sexta-feira, 26 de abril de 2019

Sonata - Parte 40 - Ataque no Distrito Japonês


O distrito de Monte Fuji atemoriza o rapaz. Desde sua última estadia, ele tem péssimas lembranças do lugar. Em um aerocarro com quatro runners, incluindo Vertigo, eles passam pelas vias virtuais iluminadas por milhares de neons japoneses.
Apesar do estranho comportamento de Vertigo, ele quis acompanha-lo nessa nova missão. O hacker esteve cativo durante dias, mas deu poucos detalhes de sua situação. O Submundo inteiro desconfia dele, mas por terem grande estima pelo admirado hacker, o toleraram no bunker. Nathan e Laura gostam dele, entretanto o astuto Database o manterá cautelosamente sob vigilância.
Diferente de seus comentários bem humorados e distraídos, agora Vertigo apenas abre sua boca para falar da missão. Ele havia voltado mais técnico e frio onde apenas o desempenho das missões o importavam.
Vertigo pergunta:
- Você acha que o plano vai funcionar?   
Nathan olha para trás. Por razões implícitas, desta vez não era o hacker quem dirigia.
- Eu não sei, Vertigo.
Olhando pela janela, o rapaz fica pensativo novamente. Assim como Database alertou, as facções são instáveis. Em seu ousado plano para aliar-se a elas, cada dia em que Nathan as visitava podia ser seu último.
A sede da Bushido se aproxima. O suntuoso templo com sua belíssima arquitetura oriental, brilha como uma joia nas alturas de Sonata. Abrindo a porta do aerocarro, Nathan e Vertigo descem. O rapaz diz:
- Desejem-me sorte.
Apertando as mãos dos runners, o veículo levanta voo e continua seu caminho.
Uma longa ponte atravessa os terraços dos edifícios. Caminhando sobre o piso metálico, seus passos fazem barulho sobre a vertiginosa altura. Seis miras lasers iluminam o corpo do rapaz, mirando seu rosto e suas costas. Levantando suas mãos, ele se mostra desarmado, alertando os snipers escondidos na paisagem noturna.
Na entrada do templo, dois guardas vestidos de samurais os aguardam. Ainda de mãos levantadas, o rapaz diz:
- Eu sou Nathan, sou o Inimigo de Estado. – os guardas não demonstram reação – Tenho uma informação importante ao Xogum Tokugawa.
Entreolhando-se, os guardas demoram a agir. Finalmente um deles os revista enquanto o outro contata alguém no vidphone. Voltando às suas posições iniciais, os guardas ficam parados ali, olhando para eles em silêncio. Nathan se intriga.
Minutos depois alguém aparece. Vestindo uma armadura samurai vermelha, um senhor de barbas pontudas se aproxima. O rapaz imediatamente o reconhece, “capitão Yamada” pensa ele.
- Kon'nichiwa, Nathan-san! Lembra-se de mim?
Um pouco temeroso, o rapaz responde:    
- É claro que sim. Você me sequestrou.
O capitão sorri, sem se importar.
- Imagino que tenha algo muito importante para falar ao Xogum Tokugawa hoje. Do contrário você jamais se atreveria a voltar aqui.
Nathan sarcasticamente responde:
- Muito perspicaz de sua parte.
Dando-lhes permissão, os guardas finalmente liberam a entrada. Levando-os pelo templo, Nathan relembra os exóticos detalhes do ambiente, desde os ornamentos à arquitetura. Vertigo se fascina também, pois nunca esteve ali antes.
Ao passarem por uma enorme porta de madeira, os três adentram o grande salão. Nathan reconhece o lugar, o infame salão onde ocorreu a decapitação de um samurai desonrado. Apesar de passado um ano, as imagens ainda são vívidas em sua memória.
Xogum Tokugawa o aguarda em pé no centro da sala, rodeado por seus mais valiosos samurais. O xogum porta duas enormes katanas em sua cintura e encara o rapaz friamente. Vendo as manchas vermelhas e escuras no piso, novamente Nathan sente medo.
Yamada o leva até poucos metros do Xogum. Nisto, os samurais ao redor se aproximam, cercando-os.
- Xogum Tokugawa... – diz Nathan – Boa noite. Em nome do Submundo, trago informações imprescindíveis ao senhor.
O líder não responde coisa alguma, ao invés ele dá ordens ao seus homens, dizendo:
- Ponham-no de joelhos!
Yamada chuta a junta de sua perna, fazendo-o cair. Então dois samurais seguram seus braços, deixando-o ajoelhado e de braços abertos perante Tokugawa. Vertigo grita também, posto na mesma posição.
Ao desembainhar uma belíssima katana de cabo enfeitado, a lâmina prateada brilha. O xogum a aponta ao pescoço de Nathan, fazendo-o suar. Antes que o rapaz pudesse fazer algo, o líder diz:
- Despendi uma quantia absurda para livra-lo dos fanáticos americanos, nossos arqui-inimigos. Te ofereci comida, abrigo e principalmente uma causa da qual valesse a pena lutar. E o que você me deu em troca? Rejeição, sabotagem, fuga e o pior de todos, desonra. Nos tornamos motivo de zombaria para nossos inimigos e infâmia para toda Sonata. Mas hoje você nos pagará por esse insulto.
Os samurais inclinam o rapaz para frente. Tokugawa levanta sua espada, preparando-se para golpear. Nathan diz:
- Espere! Eu tenho uma informação e preciso entrega-la ao senhor!
- Uma informação? Da última vez você também tinha uma informação, mas se negou a entrega-la. Por que se esforça para revela-la agora?
- Porque dela depende a sobrevivência de toda a Bushido!         
Os samurais se entreolham. Tokugawa, porém, se mantém firme.
- Cobra traiçoeira! Você agora trabalha para o pior tipo de gente em Sonata e espera que eu acredite em você? – responde ele, referindo-se à superfície.
- Eu sou o Inimigo de Estado! Me matando, você iniciará um guerra não apenas com a Submundo, mas com todas as facções que se aliaram a mim!
Nathan tem razão. Preocupados, os samurais olham para Tokugawa, que responde:
- É mentira! Te matando, a rebelião acabará. E vocês, marginais, mercenários e ladrões da superfície, perderão. E a honra da Bushido finalmente será limpa, lavada com o seu sangue.
O líder levanta sua espada.
- Ouça-me, primeiro! E então julgue se minha morte será necessária! – apela ele pela última vez – A polícia instalou morteiros pelo distrito. Seu ataque será iminente e eles já estão prontos para atacar!
Tokugawa se intriga.
- Morteiros...? Que ardil é esse, verme?
- Não é ardil nenhum, é a verdade. A polícia secretamente instalou morteiros pelo distrito Monte Fuji e pretendem ataca-los à distância. Se a Bushido não se preparar, a polícia os destruirá.
- E como você sabe disso? Como descobriu?
- Porque nós, os “marginais, mercenários e ladrões” da superfície temos mais recursos do que imagina.
Olhando para Yamada, o líder ordena:
- Kyaputen, pergunte aos sentinelas no Monte Fuji se eles têm conhecimento disso. Rápido!
- Hai! – responde ele antes de sair pela porta. 
- É melhor estar falando a verdade, rapaz. A Bushido não reage bem com quem brinca com nossa honra.
O rapaz responde:
- Eu bem sei de sua desavença, Tokugawa, mas nessa guerra todas as facções devem se unir. Temos um inimigo em comum com todo o aparato do Estado para o proteger. A Bushido não daria credibilidade ao Submundo se eu, o Inimigo de Estado, não o informasse pessoalmente.
Minutos depois Yamada retorna. Com um comunicador em sua mão, ele diz:
- Xogum Tokugawa, os sentinelas não confirmaram a informação.
- Como é?
- Não há morteiros espalhados pelo distrito.
Arregalando os olhos, os samurais veem o rosto do líder corar. Desonrado e tremendamente irritado, ele olha para Nathan e diz:
- Mentiroso...
Agora enfurecido, nada faria o líder parar. Levantando sua espada, ele novamente se prepara para decapitar Nathan. Então algo acontece.
Uma explosão é ouvida no telhado do templo. As paredes tremem e poeira cai sobre o piso.
- O que foi isso? – pergunta Yamada.
Confusos, os samurais se preparam para empunhar suas espadas e proteger seu líder. Ele, porém, olha para Nathan e o acusa.
- Foi sabotagem! Você trouxe aquele mercenário aqui para nos sabotar!
- Impossível! – protesta ele – Eu nem mesmo sei se o mercenário está vivo!     
- Vocês são espiões! – grita ele, ignorando-o.
Intentando ataca-lo, outra explosão é ouvida. O salão treme. Em seguida ocorrem outras quinze explosões, devastando o exterior do templo. Os samurais se desesperam.
- Estamos sob ataque! – brada um samurai.
O telhado começa a ruir e se desaba ao redor deles, levantando uma densa poeira no salão.
- Senhor, temos que sair daqui agora! – diz Yamada.
- Nunca! – recusa-se Tokugawa – Ficaremos aqui e defenderemos nossa fortaleza!
“Fortaleza?” pensa Nathan. “Eles realmente pensam que estão em um Japão feudal”.
Os samurais soltam Nathan e Vertigo. Agora livre, o hacker olha para o rapaz e pergunta:
- Você está bem?
- Eu pensei que ia morrer... – sussurra ele.
- Não foi a última vez. – adverte ele, de maneira pessimista.
O fogo se levanta. A fumaça e a poeira dificultam a respiração. Aproximando-se, Tokugawa puxa Nathan pelas roupas e o põe em pé.
- O que disse era verdade, rapaz?
Indicando a destruição ao redor, ele responde:
- O que você acha?
Gritos são ouvidos. Deixando o salão, uma viga se desprende do telhado e cai sobre um samurai. Preso debaixo dos destroços flamejantes, seus companheiros não podem fazer nada a não ser deixa-lo queimar até a morte. Novas explosões são ouvidas, as paredes laterais desabam.
Atordoado devido as chamas, o capitão Yamada, com muito esforço, informa:
- Senhor, nossos sentinelas encontraram os morteiros. Eles estão espalhados por todo o distrito!
Então os samurais olham para Nathan, acreditando-o.
- Separem as equipes, quero todos armados com fuzis lasers. Matem todos os policiais que encontrarem!
- Não! – grita Nathan – Não há policiais aqui. Os morteiros são controlados à distância, via ciberespaço. Vocês devem usar mísseis e explosivos se quiserem destruí-los.
Desconfiando do rapaz, o líder pergunta:
- Como você sabe de tudo isso?
Irritando-se, Nathan responde:
- Pela última vez, Tokugawa, confie em mim.
A contragosto, o líder olha para seus samurais e ordena:
- Separem os aerocarros. Quero todos equipados com torretas e prontos para atacar.      
Assentindo, os samurais correm pelo templo em chamas. Acenando para Vertigo, o rapaz intenta sair dali, mas Tokugawa o impede.
- Você vem comigo, rapaz! Se algo me acontecer, você sofrerá também.    
Levando o rapaz pelo braço, Tokugawa se dirige a um aerocarro. Vertigo é levado a força por outro samurai e ambos vão para o contra-ataque.
Minutos depois, eles sobrevoam o distrito em um aerocarro. O motorista olha para o mapa no painel e confirma as coordenadas do alvo. Ele diz:
- Tokugawa-san, alvo a trezentos metros. Solicitando permissão para o ataque.
Vociferando ao lado de Nathan no banco de trás, o líder responde:
- Pulverize-o!
Controlando a torreta, um samurai no banco do passageiro a mira para o alvo à frente. Tokugawa não vê um morteiro, mas sim um canhão antitanque esverdeado efetuar disparos aleatórios pela noite. Um segundo depois, três mísseis são disparados, voando em direção ao canhão e explodindo-o em centenas de pedaços.  
- Eram canhões! – surpreende-se o líder – Por isso causaram tantos estragos em minha fortaleza.
Encontrando mais dois, eles os destroem também. Assim como Nathan disse, não havia ninguém operando-os. Minutos depois, os outros aerocarros os contatam, dizendo:
“Tokugawa-san, os alvos foram destruídos com sucesso”.
Apertando um botão no painel, o líder abre o canal de comunicação e responde:
- Entendido. Vamos voltar.
Manobrando o aerocarro no ar, eles tentam voltar quando uma viatura policial passa por eles. De sirene ligada, a metralhadora do veículo abre fogo contra os samurais, assustando-os.
- Tokugawa-san! O senhor está bem? – pergunta o motorista.
Ignorando-o, o líder responde:
- Siga aquela viatura, agora!
Virando-se, o aerocarro persegue a viatura pelo céu. Enfiando-se entre as megatorres, a viatura atravessa perigosamente o distrito. O motorista tem dificuldade em segui-la, pois as explosões provocaram o caos nas vias virtuais e nas passarelas. Então, desligando as sirenes, a viatura se embica e mergulha pela escuridão abaixo. Os samurais veem a viatura descer rapidamente e se surpreendem.
- Senhor... – começa o motorista – a viatura desceu para a superfície. Devemos segui-la?
Olhando para baixo, Tokugawa vê a viatura policial descer e, como um fantasma, sumir na escuridão. Receoso, ele responde:
- Não. Nós já vencemos essa batalha essa noite. Acabou. Vamos voltar para a fortaleza.   

§

Horas depois, o fogo no templo estava controlado. As paredes e o telhado, porém, estavam arruinados em pilhas de brasa e entulho. Reunidos no salão principal, os samurais sabiam que não tinham tempo para se lamentar. O inimigo corporativo se levantou naquela noite, quebrando a paz delicada mantida há alguns anos no Monte Fuji. Apreensivos, todos sabiam o que aquilo significava: guerra.
- Quantos canhões haviam no distrito? – pergunta o líder.
- Quatorze. – responde Yamada.
- E quantas vítimas eles fizeram?
Pesaroso, o capitão responde:
- Vinte e três.
Respirando fundo, Tokugawa diz:
- Vamos honrar suas mortes depois, e certamente nos preparar para o luto. Entretanto, devo informar que mais mortes foram evitadas hoje, graças a um homem que, arriscando sua vida, muito bravamente veio nos alertar esta noite. – então ele olha para Nathan – Peço que saúdem a Nathan-san, o Inimigo de Estado!
Então os samurais se curvam ao rapaz, saudando-o. Lisonjeado, Nathan sorri, acenando com a mão.
- De jurado de morte a convidado de honra. Parabéns, Nathan-san. A Bushido tem uma dívida de gratidão.
O xogum lhe presenteia com uma katana. O rapaz aprecia o exótico presente, contemplando-a com muita alegria. Aproveitando o momento, o rapaz diz:
- Xogum Tokugawa, me sinto honrado e profundamente agradecido. Porém, há algo que pode fazer para retribuir o favor.
O xogum e os samurais se intrigam.
- E o que seria?
- Como todos já devem saber, as corporações retomaram o Projeto Gemini e planejam substituir a população com o Protótipo#8. Devido a esse hediondo plano, deflagrei a rebelião em Sonata, na esperança de que eles fossem impedidos. Mas não posso fazer isso sozinho e a cada dia que passa mais vítimas são feitas nessa sangrenta rebelião que eu mesmo causei. Portanto, do fundo do coração lhes peço que se aliem a nós, o Inimigo de Estado e o Submundo, para que, com a ajuda das outras facções também aliadas, nos ajudem a derrubar o governo corporativo e encerrar esse irracional e violento banho de sangue.
Nathan se cala. Um silêncio incômodo paira no templo em ruínas. Entreolhando-se, os samurais mais velhos parecem se surpreender com a notável eloquência do rapaz.
O líder pondera em silêncio. Então, cheio de honra em sua postura e sua voz, ele levanta sua cabeça e diz:
- Quando for combater o imperialismo corporativo e seus desonrados samurais da polícia, conte com a Bushido para o ajudar.
Sorrindo, Nathan aperta sua mão e os samurais os aplaudem. Em seguida, ambos se encurvam um ao outro, em típico sinal de respeito japonês.
    

domingo, 21 de abril de 2019

Sonata - Parte 39 - A Verdade Sobre as Facções



Laura e Vertigo voltam para a superfície. Levando o hacker na garupa, a garota sobrevoa as movimentadas ruas com sua aeromoto. Vertigo conversou pouco durante a viagem e manteve-se a maior parte do tempo em silêncio. Laura se intriga mas, tendo sua privacidade sempre respeitada por seu amigo, prefere não pressiona-lo tanto. Todavia, ela não esconde sua preocupação com o hacker. 
Chegando ao Submundo, ela estaciona a aeromoto na rua e prossegue pelo sinuoso beco. Vertigo a acompanha em seu incomum silêncio, ecoando seus passos pela escuridão. Entrando no bunker, muitos veem o hacker e calorosamente o cumprimentam, felizes em ter seu companheiro de volta. Laura é cumprimentada também, sendo gratificada pelo bem-sucedido serviço.   
Database aparece em seguida e, olhando para o hacker, ele pergunta:
- Você está bem?
Um pouco sério, Vertigo responde:
- Sim, chefe. Obrigado.
Database se intriga. Geralmente o hacker seria mais eloquente, mais falante, mas naquele momento ele demonstra uma frieza incomum. Após tudo o que aconteceu, Vertigo jamais responderia de maneira sucinta.
- O que aconteceu na sede dos Trans-humanistas? Eles machucaram você?
Mantendo-se calmo, ele responde:
- Não.
- Você tem certeza?
- Sim. Eles não me fizeram mal algum.
Olhando para Laura, o chefe se intriga.
- Onde esteve todo esse tempo?
- Estive no Setor T, na sede dos Trans-humanistas. Eles me mantiveram preso, mas decidiram me soltar.
- Por quê?
- Porque para eles eu não tinha valor algum.
- Está dizendo que após todo esse tempo eles simplesmente te deixaram ir?
- Sim. Não havia razão para me manterem preso. Era Nathan quem eles queriam.
Database se confunde e não sabe o que dizer. Por fim ele diz:
- Fico feliz que você esteja bem, mas vou ter que fazer exames em você. Preciso averiguar sua saúde e garantir que você realmente esteja bem.
Vertigo se opõe.
- Não há necessidade. Eu não estou ferido.
- É um procedimento padrão, você já deve saber.
- Mas eu estou bem.
- Então me deixe examina-lo. Por segurança.
Então, pela primeira vez, o hacker sorri.
- É por isso que quer me examinar, não é? Não por minha saúde, mas por segurança?
Database o provoca.
- Alguma objeção?
- Não, mas eu posso me recusar, se eu preferir.
Desta vez é Database quem sorri.
- Sim, pode. Recuse-se, saia pela porta, se quiser. Mas cedo ou tarde você acabará aqui, acordando em minha sala de exame, por bem ou por mal.
Ao demonstrar autoridade, os runners se intimidam. Raramente eles viam seu chefe irritado, e era melhor mantê-lo assim.
- Se você insiste. – responde ele, fingindo consentir.
Deitado na mesa cirúrgica, o hacker é envolvido pela sonda eletromagnética. Luzes brilhantes percorrem seu corpo, procurando por sinais externos ou internos de agressão.
Olhando pela janela do lado de fora, Laura e Database o observam. O chefe pergunta:
- Os mecanicistas te deram problemas?
Sem desviar o olhar de seu amigo, ela responde:
- Não. Na verdade, não encontrei nenhum.
Assentindo, ele olha para Vertigo e pergunta:
- O que aconteceu com ele? Ele disse algo a você?
- Não, nada. Ele está estranho desde quando o encontrei.
Ponderando, Database diz:
- Se houver algum implante de controle mental nele, os exames acusarão.
- Você acredita que ele pode estar sendo controlado?
- É provável. Devemos nos lembrar que Nathan quase foi implantado à força cirurgicamente. Se você não o salvasse, nós o teríamos perdido.
Laura concorda.
- Se os mecanicistas fizeram algo com Vertigo, eu vou matar cada um deles.
O chefe sorri.
- Então você vai precisar de armas bem grandes.
O exame termina. Entrando apressadamente na sala, Database averigua o relatório no computador. Sua expressão é de desânimo. Aproximando-se, a garota pergunta:
- E então? Foi encontrado algo?
Respirando fundo, o chefe responde:
- Não. Os exames não encontraram nada.
Então Laura se confunde também. Apesar da forte desconfiança, ambos não podiam provar.
Levantando-se, Vertigo veste seus calçados e diz:
- Acreditam em mim agora?
Irritado, Database o encara, mas não diz nada.

§

Em um aerocarro dirigido por ateístas, Nathan é levado de volta à superfície. Pensativo, ele segue a viagem em silêncio, lembrando-se dos momentos antes de deixar a sede da Frente Ateísta.
Levando-o a um galpão, Dawkins lhe disse:
- Aqui é onde armazenamos nosso arsenal. Este é o poderio militar de nossa facção.
Então o rapaz vê as milhares de armas enfileiradas e as munições empilhadas junto às paredes. Semelhantes aos Trans-humanistas, os ateístas também têm exoesqueletos e armaduras de combate à disposição. Caminhando pelos armamentos, Nathan vê um drone em uma mesa. Havia algo escrito na fuselagem. Aproximando-se, o rapaz lê a famosa frase de Iuri Gagarin, que diz: “Olhei para todos os lados, mas não vi Deus”.
Nathan fica boquiaberto. Ele pensa: “E tudo isso na mão desses arruaceiros?”.
Parando em uma plataforma elevada, eles sobreolham o galpão. Dawkins comenta:
- Sei no que está pensando. Você acha que eu estou dando armas para os macacos, não é mesmo? Não é nada disso, nossa facção é mais séria do que imagina e temos todos os meios para sermos ouvidos. – mudando de assunto, ele diz – Eu sei que você já selou uma aliança com os Clérigo do Recomeço. Me responda uma coisa, Nathan. O que você fez para convencer aqueles fundamentalistas a se aliarem a você?    
Lembrando-se do atentado, o rapaz novamente se empalidece.
- Eu... – gagueja ele – Apenas os convenci das vantagens de se trabalhar com o Submundo.
Encarando-o, o líder percebe o medo em seu olhar.
- Não precisa ter medo, Nathan. Apesar de nós e os clérigos sermos inimigos mortais, você é o determinado Inimigo de Estado, preocupado apenas em combater a sua rebelião.
Suando, o rapaz responde:
- Está bem.
- E então? – insiste o líder – O que você fez aos clérigos?
- Eu apenas os convenci. Talvez eles também tenham interesse, pois aceitaram facilmente assim como a Resistência Purista.
- Simples assim?
- Sim.
Dawkins assente.
- Nesse caso, deixe-me lhe falar algo sobre esses fundamentalistas. Os Clérigos do Recomeço vivem em um delírio religioso e espalham suas doutrinas nos territórios em que eles controlam. São contraditórios e violentos, pois pregam a paz e promovem a guerra. Eles dizem existir um deus benevolente e bondoso, mas na verdade adoram um deus inventado, de moralidade flexível, originado nas mentes dos cardeais e seu líder. Sua conduta é imoral e vitimista, pois forjam atentados terroristas para reforçarem sua narrativa de perseguição religiosa. Por acaso você ficou sabendo de uma explosão em uma escola?
O rapaz imediatamente se lembra. Os clérigos o mostraram aquele atentado covarde em que se feriram mulheres e crianças.
- Sim.
- Aquele foi um atentado falso, forjado para jogar a culpa em nós, a Frente Ateísta.
Nathan não acredita.
- Não pode ser. Eu vi o vídeo, as vítimas jaziam mortas no chão.
- Eram falsas. Os clérigos encenaram a explosão. Se tivéssemos cometido um atentado tão covarde, você não acha que a polícia não viria atrás de nós, com a fúria do povo e sedentos de sangue, para esmagar nossa organização?
O rapaz pondera. “Nada tão sanguinário sairia ileso assim” pensa ele.
- Como que crianças encenariam algo com tamanha perfeição? – pergunta ele.
- Talvez não seja totalmente uma encenação. Lembre-se que eles são radicais religiosos. Eu não duvido que eles tenham usado bombas não-letais para simular uma explosão. De qualquer forma haveriam feridos, mas não fatalmente.
Nathan se confunde. “Será que os clérigo me manipularam?” pensa ele.
- Eu não consigo acreditar.
- Acreditando ou não, os fundamentalistas explodiram um hospital em nosso território. E esse, Nathan, foi bem real.
O rapaz arrisca uma pergunta:
- Houveram vítimas?
Dawkins sorri.
- Dezenas. Vinte e sete mortos e quarenta e quatro feridos.
Nathan arregala os olhos. Pensativo, ele não consegue acreditar que foi enganado pelos clérigos. Por outro lado, os ateístas são radicais também, só que antirreligiosos. Nessa luta ideológica, ambas as partes forjariam provas para se justificar. “E se Dawkins estiver mentindo?” pensa ele. “E se o atentado realmente aconteceu e ele está escondendo-o?”. Nathan não sabe em quem acreditar.
- Droga... – sussurra ele. O mundo das facções é mais sujo do que ele pensa.
Um minuto se passa. Observando o arsenal lá embaixo, Dawkins diz algo sem olha-lo nos olhos. 
- Você tem sua aliança, Nathan. A Frente Ateísta aceita trabalhar com o Submundo.
Surpreendido, o rapaz não sabe o que dizer.
- Eu... – hesita ele – o agradeço, senhor Dawkins.
O rapaz se alegra, pois mais uma vez a rebelião se aproximava do fim.
- Mas eu devo te alertar uma coisa. – continua ele, preocupando-o – Entre as facções nunca haverá paz, não agora e nem depois da rebelião. A Frente Ateísta jurou vingança contra os Clérigos do Recomeço, as vítimas do hospital nos clamam isso. Nós já temos espiões trabalhando no caso. Quem quer que o tenha explodido, vai pagar caro pelo que fez.
Então Nathan se sente em perigo.
- Eu compreendo. – responde ele, arduamente.
- Considere minhas palavras, Inimigo de Estado. A paz que tanto almeja não passa de uma ilusão. Lembre-se disso quando vencermos, e se vencermos, a rebelião.
O rapaz assente, sentindo um gosto amargo em sua boca. Minutos depois eles se despedem e os ateístas o levam embora da sede da Frente Ateísta.     

§

Pousando próximo ao Mystique, Nathan deixa o veículo e se despede dos ateístas. Levantando voo, o aerocarro se eleva entre as plataformas e tubos, deixando a superfície.
Caminhando pelas ruas, o rapaz se alegra ao finalmente voltar para casa. Entretanto, algo o incomoda, ele se preocupa com Maynard. “O que será que te aconteceu, seu mercenário ardiloso?” pensa ele.
De volta ao Submundo, ele é recebido com surpresa e admiração. Os runners não esperavam reencontra-lo vivo novamente, não depois do massacre na manifestação. Uma runner se aproxima e diz:
- Nathan, você está horrível. – ela se refere às suas roupas sujas.
Outro runner lhe diz:
- No que estava pensando indo lá em cima sozinho? Virou um suicida?
Esboçando um sorriso, ele responde:
- Ainda não. O Database está aqui?
- Sim, está. – então o runner lhe informa – Nathan, temos boas notícias. O Vertigo voltou... E Laura também.
O rapaz se paralisa.
- Onde eles estão?
- Na sala médica.
Apressando-se, Nathan percorre os corredores, deixando-os para trás.
Parados em frente à sonda eletromagnética, o rapaz vê Database, Vertigo e Laura conversando. Abrindo a porta, os três olham para ele, mas Nathan só consegue ver uma pessoa à sua frente. Ele sussurra:
- Laura...
A garota faz um semblante irritado e cruza seus braços, em linguagem corporal rejeitando-o.
- Nathan, você está bem? – pergunta Database, preocupado.
- Sim, eu acho. – responde ele, olhando para suas roupas sujas de sangue.
- Nathan, você não tem sete vidas. Se continuar se arriscando assim, você morrerá.
- Eu sei, chefe. Na verdade, eu tenho muito a lhe dizer.
Vertigo então o interrompe.
- Eu também tenho algo a lhe dizer, Nathan. Os Trans-humanistas aceitaram a aliança e também trabalharão com o Submundo.
Então Database e Laura se entreolham.
- Vertigo, por que você não me disse isso antes?
- Porque esta era uma mensagem pessoal para o Inimigo de Estado.
Intrigado, ele pergunta:
- Pessoal? De quem?
- De Huxley, o líder dos Trans-humanistas.
Ainda intrigado, o chefe diz:
- Nathan e Vertigo, vamos para a minha sala, vocês têm muito a me dizer. E Nathan – chama ele, olhando para o rapaz e para Laura –, você poderá cuidar de seus assuntos depois.

   

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Sonata - Parte 38 - Frente Ateísta



Distinguindo-se na metrópole, o distrito de Aquarius – Setor F tem poucas megatorres. Ali a superfície é visível, não tendo a luz solar obstruída pelos enormes monólitos de concreto e aço. Entretanto, inúmeros viadutos ferroviários cruzam o céu, sustentados por seus robustos pilares. As longas pontes se estendem por quilômetros, encobrindo largas porções da superfície e ironicamente obstruindo a luz solar, assim confinando os níveis inferiores à escuridão.
Debaixo dessas largas pontes e protegidos pela vigilância inimiga, encontra-se a sede da Frente Ateísta. Aproveitando as estruturas remanescentes, os ateístas construíram sua fortaleza escondida, o quartel-general de onde eles promovem sua militância.
Nathan é trazido ao local. Descendo pelas profundezas do distrito, os propulsores do aerocarro levantam poeira enquanto se aproximam da área de pouso. Alguns sectários se aproximam, portando armas lasers em suas mãos. A porta se abre e Nathan deixa o veículo, finalmente pisando em terra firme após a longa viagem.
Deparando-se com a sede ateísta, o rapaz tem uma grande surpresa. À sua frente ele vê um prédio rústico, construído debaixo dos viadutos ferroviários acima. Ao seu redor há cercas de arame farpado e vários barris com fogueiras dentro, espalhados pela área externa. Nathan se sente na vizinhança do Mystique, pois os sinais de sujeira e improviso eram idênticos.      
Os guardas da sede se aproximam para escolta-lo. O rapaz nota que eles têm uma aparência arruaceira, pois todos se assemelhavam àquele grupo que o encontrou na superfície da Cúpula Corporativa. Os guardas vestem coturnos, roupas camufladas e jaquetas de couro, e Nathan nota que os dois têm moicanos vermelhos em suas cabeças. Eles então dizem:
- Siga-nos, por favor.
Seguindo-os pelo pátio, o rapaz nota que todos eles têm um símbolo “A” estampado em suas roupas. Então o rapaz percebe. O símbolo não queria dizer Anarquia e sim “Ateísmo”, alterando levemente o “A” original.
Entrando no prédio, os homens de cabelo moicano o guiam pelas escadas. Pelos corredores e salas, Nathan vê algumas paredes pichadas e vários cartazes políticos. Passando pelo refeitório, ele nota que o vasto ambiente demonstra sujeira, como se aquelas pessoas não se importassem com a higiene. Os dormitórios são mal organizados e as salas de servidores tem seus fios espalhados pelo chão. Mas, apesar da desorganização, todos ali estavam fortemente armados.
Chegando ao último andar, os guardas lhe indicam a sala do líder. Ao entrar, o rapaz se surpreende. Diferente do resto do prédio, a sala era limpa e bem organizada. Nathan vê vários diplomas na parede, assim como vários retratos do líder com pessoas influentes. O líder, porém, estava ausente.
- Sente-se, por favor. Nosso chefe já está a caminho. – diz um dos guardas.
Nathan se senta em uma confortável poltrona. Enquanto espera, ele nota que aquela sala tinha muitos luxos. Uísques, charutos, vinhos, e na parede à frente, um grande quadro com o “A” de ateísmo.
Alguns minutos depois o líder entra. Nathan vê um homem velho, de aparentemente cinquenta anos, vestindo elegantes roupas sociais. Era como se o líder fosse outro visitante, um intelectual no meio dos sectários arruaceiros. Ao vê-lo, o rapaz se levanta e o líder respeitosamente o cumprimenta.
- Boa tarde, senhor Nathan. Como vai?
Lembrando-se de seu terrível dia horas atrás, Nathan responde em tom de alívio:
- Bem, graças a Deus.
Então os homens se irritam. Com o pesado silêncio dominando o ambiente, o rapaz pode ver o ódio crescente em seus olhos, mas bravamente disfarçados atrás de suas faces.
- Perdoe-me. Eu não quis dizer isso.
Ignorando-o, o líder se apresenta.
- Meu nome é Bertrand Dawkins. Sou o líder da Frente Ateísta.
Apertando-lhe a mão, o rapaz responde:
- Nathan Hill. Prazer em conhece-lo.
O líder se senta e enche dois copos de uísque. Jogando algumas pedras de gelo, Dawkins o serve ao rapaz.
- E então? – pergunta ele – Ouvi dizer que você gostaria de falar comigo?
- Sim. Em nome do Submundo, eu venho propor uma aliança com a Frente Ateísta.  
Dawkins não responde, ao invés disso ele fita Nathan nos olhos e bebe um gole de seu uísque. Então o rapaz bebe também, acompanhando-o. Para a surpresa do líder, o rapaz não se incomoda com a ardência do líquido, pois após um ano vivendo na superfície, Nathan já havia se acostumado à bebida forte.
- Antes de falarmos disso, devo dizer que é uma tremenda honra recebe-lo aqui. Eu jamais imaginei que receberia o Inimigo de Estado em minha sede.
Nathan se sente lisonjeado. Não é frequente que ele é elogiado por um homem tão mais velho.
- Obrigado.
- Porém – continua ele – eu preciso te perguntar uma coisa. Você é um agitador ou um militante?
O rapaz não compreende.
- O que quer dizer?
- Na manifestação, meus soldados me disseram que você provocou um violento confronto, causando um verdadeiro massacre por parte da polícia. Também me disseram que você estava praticamente sozinho, protegido por apenas um amigo, um mercenário, talvez? – o líder respira fundo e conclui – Depois de tudo o que aconteceu, eu sinceramente não sei dizer se seu ato foi deliberado ou apenas irresponsável mesmo.
Nathan se irrita. As facções se aproveitam de sua posição vulnerável para o insultar. Cansado dessa esparrela, ele olha para Dawkins e responde:
- Não foi deliberado e muito menos irresponsável. Eu já disse, foi um acidente.
O líder pondera.
- Eu concordo que foi um acidente, um acidente você se tornar o Inimigo de Estado, mas o massacre na manifestação? Não, isso não foi um acidente, isso foi irresponsável mesmo. – reitera ele, provocando-o – Você é idolatrado lá em cima, as pessoas te veem como um herói, um libertador. Talvez você ache justo usar a vida de inocentes para combater em sua rebelião, mas preciso saber se você fará o mesmo conosco, os soldados da Frente Ateísta.
- O quê?! Eu não estou usando a vida de ninguém. Meus objetivos são claros e nunca os escondi das pessoas. Eu combato a ameaça do Protótipo #8 e do Projeto Gemini.
- Mas, discursando isso sobre uma pilha de cadáveres, não me parece muito convincente. Portanto eu refaço a pergunta: você é um agitador ou um militante?
O rapaz não sabe o que responder. Ele arrisca.
- Sou um militante.
Apoiando-se na mesa, o líder sorri.
- Então temos algo em comum. Os seus companheiros runners também estão dispostos a morrer em sua rebelião?
- Nossa luta não é pela morte e sim pela vida.
- Nunca subestime o poder dos mártires, senhor Nathan. Se quiser vencer, você precisará deles. – ele continua – Por acaso você conhece a nossa facção?
O rapaz estudou alguns pontos importantes sobre os ateístas, mas com a constante luta nos níveis superiores, ele não teve tempo para se aprofundar no assunto.
- Eu ouvi dizer que vocês lutam por um Estado antirreligioso.
Dawkins concorda.
- Precisamente. Antes da Catástrofe de 2057 nós lutávamos contra o preconceito e a discriminação que os ateus sofriam. Em um mundo moderno, passivo de profundas mudanças sociais impulsionadas pelo avanço científico, a mera possibilidade da inexistência de um deus apavorava os fundamentalistas. Mas eles não permitiriam que esse formidável progressismo se instaurasse tão facilmente. Campanhas de ódio e difamação foram feitas, mas nós diligentemente as combatemos, usando suas próprias leis contra eles mesmos.
- Quais leis? – pergunta Nathan.
- A garantia da liberdade religiosa, incondicional e irrestrita, e a manutenção do Estado Laico.
Com a mão no queixo, o rapaz balança positivamente a cabeça. Dawkins então continua.
- Através de nossa militância, nós retiramos todas as representações religiosas dos espaços públicos. Imagens, santos, símbolos, livros sagrados, tudo foi tirado. Com a lei ao nosso lado, perseguimos nossos perseguidores, abolindo sua influência da sociedade e com ela sua arcaica noção ética e moral. Pouco a pouco implantamos o secularismo, finalmente nos aproximando do pleno Estado antirreligioso. Em outras palavras, nossa militância representava o novo Renascentismo!
O líder se empolga ao falar de suas convicções. Nathan não pode fazer nada a não ser ouvir.
- Mas... – continua ele – Veio a Catástrofe de 2057 e todo o nosso empenho se perdeu.  
O rapaz pergunta:
- O que aconteceu?
- Em 2057 nossa inevitável vitória foi interrompida. Com a devastação do mundo, nossa militância se perdeu. Mas felizmente, com a construção da metrópole, eu, Bertrand Dawkins, a retomei e sozinho a reconstruí, fundando e gerindo toda essa organização que você está vendo hoje.
Nathan se confunde.
- Está dizendo que você sozinho reconstruiu uma organização ateísta inteira, pré-2057?
Convictamente, o líder responde:
- Sim.
Impressionado, o rapaz comenta:
- Mas do jeito que você fala, me parece que o ateísmo militante da época era composto de cientistas sociais, intelectuais, professores e filósofos, e não desses arruaceiros aí fora.
Os guardas se ofendem, mas Dawkins acena com a mão, contendo-os. Pedindo-os para sair, o líder explica:
- Concordo que a aparência de meus soldados não correspondem com o brilhantismo de nossa ideologia, mas não se engane, senhor Nathan. O que lhes falta em intelecto lhes sobra em vontade. A juventude é abundante em algo que nos carece com o passar dos anos: força de vontade. Confesso que tive dificuldades em convencer esses jovens a se juntar à minha causa, mas ainda assim pude lhes mostrar os malefícios do teísmo e do efeito nocivo da fé. E esses, como você disse, arruaceiros e vagabundos de hoje, serão os ideólogos da militância ateísta amanhã.
Nathan pergunta:
- Você tem certeza que será prudente substituir a moralidade objetiva pela subjetiva?    
Surpreendendo-se com seu conhecimento, Dawkins responde:
- Que objetividade? O conceito de uma divindade plenipotente e universal lhe parece lógico? Quantas religiões haviam no mundo até 2057? Umas cinco mil. E quantos deuses haviam? Multiplique esse número por três. Vai me dizer que cada um deles tem uma objetividade diferente, estando todos acima de nosso próprio senso moral? – ele pausa para o rapaz ponderar um pouco – Não, senhor Nathan. Deuses podem ser inventados. De fato, eles foram criados na mente de profetas, sacerdotes, mártires e outros fundamentalistas. Eis aí sua existência, na mente de quem os cria e de quem os acredita.
O rapaz aprecia a resposta, mas em seguida ele faz outra pergunta:
- Mas o senhor considera o fato de que eles podem ser úteis em uma sociedade doente?
- Não, eles que são a doença. Deuses foram criados para a alienação intelectual e controle social, nada mais. A fé é um artifício irracional e ilógico que amortece as massas quanto ao verdadeiro problema, o teísmo. Por esta maneira, combato inclusive o agnosticismo, pois apesar de não poderem comprovar a existência de um deus, eles admitem a possibilidade deles existirem. E não existem.
- Então os deuses foram criados unicamente para controlar as massas?
- Sim, e foram muito eficientes em seus efeitos. É como disse o filósofo iluminista Voltaire: “se deus não existisse, seria necessário inventa-lo”.     
- Interessante. – diz Nathan.  
- Implantar o Estado Laico é a libertação de qualquer sociedade. Religião não é a solução e sim o problema. A fé não dá respostas, só impede perguntas. No Laicismo pleno, não haverá deuses ou reis, apenas o Homem.
Novamente Nathan acha muito atraente a convicção ateísta.
- Mas estará o Homem preparado para viver sem a noção protetora de um deus?
Sorrindo, Dawkins responde:
- É claro que sim. Como disse Nietzsche em sua teoria do Übermensch, “Deus está morto!”. Quando a humanidade finalmente perceber isso, tirará do fundo de sua própria essência a capacidade para criar seus próprios valores niilistas, livre das crenças compassivas e póstumas promovidas pelo fundamentalismo.
- Uma sociedade baseada em fortes e fracos, onde os mais fracos serão esmagados pelos mais fortes? – provoca Nathan.
- Não, uma humanidade livre do medo para buscar um real significado na vida.
O rapaz não concorda com tudo o que Dawkins disse, mas confessa achar tudo aquilo muito interessante. O líder da Frente Ateísta é um homem muito inteligente e com muita cultura, os diplomas nas paredes comprovam isso. “Porém” pensa ele, “pode a inteligência justificar a violência e o fanatismo?”.
- Admiro sua inteligência, senhor Dawkins, mas gostaria que ela não fosse usada para o terrorismo.
Ao ouvi-lo, o líder relativiza.
- O que é a violência para um soldado niilista? Na implantação do Estado secular laico, valores compassivos não devem existir. É como disse Maquiavel: “os fins justificam os meios”. Se quisermos suplantar a noção de deuses, devemos ter valores diferentes deles. Nossa facção é pequena, meus soldados são arruaceiros violentos, mas nossa causa é nobre. Queremos a libertação do Homem. Se não combatermos fogo com fogo, como poderemos prevalecer?
Para Nathan, todas as facções são maquiavélicas, pois todas defendem o extremismo. Não importa a ideologia ou doutrina, em sua luta pela revolução, “os fins justificam os meios”.
- Entendo o seu ponto de vista. Não estou aqui para criticar, na verdade. – responde ele, tentando parecer diplomático.
Acendendo um charuto, o líder expele a fumaça e então diz:
- Fico feliz que tenha entendido. As facções de Sonata, a Frente Ateísta incluída, têm causas e objetivos bem definidos. Mas não posso dizer o mesmo do Submundo.
- O que quer dizer?
Dawkins pega outro charuto e o oferece ao rapaz. Ele logo o aceita, pois nunca havia fumado um antes. Em silêncio, o líder apenas o observa enquanto ele tenta – sem a menor experiência – acender o charuto com o isqueiro. Quando finalmente consegue, Nathan traga a fumaça para dentro dos seus pulmões. A reação a seguir é hilariante, pois o rapaz tosse inúmeras vezes, envolvendo-se na mesma fumaça que ele acabara de tragar. Dawkins, porém, se mantém sério.
- Eu quero dizer – responde ele, ignorando a vergonhosa reação dele – que eu conheço a causa do Submundo, toda a Sonata conhece. Mas eu não conheço seu objetivo.
- Objetivo...? – pergunta ele, enquanto tosse.
- O que pretendem fazer, Nathan? O que pretendem se, hipoteticamente, o Submundo e as facções vencerem a rebelião?
Nathan não sabe o que responder. Essa etapa era tão improvável que ele havia focado apenas na coalisão, que era tão improvável quanto.
- Eu não sei.
- Não sabe? – insiste ele.
- Não. – ele tem uma ideia – Talvez fomentar a partilha de Sonata.
Dawkins deixar escapar um sorriso.
- De fato, é uma ideia interessante, mas impraticável. As facções são organizações antagônicas, heterogêneas entre si. Se as corporações caírem, Sonata será pequena demais para todas. Quer saber o que eu penso, senhor Nathan? A violência não cessará com o fim da rebelião, muito pelo contrário, continuará pior do que nunca, afundando a metrópole em uma extensa e sangrenta guerra civil.
Essa mera ideia assombra o rapaz.
- Tenho esperança que após o fim das corporações, as facções poderão conviver em paz.
Meneando negativamente a cabeça, Dawkins responde:
- Paz? Deixe-me dizer o que a Frente Ateísta fará após a rebelião: vingança! Nos vingaremos dos nossos arqui-inimigos, os Clérigos do Recomeço. As forças de segurança não irão mais nos atrapalhar, partiremos para uma guerra aberta, feroz, implacável em nosso intento. Vamos destruir sua pífia crença medieval, queimaremos sua sede e exterminaremos seus membros. A razão vencerá a fé, ninguém mais será enganado pela ilógica crença fideísta. A Frente Ateísta vencerá!
Dawkins vocifera, havendo ódio em sua voz. Pela primeira vez, Nathan vê o fanatismo em seu olhar, oculto por trás de sua elegância.
- Apesar de lutarmos pela paz, vocês ainda pretendem se vingar?
- Definitivamente. E não esperaremos a rebelião acabar para isso. - diz ele, referindo-se a algo mais recente - Nós encontraremos o responsável pela explosão do hospital em nosso território, destruído dias atrás. E quando o pegarmos, a “salvação” será a única coisa que ele desejará receber.
Apavorado, Nathan se empalidece.
Levantando-se, o líder gentilmente diz:
- Vamos, Nathan. Vamos andar um pouco.


quarta-feira, 3 de abril de 2019

Sonata - Parte 37 - O Início da Caçada


(Arte de Marcin Jakubowski)

Nathan acorda. Sentindo dores em seu corpo, ele se vê ferido e dolorido. Ao seu lado, ele vê Maynard desacordado. Balançando-o, ele o chama mas o mercenário não reage, mantendo-se inconsciente. O cheiro do revestimento queimado lhe causa incômodo, mas o fogo na lataria já havia se apagado, soltando apenas a desagradável fumaça.
Puxando a maçaneta, a porta não se abre. Nathan desconecta seu cinto e então a chuta, fazendo a porta se abrir. Saindo do aerocarro, ele se vê em um lugar escuro e deserto. Muitos detritos estão espalhados pelos local, denotando abandono e sujeira. Olhando para cima, ele vê a tênue luz do dia infiltrando-se através das altas torres de Sonata. O rapaz também ouve o som dos drones voando e das bombas se estourando. Nos níveis superiores, o confronto ainda ocorria.
Aquela era a superfície do distrito da Cúpula Corporativa. Nathan não conhecia aquele lugar. Apesar da superfície ser um local vasto, proibido aos cidadãos e evitado pelas autoridades, o rapaz acha muito improvável que alguma subsociedade tenha se formado aos pés da sede do governo.
Nathan acha aquela situação muito semelhante ao seu desafortunado dia no Setor L. Deixando Maynard no carro, ele caminha procurando por ajuda. As grossas tubulações industriais e as telas de arame farpado dificultam seu caminho, mas para ajudar o agente, ele deve prosseguir.
A falta de luz impede seu avanço, as passagens e becos se estendem pela escuridão. Sozinho e desarmado, ele sente sua determinação minar. Pegando seu comunicador, ele tenta liga-lo, mas percebe que o aparelho foi danificado na queda. Mesmo o aerocarro de Maynard não funcionava devido ao impacto. Desta vez ele não teria a vital ajuda do Submundo.
Sentando-se, Nathan descansa um pouco. Se ele tivesse que ajudar Maynard, ele teria de voltar aos níveis superiores. Olhando ao redor, ele tem uma desagradável constatação. As paredes das megatorres são muito lisas e as plataformas de manutenção estão a muitos metros acima do solo. Incapaz de escalar e sem o conhecimento básico para a escalada, ele pensa: “como eu queria ser um runner agora...”.
O rapaz se levanta e prossegue sua caminhada. As bases das megatorres mudam de aspecto e ele vê inúmeras pichações nas paredes. Algumas palavras são legíveis, mas outras são indecifráveis devidos às suas letras estilizadas. Nathan se anima. “Se há pichações aqui, então pessoas devem viver nessas profundezas”.
Nathan se sente observado, mas nada vai fazê-lo parar. Cada minuto perdido é um minuto a menos na vida de Maynard. Pessoas se movem na escuridão, a iminência do perigo o agita. Então algo acontece.
O rapaz ouve sons de algo batendo contra o chão, como se fossem tacos de madeira. E então ele ouve o som de correntes e barras de aço sendo batidas também. Holofotes são acesos no alto das paredes e tudo fica nítido, finalmente. As sombras se personificam e ele reconhece cerca de dez pessoas se aproximando com barras de aço, tacos de madeira e correntes em suas mãos. Homens e mulheres vêm em sua direção, vestindo blusas, jaquetas e coturnos militares. Nathan se surpreende, alguns têm cabelos coloridos ou longos cabelos moicanos. Era como se fossem runners, mas de aparência muito mais violenta e agressiva.
Além das armas brancas, aquelas pessoas também carregam armas de fogo e de laser. Rendendo-se, o rapaz levanta suas mãos. Um homem com tinta preta abaixo dos olhos – como se fosse um jogador de futebol americano – fuma seu cigarro e então assopra a fumaça em seu rosto. Ele pergunta:
- Quem é você, cara?
O rapaz pode sentir o forte hálito de álcool e cigarro no homem. Ele responde:
- Eu sou Nathan Hill. Por favor, peço que não atirem...
- Cale a boca! – interrompe ele – Você só vai falar quando eu mandar, entendeu?
O rapaz se irrita. Olhando para suas jaquetas, ele vê um símbolo estampado, um “A”, aparentemente. “Anarquistas?” pensa ele.
O homem novamente pergunta:
- O que você está fazendo aqui?
- Eu sofri um acidente. O aerocarro do meu amigo foi atingido por um míssil, um Securitron o atingiu, e então nós caímos aqui.
- Um Securitron? Você esteve na manifestação?
- Sim. – responde ele – Estávamos de partida, mas fomos atingidos antes. Meu amigo está gravemente ferido, vocês precisam ajuda-lo, por favor!
O homem olha para alguém atrás dele. Virando-se, Nathan vê outro homem parado ali, vestindo uma máscara de hóquei e com uma faca de caça em sua mão. O mascarado meneia negativamente sua cabeça, descreditando seu relato.
Pegando uma barra de aço, o interrogador olha para ele e diz:
- Está vendo essa barra? Eu já esmaguei muitos crânios dos meus inimigos com ela. E você também é meu inimigo, pois veio aqui para nos espionar. Você é um espião!
Então os homens o põem de joelho. Nathan grita:
- Espere! Eu não sou um espião! Eu sou Nathan Hill, sou o Inimigo de Estado!
Os arruaceiros se entreolham. Ignorando-o, o homem ordena:
- Segurem-no!
Segurando seus braços, o homem se prepara para golpeá-lo. O rapaz se desespera.
- Zack, espere!
Todos se interrompem. Uma mulher, de cabelos roxos e com a lateral de sua cabeça raspada, estende a mão e diz:
- Eu conheço ele, sua imagem está em toda a rede corporativa. Ele realmente é Nathan Hill, o Inimigo de Estado.   
O tal Zack olha para ela e pergunta:
- Você tem certeza?
- Absoluta. A manifestação lá em cima era para ser pacífica e só se intensificou por sua causa. Foi Nathan quem provocou tudo aquilo.
Então o sentimento de culpa invade a mente de Nathan.
- Nesse caso... – diz ele, levantando-o pelas roupas – eu peço desculpas.
Ajeitando-se, o rapaz se alivia.
- Vocês tem um jeito bem peculiar de receber os estranhos.
- Estranhos? - sorri ele - Estamos em guerra, cara. Não há estranhos na guerra, apenas inimigos e espiões.
- Quem são vocês, afinal? – pergunta o rapaz.
- Somos membros da Frente Ateísta.
Ao ouvi-lo, o rapaz se assombra. A Frente Ateísta é conhecida por ser uma facção impiedosa e fanática, agindo de forma violenta em seu fundamentalismo antirreligioso. Adicionado a isso, dias atrás Nathan foi o responsável pela explosão de um hospital no território deles. Lembrando-se do atentando terrorista, ele sente o seu corpo tremer.
- O que você está fazendo aqui embaixo, Nathan? – pergunta a mulher que lhe salvou a vida.
- Eu sofri um acidente. – repete ele – Um Securitron nos atingiu e caímos aqui. Eu não esperava entrar no território da Frente Ateísta.
- Não, não estamos em nosso território. – responde Zack – Viemos infiltrados à manifestação para armar os manifestantes e agita-los contra a polícia.
- Nossa intenção era causar um tumulto. – continua e mulher – Mas com você lá em cima nem precisamos. Sua presença foi o bastante para incita-los à desordem. Foi um verdadeiro banho de sangue, eu devo dizer. Você deve estar muito orgulhoso, não?
Nathan pensa que ela está sendo irônica, mas ela não estava. Todos falavam sério e olhavam para ele com certa satisfação.
- Fiquei sabendo – diz Zack, mudando de assunto – que você vem fazendo alianças com as outras facções. Isso é verdade?
- Sim. Eu pretendia me encontrar com os ateístas também, mas em outras condições. Para vencermos as corporações, as facções devem se unir.
Novamente os ateístas se entreolham. O homem pergunta:
- Você acha que a nossa facção aceitará uma aliança com o Submundo?
- Eu espero que sim. Se houver condições, nós podemos negociar.
Surpreso, Zack levanta suas mãos, dizendo:
- Ei, eu sou só um soldado raso! Não sou eu quem vai decidir se aliar ou não.
- Talvez devêssemos leva-lo à nossa sede. Nosso chefe vai adorar receber o Inimigo de Estado em pessoa. – sugere a mulher.
Então todos sorriem, concordando.
- Você é uma lenda viva, cara! – diz alguém.
- Um verdadeiro herói de Sonata. – complementa outro.
- E pensar que eu quase matei ele... – comenta Zack, não dando a mínima para a sua vida.
Os ateístas riem, conversando entre si. Nathan intervém, dizendo:
- Eu agradeço a consideração, mas eu realmente preciso ajudar o meu amigo.               
Olhando de volta para ele, Zack fica sério e então responde:
- É claro. Nos mostre o caminho.    
Levando-os de volta, ele passa pelas mesmas passagens e becos escuros de antes. Nathan se sente o líder daqueles arruaceiros e extremistas, pois eles marchavam com autoridade e imponência, não se importando em serem cautelosos ou discretos.
Chegando ao aerocarro, o rapaz se intriga. Maynard não estava lá.
- Nathan, o que houve? – pergunta Zack.
- Eu não entendo. Meu amigo não está aqui...
Revistando o aerocarro, ele vê apenas o assento do motorista vazio. Haviam algumas manchas de sangue pelo estofado e pelo painel, mas nenhum sinal do agente.
Olhando ao redor, Nathan põe as mãos na cabeça e não sabe o que fazer. 

§

Horas antes, Burton caminha pela superfície. Sob seu sobretudo, ele carrega muitos recursos. As ondas de calor o levaram até aquele ponto, se o aerocarro caiu em algum lugar, ele deve estar ali. Vestindo seu óculos de visão noturna, ele enxerga claramente o caminho a seguir.
Sons são ouvidos à distância. Escondendo-se atrás das robustas tubulações industriais, ele espia o escuro ambiente e encontra um rapaz andando sozinho pela superfície. É Nathan. Tomando cuidado para não ser visto, Burton então o segue.
Entre as bases de algumas megatorres, Nathan é capturado por um bando de arruaceiros portando armas brancas. A situação se complica mas, ao ver que são muitos e que alguns portavam armas de fogo, Burton prefere manter distância.
Ligando um gravador, o policial capta a conversa do grupo. Ao se identificar, os arruaceiros poupam sua vida. Eles também se identificam, sendo eles mais um grupo de terroristas de Sonata. Nathan fala de uma possível aliança e então os convence a ir ajudar seu amigo, o mercenário que seu chefe falou a respeito. Após alguns minutos de conversa, eles finalmente vão embora.
Sozinho novamente, Burton pega seu celular e faz uma ligação.
- Ministro Arquimedes, aqui é o Detetive Burton. Eu encontrei o alvo, mas ainda não pude captura-lo. O Inimigo de Estado está acompanhado de terroristas violentos e armados. Vou precisar de mais tempo.
Ponderando, o ministro responde:
“Ótimo. Você terá todo o suporte que o Ministério da Informação puder lhe oferecer. E lembre-se do que conversamos. Queremos o Inimigo de Estado vivo, você entendeu?”.
- É claro, senhor.
Então, sem se despedir, o ministro desliga.
Lembrando-se de todos os problemas que Nathan causou em Sonata e de sua fuga há uma ano, envergonhando-o perante todo o departamento, Burton olha para o rapaz e sussurra:
- É melhor correr, garoto, porque a caçada apenas começou.