo Securitron, desfigurando seu rosto, o rosto do estimado Inimigo de Estado.
Sentando-se no sofá, Nathan reflete sobre a rebelião. Naquele conturbado ano, várias manifestações ocorreram em Sonata, em especial na Cúpula Corporativa. Algumas foram pacíficas, outras violentas, e em outras houve a ajuda das facções, que cometeram atentados terroristas por toda a cidade. Mas em toda fumaça negra que subia das paisagens chamuscadas, ou das poças de sangue derramado que sua rebelião provocara, Nathan se via ali, pronto para ser idolatrado pelos opositores das corporações, ou para ser esmagado pelos apoiadores delas.
Uma sensação de urgência se apodera do rapaz. Ele está cansado de esperar. Mais do que nunca, a rebelião tinha que acabar.
Andando apressado pelo Submundo, ele pega suas armas, veste sua jaqueta e se dirige à saída. Database, ao vê-lo partir, pergunta:
- Nathan, vai a algum lugar?
- Sim. – responde ele, de imediato – Vou à Cúpula Corporativa.
Database se espanta.
- Você ficou louco?!
- Não, chefe. Eu acho...
- Mas o que você vai fazer lá?
- Apenas preciso analisar uma coisa.
Sem compreender, o chefe o alerta dizendo:
- Nathan, se você for capturado você vai morrer.  
- Não se preocupe, Database. Prometo que ficarei bem.
Então ele deixa o porão. Mas antes que pudesse fechar a porta, o chefe astutamente informa:
- A Laura voltou.
Nathan se paralisa. Virando-se, ele olha para o chefe e então pergunta:
- Você tem certeza?
- Foi o que eu ouvi.
- Onde ela está?
- Em seu apartamento. Pelo menos foi o que me disseram. Laura nunca informa quando ela sai.
Ainda paralisado, seu coração bate mais forte em seu peito. Nathan precisa vê-la com urgência, mas aquele era um péssimo momento. O rapaz tem uma rebelião a resolver, e agora não podia haver distração em sua mente. Mas quando o assunto são os sentimentos, a mente sempre perdia para o coração.
- Obrigado, chefe. Estou indo lá agora mesmo.
Database o interrompe dizendo:
- Se você a vir, fale para ela aonde você está indo. Talvez Laura consiga te fazer desistir.   
Nathan sorri.
- Eu duvido que ela ao menos tente.
Concordando, o chefe também sorri. Ele duvida também.
- Fale mesmo assim.
Assentindo, Nathan então deixa o Submundo.
Com a determinação de um homem apaixonado, Nathan avança pelas ruas sujas e movimentadas da superfície. Chegando ao prédio de Laura, ele retoma o fôlego e rapidamente entra. Subindo as escadarias, ele avança pelo corredor esfumaçado e empolgadamente bate à porta.
Limpando-se e ajustando suas roupas, ele espera mais trinta segundos e então bate novamente. Sem resposta, ele espera mais um minuto para bater. Olhando ao redor, ele tenta disfarçar a vergonha, afinal os vizinhos o viram bater ali por uma semana inteira e agora olhavam para ele. Abaixando a cabeça, ele espera mais um minuto e novamente bate. Nada.
Lamentando-se, ele contém o choro, respira fundo e finalmente deixa o local.
Ao sair do prédio, o rapaz caminha de volta ao Submundo. Passando em frente a um beco escuro, ele não nota a silhueta de homem parado ali, encostado na parede. Então ele ouve:
- Dia difícil, hein garoto?
Assustando-se, Nathan olha para o lado e então pergunta:
- Quem está aí?
Caminhando para a luz, o homem se revela. Assustando-se mais uma vez, o rapaz exclama:
- Maynard?!
- Oi de novo, Nathan.
Rapidamente enfiando a mão sob a jaqueta, o rapaz tenta pegar sua arma. Mas o mercenário o interrompe, dizendo:
- Isso não será necessário.
- O que você quer?
- Ora, isso não ficou claro no Submundo? – ele falava de seus agressores.
- Você não devia andar por aqui sozinho, Maynard. Database tem informantes por toda a parte.
Dando de ombros, o mercenário responde:
- Eu sei me cuidar. – abanando-se, ele comenta – Parece que sua namorada não está em casa de novo, não?
Nathan desconversa.
- Não sei do que está falando.
- Oh, você sabe sim. A Lótus é uma garota muito bonita, devo dizer, mas muito irritada também. Mas, como dizem por aí, gosto não se discute.
- Cale a boca.
- Mas eu não consigo entender uma coisa. O que você pensa que está fazendo? Sufocando a garota assim, não deixando-a em paz, você se parece um perseguidor, um maníaco pervertido. Que droga, Nathan! Você já tem trinta anos, pensei que já soubesse como conquistar uma mulher.
Intrigando-se, ele pergunta:
- O que quer dizer?
- Quero dizer que você está fazendo tudo errado, cara. Não é assim que você vai fazer ela gostar de você. Ah, essa juventude... Quando vocês vão aprender?
Maynard parecia demonstrar muito domínio no assunto, diferente de Nathan que não sabia nada. Triste demais para o ignorar, o rapaz decide se expor.
- O que eu faço, Maynard? Eu já não sei mais o que fazer.
O mercenário sorri.
- Eu posso te ensinar uma coisa ou outra, mas a melhor estratégia quem vai escolher é você mesmo. Mas vamos falar disso depois. Aonde você está indo mesmo? À Cúpula Corporativa?
Nathan se surpreende.
- Como você sabe disso?
Levantando a palma de suas mãos, ele responde com outra pergunta.
- Por acaso você se esqueceu de quem eu sou?
- Você colocou escutas no Submundo? – pergunta ele, impressionando-se com sua ousadia.
- Foi por precaução. Se eu deixar todos os que tentam me matar vivos, eles podem formar uma gangue de derrotados e ressentidos e vierem para acabar comigo de vez.
O mercenário estava mentindo, sua preocupação ia mais longe do que isso. Maynard desconfiava que seus inimigos – talvez a Polícia ou as corporações – queriam ele morto, e para isso contrataram outros mercenários para fazer o serviço. Se a tentativa falhasse, a culpa cairia sobre o Submundo, que era o inimigo em comum.  
- Como eu posso confiar em você?
- Um Inimigo de Estado viajando para o distrito mais perigoso de Sonata, em quem é melhor confiar? No experiente e articulado agente Maynard, ou em um bando de delinquentes indisciplinados e irresponsáveis chamados de runners?
Nathan percebe que nem as facções, as corporações ou o agente Maynard levavam os runners a sério.
- Está bem, eu irei com você.

§

No intrigante aerocarro de Maynard, Nathan segue para o Setor S. Enquanto o mercenário dirige, ele lê seus e-mails pessoais no painel e ouve o noticiário. O rapaz está pensativo, os últimos dias foram os mais duros de sua vida. Após beijar Laura, ele não pensou que ela iria sumir de repente, deixando-o assim. “Será que ela está arrependida?” pensa ele.
Lembrando-se dos Clérigos do Recomeço, ele ainda vê o atentado terrorista e a bomba no hospital explodindo, matando dezenas de pessoas. Os clérigos o manipularam, fazendo-o ativar o detonador. Olhando para a palma de suas mãos, ele as vê sujas de sangue. 
Ao entrar no Setor S, eles veem muitas viaturas policiais patrulhado as vias. Entregando-lhe uma pequena caixa, Maynard diz:
- Vista isso.
Abrindo-a, o rapaz vê duas lentes de contato.
- Para que isso serve?
- As lentes são uma proteção contra os scanners de retina, camuflando sua verdadeira identidade.   
Chegando à Cúpula, o mercenário estaciona o aerocarro em uma megatorre e ambos prosseguem à pé pelas passarelas. Apesar do dia movimentado, muitos policiais rondam as passarelas e túneis, deixando os transeuntes apreensivos. Nathan vê os edifícios públicos ao redor, secretarias, ministérios e alguns corporativos.
Aproximando-se da cúpula, as vias públicas mudam de aparência e o rapaz vê as marcas da rebelião. Pichações, depredações e sinais de incêndios são visíveis. As passarelas foram obstruídas com barricadas de detritos e entulhos. A violência e o vandalismo fizeram vítimas, pois haviam escuras manchas de sangue ressecado espalhadas pelo chão.   
As portas de uma megatorre foram destruídas por vândalos. Passando por elas, Maynard leva o rapaz pelos corredores, pega o elevador e sobe até o topo até saírem ao ar livre. Aproximando-se do parapeito, Nathan vê uma bela paisagem à sua frente. A cúpula corporativa era uma linda e moderna megatorre, cercada por uma extensa plataforma arborizada, a famosa praça daquele distrito.    
Apesar do confronto na noite anterior, os manifestantes novamente se concentram na praça, carregando cartazes e gritando frases de ordem. A tropa de choque está mais adiante, cercando a entrada do edifício com seu efetivo. Sobrevoando o local, Nathan vê os aerocarros da mídia, com suas câmeras fazendo a cobertura da manifestação.
Alguém lança um coquetel molotov contra os policiais e eles revidam com bombas de gás. A multidão se agita e então recomeça o confronto. Após alguns minutos, a violência e o caos dominam a praça, pois apesar da resistente tropa de choque, os manifestantes eram muitos. Então, do fogo e da fumaça, Nathan consegue ver. Os Securitrons surgem das chamas, caminhando inexoravelmente entre o caos e os detritos.
Avançando pelos manifestantes, os enormes robôs atiram seus projéteis, dispersando-os. Incapazes de lhes resistir, muitos recuam perante as máquinas, intimidados com sua elevada estatura. E mais uma vez a manifestação acabava em fracasso. Nathan lamenta.
- Esses Securitrons... – sussurra Nathan – Eles não podem ser vencidos.
Ouvindo-o, Maynard, de maneira perspicaz, pergunta:
- Por que você está aqui, garoto?
Saindo de seu transe, o rapaz responde:
- Eu precisava ver o que minha rebelião estava causando... – começa ele – E descobrir como derrotar essas máquinas.
Ponderando, o mercenário faz outra pergunta:
- E por que você está se aliando às facções?
- Porque o Submundo precisa de todo o poder de fogo disponível para derrotar as corporações, assim encerrando finalmente a rebelião.
Assentindo, Maynard sabiamente diz:
- Veja os Securitrons como as próprias corporações, Nathan. Agora veja os manifestantes como os runners do Submundo. No confronto abaixo, os manifestantes tiveram alguma chance?  
Lamentando-se, o rapaz responde:
- Não...
- Por que não?
Nathan é razoável ao responder.
- Porque eles não têm o poder de fogo necessário para vencê-los.
- Exatamente. – responde Maynard – Eu estou nesse ramo há muitos anos, Nathan. Na verdade, desde quando você nasceu. E o que eu posso dizer é o seguinte: se o seu inimigo tem armas potentes, você vai precisar de armas maiores.  
Intrigado, o rapaz pergunta:
- Está dizendo que vamos precisar de robôs? Nós não temos esse armamento, Maynard. Os recursos do Submundo são escassos em armamentos pesados.
- Como você mesmo disse, o Submundo não tem robôs para esse tipo de combate, mas há outras pessoas na metrópole que tem. Pode me dizer quem?
O rapaz demonstra muito interesse, mas não sabe o que responder:
- Eu não sei.
Então o mercenário simplesmente diz:
- Bushido.
Arregalando os olhos, Nathan então se lembra. Quando Maynard e ele fugiram da sede da Bushido, eles foram atacados por enormes robôs de combate semelhantes aos Securitrons. “Os robôs samurais” lembra-se ele. “É claro!”.
Por outro lado, o rapaz também se lembra que ele é jurado de morte naquela facção. Para o Xogum Tokugawa, recusar seu pedido foi uma tremenda desonra. Além disso, por culpa dele muitos samurais morreram em sua fuga, envergonhando-o perante seus inimigos. Nathan fica apreensivo.
- Convencê-los vai ser difícil. Você, mais do que ninguém, sabe o porquê.
- Use sua influência. Você é o Inimigo de Estado, vai saber convence-los.      
Ponderando mais uma vez, Nathan sabe que esse problema será difícil de se resolver.   
Enquanto os manifestantes e a polícia se digladiam lá embaixo, um drone sobe de repente, pairando no ar. Com sua câmera, a aeronave mira seu scanner em Nathan. Demorando demais, Maynard o puxa pelo braço e então diz:
- Temos que ir.
Descendo pelas escadarias, o rapaz pergunta:
- O que houve?
- O drone não reconheceu a identidade falsa. Se tivermos sorte, foi só um mal funcionamento.
Chegando ao andar da passarela, eles correm pelo corredor até a entrada do edifício. Mas ao saírem, eles têm uma terrível surpresa. Atravessando as barricadas improvisadas, um Securitron surge entre a sujeira e a fumaça. Com uma voz grave e robótica, o enorme robô diz:
- Nathan Hill, você está preso. Renda-se agora ou usaremos força letal.
O rapaz se desespera. Antes que pudesse responder ou fazer algo, o Securitron gira os canos de sua arma.
O robô estava prestes a atirar.

    

sexta-feira, 15 de março de 2019

Sonata - Parte 33 - A Vingança do Submundo


(Artista: Eddie Mendonza, da Artstation.com)

Em uma plataforma de uma imensa chaminé industrial, Laura observa a paisagem abaixo. Apesar do calor e do ar poluído, ela se mantém firme, sem se desconcentrar. Usando seu binóculo, ela espiona um galpão abaixo, a sede dos Trans-humanistas. 
Apesar de permanecer ali por longas doze horas, ela espera encontrar Vertigo, seu velho amigo. Dois dias se passam e o hacker ainda não apareceu. Impaciente, ela pediu ajuda para Database e ambos uniram esforços para encontra-lo. “O que será que aconteceu com ele?” pensa ela. “Vertigo nunca se deixaria capturar assim”.
Entardecia no distrito de Entropia. Laura estava exausta, sua vigília foi desgastante, mas ela pretende voltar à superfície só quando concluir sua missão.
“Lótus?” – chama o chefe.
- Laura. – corrige ela.
“Que seja. Algum sinal de Vertigo?”
- Ainda não.
“Laura, deixe o distrito, ele não está aí. Já se passou muito tempo, os mecanicistas já teriam se livrado do corpo”.
A garota concorda. Manter o corpo de Vertigo seria a evidência necessária para começar uma guerra entre o Submundo e a facção. Mas ninguém havia deixado o galpão, ou mesmo entrado nele. Ela se enche de dúvidas.
- Ainda não houve movimentação na sede dos mecanicistas. Eu não entendo, chefe, onde estão escondendo-o?
“Não sabemos. Por enquanto, te peço para sair daí. Você está cansada e o distrito está mais perigoso agora que a sede dos Trans-humanistas foi invadida. Se te pegarem, você será morta”.
Laura o ignora.
- Eu não vou a lugar algum, Database. Não enquanto não encontrar o Vertigo.
Dez minutos se passam. Em seu computador, Database recebe uma valiosa mensagem.
“Lótus, um dos meus informantes me contatou. Ele disse haver uma atividade suspeita em outro distrito, também no Setor T. Gostaria de verificar?”
- Você acha que pode ser o Vertigo?
“Eu não tenho como dizer e também não posso colocar meu informante perto demais. Os mecanicistas desconfiariam. Você vai ter que descobrir sozinha”.
Laura pondera. Até o momento, sua vigília foi contraproducente e uma pista sucinta é melhor do que nada.
- Certo. Me diga onde procurar.
Database responde:
“O local fica no território dos Trans-humanistas. Mas tome cuidado, pois é o mesmo distrito onde os puristas esquartejaram um informante, dias atrás”.
- Devo esperar vigilância reforçada?
O chefe ri.
“Laura, o território e sua sede foram invadidos duas vezes nos últimos dias. Eles estão loucos de raiva!”
A garota entendeu o recado. Os facciosos não farão prisioneiros. Vertigo terá sorte se ainda estiver vivo.
Levantando-se, ela enxuga o suor de sua testa e se limpa. Antes de descer, ela olha para os telhados das fábricas e vê muitos sentinelas vigiando o distrito. Como alertou Database, eles não pareciam nada tranquilos. De fato, Laura foi muito ousada em ter voltado para lá depois do que fez.
Empunhando sua submetralhadora, ele desce os degraus metálicos da escada e deixa a plataforma. Esgueirando-se pelos telhados industriais, ela passa por componentes químicos e substâncias tóxicas enquanto evade os mecanicistas. Ao lado de contêineres de lixo, Laura puxa a longa capa e revela sua aeromoto escondida. Levantando voo, a garota se adequa às vias virtuais e deixa o distrito de Entropia para trás.
Quinze minutos depois, ela chega ao seu destino. Contatando Database, ela pergunta:
- Chefe, não tenho certeza se Vertigo fugiu da sede dos mecanicistas.
“Oh, você conhece o Vertigo. Ele tem muitos truques, talvez tenha se disfarçado de trans-humanista e fugiu durante a confusão”.
Laura acha aquilo muito improvável, afinal ela viu seus ferimentos. Ela responde:
- Talvez.
“Você já chegou?”
Sobrevoando o movimentado distrito residencial abaixo, ela diz:
- Sim, Database. Onde eu devo ir?
Passando-lhe as coordenadas, o chefe complementa.
“Tenha cuidado, Lótus. Não quero que você desapareça como o Vertigo desapareceu”.
- Que lindo. – comenta ela, sarcasticamente.
Escondendo a aeromoto em um túnel, ela escala uma megatorre e observa as passarelas abaixo. Muitos sentinelas estão espalhados pelos terraços próximos, todos fortemente armados. Se Laura quiser permanecer ali, ela vai ter que se cuidar.
Chegando a um estacionamento, ela vê quatro trans-humanistas escoltando um homem encapuzado. A garota se intriga. Usando seu binóculo, ela tenta identificar a figura misteriosa, mas sem sucesso. O grupo continua caminhando e então entram na megatorre à frente. Verificando os terraços ao redor, ela deduz que chegar ao seu objetivo será muito arriscado.
- Database, vi uma figura suspeita perto da minha posição. Estou indo encontra-la pessoalmente. Terei de usar o arpão.
“Negativo. É melhor você ficar escondida até ter certeza do alvo. Não é seguro transitar pelo distrito”.
Mas, ignorando-o, ela pega sua mochila, monta o arpão calmamente e então se levanta. Mirando-o para a megatorre à frente, ela atira, fazendo o projétil voar entre os aerocarros no trânsito. O cabo de aço se desenrola rapidamente até a ponta se perfurar na parede no outro lado. Certificando-se que está bem travado, ela diz:
- Vou atravessar.
“Laura, espere! Laura!”
Mas Database ouve apenas o atrito metálico do gancho se deslizando pelo cabo. Chegando ao outro lado, a garota se desconecta e escala a lateral do edifício. A altura é vertiginosa, o vento assopra suas roupas, seus dedos cansam, mas ela não tem tempo a perder. Apoiando-se nos peitoris, ela desce lentamente.  
Ela chega ao andar desejado. Espiando as janelas, ela vê os mecanicistas em uma sala guardando o apartamento. Tateando pela parede, ela encontra a figura encapuzada em um quarto. Amarrando seu cinto em uma protuberância, ela pega suas ferramentas na bolsa de perna e rapidamente começa a destrancar a janela. Hábil como um gato, ela a destranca silenciosamente sem ninguém ouvi-la.
Abrindo a janela, ela entra e sorrateiramente caminha até a figura desconhecida. O encapuzado está sentado de costas para ela, sinistramente estático e olhando para um computador. Laura toca seu ombro e, em sussurros, diz:
- Vertigo...?
Mas, ao virar-se, a garota tem um terrível susto. Sob o capuz, ela vê uma mulher sem o maxilar. “Meu Deus!” sussurra ela. Cabos percorrem onde deveria haver sua cavidade bucal, descendo por sua garganta. O rosto da mulher parece ter uma pele plástica e brilhava com as luzes de LED atrás de seus olhos. É então que Laura percebe, aquela mulher era um robô.
Conectando os cabos ao computador à sua frente, o robô acessava o ciberespaço, invadindo as páginas proibidas pelas corporações. “Mas que estranha ferramenta nas mãos desses fanáticos” pensa ela. Desanimada, a garota respira fundo.  
- Database?
“Laura? O que foi?”
- Alvo não confirmado.
“Você teve contato visual? Não era o Vertigo?”
- Não. Os mecanicistas estavam escoltando uma mulher, ou melhor, um robô.
O chefe não sabe o que responder.
“Lamento...”
- Você tem mais alguma pista?
- Não, nada.
A garota se entristece.
- Ótimo. Estarei voltando para o Entropia.
“Espere. Há outra coisa que podemos fazer”.
Intrigada, ela pergunta:
- E o que é?
Demorando um pouco para responder, Database então revela seu curioso plano.
“Minha equipe de informantes tem um equipamento necessário escondido neste distrito, perto de sua posição. Eu os mantive aí por uma questão de emergência, e agora esse momento chegou. Preciso que você o encontre e o ative para mim”.
- Que tipo de equipamento é esse?
O chefe simplesmente responde:
“Explosivos”.
Surpresa, a garota exclama:
- O quê?!
“Laura, preciso que você ative os explosivos para mim. Preciso que você detone as bombas”.
Laura não consegue acreditar no que ouve.
- Database, você está falando para eu cometer um atentado terrorista?!
Sorrindo no outro lado da linha, o chefe a corrige.
“Não se trata de terrorismo, Laura. É vingança. Os Trans-humanistas sequestraram Nathan e então Vertigo. Se não reagirmos, o Submundo perderá o prestígio... E principalmente o respeito. Eu não posso deixar isso acontecer”.
Indignada, a garota protesta.
- Eu não dou a mínima para o seu prestígio, Database! Eu não compartilho da causa do Submundo. Se você quiser cometer terrorismo, peça aos seus informantes para o fazer!
“Não posso. Eles são apenas civis e não runners experientes como você”.
- Esqueça! Eu não farei isso!
Com muita perspicácia, Database responde:
“O seu namorado não hesitou em apertar o botão”.
Arregalando os olhos, Laura se irrita e então diz:
- Mas do que é que você está falando? Eu não tenho namorado nenhum!
Então o chefe ri.
“Mas foi um beijo bem apaixonado o que vocês deram. Eu até me emocionei”.
- Como você sabe disso?!
“Esse é o meu trabalho, Laura. Saber”.
Então alguém grita do apartamento.
- Ei! Quem está aí?
- Database, vamos resolver isso depois. Eu tenho que ir.
Ao abrir a porta, um trans-humanista encontra o quarto vazio, com exceção da mulher robô operando o computador. A janela, porém, estava aberta, com o vento balançando sutilmente a cortina.

§

Dirigindo sua aeromoto, Laura deixa o distrito, se afastando do perigo. Ela ainda está muito irritada, mas no fundo o que ela sentia era timidez, e seu coração não conseguia esconder isso. Então a voz no seu comunicador diz:   
“Lótus, você está aí?”
- Droga, Database!
“Ok... E então? Vai detonar as bombas?”
- É claro que não!
“É uma pena você dizer isso. Pensei que você fosse mais durona”.
- Não tente me manipular! Se você quiser praticar terrorismo, então chame o seu Inimigo de Estado para isso.
Laura hesita por um segundo. Falando por impulso, ela ainda não conseguia acreditar que Nathan havia cometido um ataque terrorista.
“Ora, Laura, não sei por que você está dramatizando tanto. Eu já disse que se trata de vingança, um pequeno acerto de contas com os mecanicistas. Eu só pedi que fosse você – que é quem eu considero e estimo muito – a aplicar-lhes o corretivo”.  
- Achava que o Submundo defendesse uma causa nobre, libertadora, e não que derramasse sangue inocente como essas patéticas facções.
“Eu entendo, entretanto devo lembra-la que estamos no meio de uma rebelião, e que o Submundo não é um escritório de contratação de runners como o Mystique. Queremos salvar Sonata. Se a rebelião falhar, não haverá mais Submundo, runners, facções ou coisa nenhuma para salvar. Estamos lutando para vencer”.
Novamente aquela conversa inflamada, altruísta e sedutora, típica dos revolucionários. Laura se entedia. Tendo uma ideia, ela decide falar na linguagem de seu chefe.
- Database, o Submundo não deve se vingar dos Trans-humanistas. Vocês querem vencer a rebelião, não é? E para isso precisam de uma aliança com todas as facções, não é mesmo? Então por que começar uma guerra paralela com os mecanicistas agora? Seria uma melhor ideia se você os perdoasse e buscasse uma saída diplomática para resolver esse incidente. Desta maneira, o seu Inimigo de Estado ainda teria uma chance de fortalecer a causa se aliando com eles.
O chefe se silencia por um momento. Laura pensa ter perdido a conexão, mas ele então diz:
“Para quem não compartilha de nossa causa, você fala muito bem a seu respeito. Eu estou impressionado. Mas nessa linha de serviço, não é assim que as coisas funcionam. Lidamos com marginais, terroristas e assassinos o tempo todo. Se demonstrarmos fraqueza, nossos inimigos saberão”.
- Mas a causa é a sua força. Acima de todas as coisas, a causa não busca a mesquinhez e o egoísmo, ela busca a libertação. Não é nisso que o Submundo acredita?
Database pondera.
“Talvez você esteja certa”.
A garota se felicita por dentro.
- Eu estou.
Entretanto, Database nunca permitirá que seu nome, sua reputação e sua honra sejam manchadas gratuitamente por um bando de fanáticos. Sequestrando Nathan e Vertigo, os Trans-humanistas o insultaram, e insultos não serão tolerados. “Perdoa-los...” pensa ele, em desprezo.
O chefe pergunta:
“Esta é sua resposta final?”
- Sim, chefe. Eu não vou detonar as bombas.
Então ele friamente responde:
“Está bem. Eu cancelarei o ataque”.
Laura respira aliviada.
- Você fez bem, Database. Inocentes não precisam morrer para que você recupere seu respei...
De repente a garota ouve uma assustadora explosão atrás dela, erguendo suas labaredas amareladas com o estrondo. Os aerocarros perdem o controle no trânsito e o caos se instala naquele distrito. Confusa, ela olha para o local da explosão e reconhece o último andar de uma megatorre, agora todo arruinado e destruído pelas vorazes chamas.
O terraço cede e as torres de transmissão tombam, caindo pelas alturas. As passarelas abaixo são atingidas pelos escombros, ferindo os inocentes transeuntes. Fragmentos rápidos como projéteis atingem os aerocarros, ferindo inclusive os passageiros. Montada em sua aeromoto, Laura assistia estarrecida à paisagem de horror.
Chamando por seu chefe, ela pergunta:
- Database, responda! Houve um atentado terrorista aqui!
De semblante sério olhando para o seu monitor, o chefe cinicamente pergunta:
“Do que você está falando?”
- Houve um ataque! Não sei bem o que aconteceu!
“Um ataque? Como isso é possível? Laura, ouça-me, você tem que sair daí agora!”
Assustada, ela responde:
- Mas e o Vertigo?
“Procuraremos por ele depois! Está muito perigoso aí em cima! Por favor, volte para a superfície e então decidiremos o que fazer”.
Confusa, ela decide acatar ao seu pedido. Manobrando a aeromoto, ela novamente se adequa ao trânsito e então deixa aquele distrito para trás.

§

Em silêncio em sua sala, Database assiste ao fogo queimando no distrito dos Trans-humanistas. As imagens do circuito de segurança exibem em detalhes seu trabalho, ele se satisfaz em ver a megatorre queimar.
À distância, Database podia ter ativado as bombas o tempo todo, mas ele não quis. Assim como Nathan, ele quis testar a determinação de Laura, ver até onde eles iriam. Estrategista, ele pretendia testar a capacidade de seus peões em seu jogo pelo poder, e este jogo chama-se rebelião e o tabuleiro, Sonata.
Explodindo bombas no território da Frente Ateísta, e agora um terraço inteiro no distrito dos Trans-humanistas, ele se encosta em sua cadeira e sorri. Database reconhece que pouco a pouco o Submundo se assemelhava a uma facção. Ainda sorrindo, ele comenta para si mesmo:
- Já estou me acostumando com isso.
Bebendo um gole de seu uísque, ele se levanta e deixa sua sala. Com a imagem do ataque ainda em seu monitor, o fogo exprime o que ele começava a sentir.
Database estava começando a pegar gosto pelo terrorismo.