Quem corta o cabelo dos cabelereiros?
Um espertinho pode responder
“Um outro cabelereiro!”
Mas é como perguntar
Se pode o mesmo médico
Sozinho se operar
Outro cabelereiro
Tem outro jeito de cortar
Outra mão e outra técnica
E outras tesouras para usar
Outro me vestirá com uma capa
Ensebada porque nunca foi lavada
Colocará um papelzinho ao redor do meu
pescoço
Seguro o riso porque faz
coceguinhas um pouco
Os meus cabelos outro pode lavar
Com torneira ou água ele borrifar
Ou não lavar com coisa alguma
E começar com minha cabeça suja
Com seu tic, tic, tic enquanto corta
Medindo a simetria enquanto me olha
Ele me pergunta
“Qual o comprimento?”
Eu respondo
“Em cima pode tirar um dedo”
Raspando com a maquininha
Eu peço
“Não deixa nenhuma marquinha”
Fazendo na nuca o “pezinho”
“Na barba pode deixar quadradinho”
Ele passa gel sobre as orelhas
E corta com notável destreza
Passando a navalha atrás no meu
pescoço
Ao raspar minha pele ela arde um pouco
Me pergunta para qual lado eu penteio
Eu respondo
“É para frente que eu deixo”
Um arremate antes de encerrar
A franjinha e as pontas ele começa a
aparar
Me pergunta
“Você quer passar gel,
chefia?”
Eu respondo
“Não por que tomarei banho em seguida”
Pois nas roupas os cabelos cortados
Me pinicam, deixando-me incomodado
“Ficou cinquenta reais”
“Cinquenta reais?!” eu exclamo
“Por que não cobra logo cem?”
“Pois eu sou cabelereiro também”
“E nunca precisei extorquir ninguém”
O cabelereiro se encosta no banco
E ri igual a um tonto
“São apenas vinte mangos”
“Aquilo não era sério”
“Eu só estava brincando”
Eu me sento no banco da rodoviária
Haviam muitas pessoas com suas malas
Nos guichês elas compram as passagens
Passageiros chegam e saem de viagem
Sopra o vento em meu cabelo curtinho
Será que eles veem como eu estou
bonitinho?
Por estar curto eu sinto um tremendo
frio
Mas apesar do frio eu sorrio
“Os cabelereiros são essenciais”
“Seu ofício os tornam especiais”
“Uma arte um tanto incompreendida”
“Apenas um coração sensível os valorizam”
Entardecia lá dentro
Eu respiro fundo em lamento
Essa pergunta consome o meu tempo
Eu poderia pensar nela o dia inteiro
Apenas me perguntando em silêncio
Quem corta o cabelo
Dos cabelereiros
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