segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Clínica Psiquiátrica para os Deprimidos

 


Larissa

Uma menina esquisita

Feia

De péssima aparência   

 

O sufoco na garganta

De palavras não ditas

O peso nas costas

Sentindo o remorso todos os dias

 

Peitos crescidos

Mas não o suficiente

Cintura fina

Traseiro nada atraente

 

Pele oleosa

Roupa horrorosa

Coxa não tão grossa

Para uma mulher gostosa

 

“E você?

Que me olha com desdém

Eu sei que você  

Me rejeita também”

 

Em sua vida ela vê que vai muito mal

Sente todo o tempo que é uma doente mental

 

Exposição nas redes sociais

Não causariam o efeito desejado

Muito pelo contrário

A tratariam com deboches malvados

 

Uma música que ela cantasse

Uma poesia que ela recitasse

Uma história que ela contasse

Um vídeo que ela gravasse

Para expressar a dor que ela sentia

Simplesmente ninguém entenderia


Ela disfarça o que sente por dentro 

Se escondendo atrás de um muro de gelo 

Suas emoções feridas perderam o brilho 

Foram estilhaçadas como pedaços de vidro 

 

O rancor a domina

Quem diria

Que após tantos impulsos homicidas

Ela se tornaria

Uma menina suicida

 

Internada em um clínica psiquiátrica

Em seus pulsos ainda há as marcas da faca

Sua primeira tentativa não a livrou de sua danação

Todavia ela se lembra de tudo com satisfação

 

Finalmente entenderam que sua depressão profunda

Não era uma simples frescura

Piadas estúpidas como ir lavar louça ou carpir um terreno

Perderam a graça quando ela ingeriu veneno

 

O médico pergunta se ela está bem

Ela responde “quando que a morte vem?”

O médico diz que ela deve abandonar essa carência

Ela responde que não há remédio que a livre

Dessa amarga existência

 

“Você me seguirá para o além?

Pois eu nunca me senti bem

Na vida só sofri maldades

Há remédio contra esse male?”

 

O médico faz um sorriso complacente

Tira os óculos e limpa suas lentes

E responde todo eloquente

 

“Você tem razão em querer se matar

Pois o problema do mal não há como curar 

E em todos esses anos que eu trato dos casos de suicídio

Sofrer com o mal foi o principal de todos os motivos”

 

Larissa dizia

Que se achava feia e esquisita

Mas sabia que a causa de sua depressão

Eram os deboches de gente sem coração

 

Então os dois ficam em silêncio por um momento

A comiseração os corroía por dentro

Enquanto o mal existir existirá o suicídio

E haverão mais pacientes internados  

Na clínica psiquiátrica

Para os deprimidos  

 

 

domingo, 19 de dezembro de 2021

O Crânio de Meu Irmão

 


 

Morávamos em um vilarejo

Próximo a Višegrad

Vivíamos da produção de azeite

Comíamos pouco, mas o suficiente

 

Minha família tinha muita união

Mas de nenhum deles eu tive acepção

Pois sofria constante difamação

Pelo bosta do meu irmão

 

Apenas banalidades e idiotices

Que saía desse imundo

Não sei como minha família preferiu mais

A esse vagabundo

 

Se era ciúme ou inveja

Eu não sabia o que era

Mas toda vez que a gente brigava

Sempre eu batia e ele apanhava

 

Chora mesmo, covardão

Na rua ele só sofria humilhação

De uma menina ele tomou um tapa na cara

E outra vez um moleque

O derrubou e sentou na sua cara

 

Eu não queria mais continuar brigando

Eu achei que ele estava mudando

Mas se tem algo que eu me arrependo

É de não tê-lo batido por mais tempo

 

Em 1980 Tito faleceu

Toda a Iugoslávia se entristeceu

Em 1989 Milošević ganhou a eleição

E logo quis dominar toda a região

 

A Bósnia e Herzegovina não será um estado vassalo

Nós não nascemos para ser subjugados

Não perderemos nossa terra

Não faremos parte da Pan Sérvia

Pois nossa cultura e nossa gente

Seguem caminhos diferentes

 

Com nossa ardente fé islâmica

Com nossas armas e nossas lâminas

Nós iremos lutar

Pois somos escravos de Alá

Allahovi robovi!

 

Eu fui um tolo

Eu quis lutar e defender minha nação

Meu irmão foi um covarde

Quis se refugiar como um bebê chorão

 

Me juntei à Brigada de Artilharia

Bosanska Bekrija

Se os sérvios querem botar fogo nos Bálcãs

Temos o isqueiro para queimar essas hordas

 

Karadžić era contra a emancipação

Dizia que era direito dos sérvios

De governarem toda a nação

 

Izetbegović bravamente se opôs

Com muita coragem apesar das ameaças

E naquele momento a Bósnia sabia

Que a guerra estava declarada

 

Mladić era um monstro

Que os sérvios chamavam de herói

Suas tropas trucidavam nosso povo

E com escárnio diziam

“Removam os kebabs”

 

Brigadas sérvias

De limpeza étnica

Massacram os homens

E estupram as mulheres

 

Meninas ou velhas

Não interessa

Algumas são estupradas no momento da invasão

E outras são levadas

Para campos de concentração

 

Fico sabendo que meu vilarejo

Foi atacado pelas brigadas

Com muito medo e desespero

Eu volto para minha casa

 

Havia corpos por toda parte

Os sérvios haviam cometido um massacre

Assassinaram crianças e velhos

Alguns tiveram seus crânios esmagados

Por golpes de martelo

 

Minha casa estava queimada

E arruinada por tiros de canhões

A casa que foi de minha família

Por muitas e muitas gerações

 

Nada foi poupado

Apenas cinzas fumacentas

E entulho chamuscado

 

No quintal havia uma vala comum

Eles os fizeram cavar

Depois os fuzilaram

Em seguida os queimaram

Enterrando-os então

 

Eu desenterro com minhas próprias mãos

Lágrimas se escorrem de indignação

Encontro as ossadas dos cadáveres

Então eu tenho uma grande constatação

 

Eu encontro o crânio de meu irmão

Todo sujo e coberto de lama

Queimado até os ossos

Enegrecido pelas chamas

 

Aquilo me deixa espantado

Ele não tinha se refugiado?

Não fugia de tudo como uma galinha?

Por que não temeu os sérvios genocidas?

 

Após anos de apelidos, difamações e deboches

Sou eu que descubro a sua morte

O vejo sujo e coberto de terra

Como se na fossa eu encontrasse merda

 

Que ironia

Que tremenda ironia

 

Eu não consigo ficar triste

Com maldade ele sempre me insultou

De todas as atrocidades cometidas pelos sérvios

Essa foi a única que me alegrou

 

Antes mesmo dele ter morrido

Dele eu já sentia nojo e repulsão

Então eu dou as costas e deixo para trás

O crânio de meu irmão

 

 

domingo, 24 de outubro de 2021

Pequim 2.0


“Em Pequim os prédios cresceram tanto

Que quase alcançam o céu

Mas não estão altos o bastante para mim...”

 

Eu te dei minha juventude

A joguei toda fora por você

Mas nunca foi o suficiente

Porque um ego mimado

Que gosta de decidir tudo a força

Jamais conseguirá ouvir um não

 

Troquei a emoção

A alegria e a diversão

Pelo vazio

Um vasto e gélido vazio

 

Garota de rato

Eu nunca te amaria

Sua desconfiança me irrita

 

Garota de dragão

Nós nunca daríamos certo

Comigo você morreria de tédio

 

Garota de macaco

Com você seria só dor

Pois você não tem talento para o amor

 

Garota de tigre

Seu jeito autoritário e mimado

Não sou cachorro para viver encoleirado

 

Penso no passado constantemente

Era feliz e não sabia

Não tinha tudo o que queria

Na verdade eu não tinha nada do que eu queria

Mas tinha ela

A mais sagrada e mais bela

Minha liberdade

 

Então eu ligo a nave espacial

O painel se acende como uma arvore de natal

 

Se a tristeza dentro de mim é eterna

Então o espaço infinito

Tem a dimensão correta da minha miséria

 

Tanta gente morrendo lá fora

E eu morrendo mais um pouco por dentro

Dia após dia

 

O programa espacial chinês avança

Colonização além do sistema solar

Eu desbravarei o universo

Em uma viagem só de ida

Minha partida desta Terra maldita

Seu inferno e seus demônios

As frustrações dos meus sonhos

Com muita certeza em meus planos

Eu os deixarei para trás

 

Chego à estação espacial em órbita da Terra

Pequim 2.0

Diante dos meus olhos eu a vejo

A maior obra da humanidade eu contemplo

 

As astronautas chinesas são muito sorridentes

São simpáticas e muito atraentes

 

Li-fen

Eu a convidaria para jantar

Mas estou cansado de me decepcionar

Estou cansado de vocês eu decepcionar

Agora o meu coração solitário

É o meu único lar

 

Tudo preparado para a viagem

Apenas a solidão em minha bagagem

 

Adeus Shangai

Sentirei falta de seus edifícios futuristas

Adeus Hong Kong

Sentirei falta de seus filmes de briga  

Adeus Cantão

Sentirei falta do seu coração

E

Principalmente

Adeus Pequim

Você foi a mais especial para mim

 

Me aproximo da astronauta chinesa

E a beijo em suas bochechas

Me despeço de sua beleza

E ela sorri toda vermelha

 

A garota na sala de comando diz

“Dou zhunbei haole ma?” (tudo pronto?)  

E eu respondo

“Women zou ba!” (Vamos lá!)

 

A nave acelera em velocidade hipersônica

O sistema solar é atravessado em uma semana

Quem diria que o Grande Salto Adiante

Seria através do horizonte

 

Um cinturão de asteroides se aproxima

A espaçonave se choca em seguida

O casco se rompe com o impacto

Sigo à deriva pelo espaço

 

O propulsor nuclear foi danificado

Não conseguiu resistir ao estrago

As câmaras criogênicas se desligaram

Os tripulantes morreram desacordados

 

Eu não concluirei a expedição

Meu destino está a anos-luz sem direção

Mas, ironicamente, consegui o que queria

Um outro tipo de cova fria

 

As luzes se apagam

Sem querer eu sorrio

Me lembrei das adoráveis astronautas

Que fizeram meu velho coração enferrujado

Mais uma vez se acelerar

 

A esperança é a última que morre

Ela está lá fora rindo da minha morte

E além do para-brisa da nave eu vejo

A última lembrança de um gostoso beijo

 

Há vinte anos atrás

 

 


domingo, 10 de outubro de 2021

Nuvens de Enxofre


 

Minhas orações não eram respondidas

Minhas petições não eram atendidas

Meus esforços não eram recompensados

E diziam que era eu o errado

 

Me acusavam que minha fé estava fraca

Quando o silêncio era tudo o que eu escutava

Que eu murmurava na prova e no sofrimento

Que eu blasfemava por não interpretar o silêncio

 

Sempre atrasado ao abençoar

Mas sempre imediato ao me castigar

Sempre ausente enquanto eu vivia

Mas permitindo que me fizessem injustiças

 

Não eram blasfêmias o que eu falava

Era o estado que meu espírito se encontrava

 

Ele me abandonou

Ninguém me entende

Eu não o abandonei

Fui rejeitado por aquele que prometeu

Que estaria comigo até o último dia da minha vida

Que ficaria comigo até a consumação dos séculos

Que me acompanharia até o fim dos tempos

 

Feito de trouxa

Bem que meus inimigos me avisaram

Enquanto me ridicularizavam

Enquanto meus bolsos se esvaziavam

 

Feito de otário

Ficando mais pobre e sem nenhum centavo

Desperdicei minha vida com vãs privações

Aumentando ainda mais minhas tribulações

 

Abandonado por meu pai e mãe

E os demais porcos de minha família

Ignorado pela única pessoa que me ouvia

Que sabia que era a única que eu tinha para conversar

Posto de lado ao perder a utilidade

Manipulado por quem dizia me amar

 

Eles riram de mim

Uma humilhação sem fim

Fui constantemente injustiçado

O tempo todo sendo desprezado

 

Com minha patética face suína

Me perguntando por que minhas orações

Jamais eram respondidas

 

Mas tu nunca me abandonaste

Sempre se fez presente com seus desejos malignos

Suas sedutoras tentações

Suas flamejantes paixões

Os desejos de irresistível luxúria

Vontades pecaminosas e impuras

 

Tua chama que excita meu corpo a pecar

O único calor que a vida me dá

O fogo desafiante que não nega a natureza

Como um farol para os mortos por dentro de tanta tristeza

 

Prazer

Um pouco de prazer antes de morrer

Vou me perder nos corruptores vícios

Deixá-los me consumir até o último suspiro

 

Há muitas mulheres que me alucinam

Os entorpecentes que me contaminam

A sensação de alívio e bem-estar

A paz que o outro prometeu que ia me dar

 

Pois o cálice da ira eu quero beber

Se isso me devolver a vontade de viver

 

À beira do precipício eu vejo

As nuvens de enxofre em desespero

Medo, fogo e trevas lá embaixo

Então este é o inferno que tanto falavam

 

Sangue ainda se escorre de minha cabeça

E deixa minhas roupas vermelhas

Ainda ouço o estampido em meu ouvido

A bala que atravessou os meus tímpanos

 

Então tu aparece ao meu lado

Como a passagem do pináculo do templo

Vestido em um manto preto

E me diz

Aqui eu jamais irei te abandonar

Aqui poderás descansar

Lança-te abaixo ao meu reino

A casa do esquecimento

O teu novo lar

 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

E De Repente a Dor Vem


 

E de repente a dor vem

Vem sem avisar ninguém

E de repente ela aparece

Ninguém sabe como acontece

 

Problemas que eu não sabia que tinha

Apareceram enquanto eu envelhecia

Acidentes que sofri no passado

E que deixaram meu corpo sequelado

 

A dor sempre esteve comigo

Não me abandonou como meus amigos

Minha única companheira nessa vida

A dor é minha única família

 

Preocupações, desregulação do sono e variações do humor

Prejudicando meu casamento

Causando desentendimento

Apagando o pouco que temos

Da chama do nosso amor

 

Maldita dor de cabeça

Que habita minha mente e não me deixa

O pensamento excessivo que me desgasta

Me tornando uma pessoa distante e carregada

 

As dores nas costas me assombram

Eu tenho medo de fazer força de novo

E minha coluna não suportar a carga

E novamente deixar minhas costas travadas

 

Meus ossos se estralam de repente

Fraturas e trincas não se colaram corretamente

Dor quando esquenta, dor quando esfria

Sofrimento em qualquer clima

Doendo dia após dia

 

Meu estômago é sensível

A causa da dor está no invisível

Sou um poço de energia negativa

Tudo o que é mal se atrai à minha vida

 

Terrível dor emocional

Rejeição, abandono, carência e o mal

Em mim esse sofrimento é eterno

Eu tenho um gostinho de como será o inferno

 

E nessas trevas por onde passeia a minha alma

Em que a dor se encosta e não me deixa ir embora

Suplico ao meu amor para que venha me socorrer

E para o meu deus que de mim pareceu se esquecer

 

 

 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Sozinho em Casa

 


(Artista desconhecido)


Estava chovendo 
Está anoitecendo

Estou sozinho aqui dentro
E ninguém vem me visitar

Está escurecendo
As luzes não estão acendendo
Cortaram o fornecimento
E no escuro eu vou ficar

Está esfriando
Não há cobertores me esquentando
Não tenho blusas ou mesmo panos 
E com frio eu vou ficar

Estou com tanta fome
Não há água para que eu tome
Não há comida para que eu almoce
E eu não sei cozinhar

Estou tão sozinho
Eu não tenho mais amigos
Minha mãe me rejeitou como filho
E meu pai comigo não me quer ficar 

Estou desprotegido
Eu sou tão pequenininho
Os muros de casa são tão baixinhos
E minha casa não poderei guardar

Estou tão cansado
Minha cama e colchão foram levados
Hoje durmo no chão gelado
E como um cachorro vou me deitar

Portanto eu digo 

Deus, se o Senhor existe
Se se importa comigo triste
Peço para me levar

Deus, se é mesmo Deus
Peça para os anjos seus
Ou mesmo ao diabo vir me buscar

Porque ninguém me alimenta
Ninguém me aceita
Ninguém me educa
E ninguém me escuta

Ninguém me aquece
Ninguém me veste 
Ninguém me conforta 
E ninguém se importa 

Todos sentem ódio de mim
Sentem raiva de mim
Sentem pena de mim 
O seu desprezo é assim 

E no escuro
No frio
Na fome
E no chão
Peço de todo coração
Que me leve dessa vida desgraçada
E que não mais me deixe
Sozinho em casa