domingo, 19 de dezembro de 2021

O Crânio de Meu Irmão

 


 

Morávamos em um vilarejo

Próximo a Višegrad

Vivíamos da produção de azeite

Comíamos pouco, mas o suficiente

 

Minha família tinha muita união

Mas de nenhum deles eu tive acepção

Pois sofria constante difamação

Pelo bosta do meu irmão

 

Apenas banalidades e idiotices

Que saía desse imundo

Não sei como minha família preferiu mais

A esse vagabundo

 

Se era ciúme ou inveja

Eu não sabia o que era

Mas toda vez que a gente brigava

Sempre eu batia e ele apanhava

 

Chora mesmo, covardão

Na rua ele só sofria humilhação

De uma menina ele tomou um tapa na cara

E outra vez um moleque

O derrubou e sentou na sua cara

 

Eu não queria mais continuar brigando

Eu achei que ele estava mudando

Mas se tem algo que eu me arrependo

É de não tê-lo batido por mais tempo

 

Em 1980 Tito faleceu

Toda a Iugoslávia se entristeceu

Em 1989 Milošević ganhou a eleição

E logo quis dominar toda a região

 

A Bósnia e Herzegovina não será um estado vassalo

Nós não nascemos para ser subjugados

Não perderemos nossa terra

Não faremos parte da Pan Sérvia

Pois nossa cultura e nossa gente

Seguem caminhos diferentes

 

Com nossa ardente fé islâmica

Com nossas armas e nossas lâminas

Nós iremos lutar

Pois somos escravos de Alá

Allahovi robovi!

 

Eu fui um tolo

Eu quis lutar e defender minha nação

Meu irmão foi um covarde

Quis se refugiar como um bebê chorão

 

Me juntei à Brigada de Artilharia

Bosanska Bekrija

Se os sérvios querem botar fogo nos Bálcãs

Temos o isqueiro para queimar essas hordas

 

Karadžić era contra a emancipação

Dizia que era direito dos sérvios

De governarem toda a nação

 

Izetbegović bravamente se opôs

Com muita coragem apesar das ameaças

E naquele momento a Bósnia sabia

Que a guerra estava declarada

 

Mladić era um monstro

Que os sérvios chamavam de herói

Suas tropas trucidavam nosso povo

E com escárnio diziam

“Removam os kebabs”

 

Brigadas sérvias

De limpeza étnica

Massacram os homens

E estupram as mulheres

 

Meninas ou velhas

Não interessa

Algumas são estupradas no momento da invasão

E outras são levadas

Para campos de concentração

 

Fico sabendo que meu vilarejo

Foi atacado pelas brigadas

Com muito medo e desespero

Eu volto para minha casa

 

Havia corpos por toda parte

Os sérvios haviam cometido um massacre

Assassinaram crianças e velhos

Alguns tiveram seus crânios esmagados

Por golpes de martelo

 

Minha casa estava queimada

E arruinada por tiros de canhões

A casa que foi de minha família

Por muitas e muitas gerações

 

Nada foi poupado

Apenas cinzas fumacentas

E entulho chamuscado

 

No quintal havia uma vala comum

Eles os fizeram cavar

Depois os fuzilaram

Em seguida os queimaram

Enterrando-os então

 

Eu desenterro com minhas próprias mãos

Lágrimas se escorrem de indignação

Encontro as ossadas dos cadáveres

Então eu tenho uma grande constatação

 

Eu encontro o crânio de meu irmão

Todo sujo e coberto de lama

Queimado até os ossos

Enegrecido pelas chamas

 

Aquilo me deixa espantado

Ele não tinha se refugiado?

Não fugia de tudo como uma galinha?

Por que não temeu os sérvios genocidas?

 

Após anos de apelidos, difamações e deboches

Sou eu que descubro a sua morte

O vejo sujo e coberto de terra

Como se na fossa eu encontrasse merda

 

Que ironia

Que tremenda ironia

 

Eu não consigo ficar triste

Com maldade ele sempre me insultou

De todas as atrocidades cometidas pelos sérvios

Essa foi a única que me alegrou

 

Antes mesmo dele ter morrido

Dele eu já sentia nojo e repulsão

Então eu dou as costas e deixo para trás

O crânio de meu irmão

 

 

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