[Trecho do meu terceiro livro, de tema Cyberpunk]
Correndo através das movimentadas passarelas, Conrad foge. Atrás dele estão alguns membros da Frente Ateísta, apenas outros ativistas fanáticos que contaminam Sonata.
Correndo através das movimentadas passarelas, Conrad foge. Atrás dele estão alguns membros da Frente Ateísta, apenas outros ativistas fanáticos que contaminam Sonata.
Devido à forte presença comercial naquele
distrito, as passarelas mais largas estão abarrotadas de barracas e ambulantes.
Todos falam alto e chamam seus clientes, na mais antiga maneira de promover
seus produtos. O cheiro de comida preparada recentemente lhe abre o apetite,
apesar de estar fugindo de alguns homicidas atrás de si.
Os clientes e transeuntes casuais atrapalham
seu caminho, forçando-o a empurrá-los e causando grande confusão. Nos
televisores e hologramas Conrad vê o rosto de Nathan, inclusive em centenas de
panfletos com seu rosto colados nas paredes. Seu discurso, que todos se referem
como a “Grande Revelação”, repete-se incessantemente pelos televisores da
metrópole, tornando-se um vídeo tão viral que nenhum mecanismo corporativo foi
capaz de censurar.
O vídeo de Nathan causou um distúrbio social
generalizado que virtualmente estremeceu as fundações da distópica sociedade
corporativa, mergulhando a populosa megalópole numa espiral decadente de caos e
violência. Para os cidadãos que têm suas vidas confortáveis baseadas no
consumo, a consequência foi trágica. Para os cidadãos que são explorados
diariamente nas desgastantes linhas de produção, a desordem não pôde vir em
melhor hora. E para pessoas como Conrad, que lucram do caos e da violência e
que se importam somente consigo mesmas, a desordem não passa de mais um motivo
para tratar a metrópole como um enorme parque de diversões.
Os Ateístas o avistam e então disparam suas
armas. Os tiros atingem algumas garrafas de vidro, fazendo as pessoas se
assustarem. Ao perceber a ação terrorista diante de seus olhos, as pessoas
imediatamente se desesperam e começam a correr pela passarela. Algumas se
deitam e são pisoteadas, outras correm na direção dos Ateístas e são baleadas,
e outras se esbarram em Conrad e são atingidas nas costas. O agente se assusta
ao vê-las se atirando do parapeito das passarelas para a morte certa lá
embaixo.
Ativando uma bomba de fumaça, Conrad a lança
para trás e continua correndo. Logo toda a passarela desaparece numa cortina de
fumaça tão grande que mesmo os aerocarros sobrevoando acima e abaixo são
afetados.
Após criar a distração necessária, ele pula
sobre alguns dutos de ventilação e escala a lateral da megatorre. Os
gigantescos painéis de neon brilham em centenas de cores, Conrad passa por trás
deles continua seu caminho. Estando à beira do precipício, seu pé escorrega e
ele se empalidece de horror. Paralisado, ele observa os fragmentos do edifício
caírem lentamente entre a infindável frota de aerocarros abaixo.
Prosseguindo em seu caminho, Conrad
pendura-se num cabo de aço e desce à uma plataforma adjacente. As pessoas
observam atônitas a passarela acima ser tomada por gritos e uma misteriosa
fumaça branca. Enquanto as pessoas estão ocupadas, Conrad põe as mãos nos
bolsos e passa discretamente, evitando chamar atenção. Ao longe ele vê um velho
gesticulando e falando sozinho, suas roupas são velhas e rasgadas, a barba em
seu rosto é comprida e ele fala impetuosamente, esforçando-se para ser ouvido.
O velho também avista Conrad e logo o encara.
“É apenas um velho louco e doente” pensa ele. Com o abrandamento da opressão
policial após os distúrbios, está aumentando o número de vagabundos por aí.
Ignorando-o, o agente ia continuar seu caminho quando o velho se põe à sua
frente. Ele aponta para algo atrás de Conrad. Incomodado, o agente olha para
trás e não vê nada. Virando-se, o agente o empurra e continua caminhando, até
ouvir alguém gritar atrás de si:
- Cuidado!
Um aerocarro repleto de bombas voa
deliberadamente em direção à passarela, explodindo com a colisão. A explosão é
tão forte que ilumina a movimentada noite, lançando Conrad vários metros pelo
ar.
Em meio a intervalos de consciência, Conrad
ouve gritos, choros e prantos. Ele sente que alguém está puxando-o pelas
roupas. Pessoas correm ao seu lado, várias vezes ele as ouve dizer “atentado
terrorista”.
- Não se preocupe. – diz alguém. – Estou
levando-o para um lugar seguro.
Recobrando a consciência, Conrad segura o
pulso do desconhecido e o puxa para perto de si. Ele se surpreende. É o velho.
- Como sabia... – o agente tenta falar. –
Como sabia que aquilo ia acontecer?
- Eu não sei, eu simplesmente tento avisar,
eu tento alertar... Mas ninguém ouve...!
Encostando-o na parede do túnel, o velho
gesticula freneticamente. Ele parece estar delirando.
- Do que está falando?
O velho olha para trás e vê os transeuntes
com manchas enormes de sangue em suas roupas. Apontando para eles, ele
responde:
- Isto é o que eu vejo todos os dias, morte e
sofrimento em toda parte! Eu tento avisá-los, mas eles sempre me ignoram. Não
há como escapar... Por que avisá-los então?
Conrad o puxa pela camisa e diz:
- Me diga como sabia que aquilo ia acontecer
senão eu estouro seus miolos!
- Por que se importa? Ninguém
nunca se importa. E quando ninguém se importa você morre por dentro muito antes
de realmente morrer. Mas eu tentei avisá-los, as visões me alertaram, meus sonhos
pareciam se cumprir... Mas ninguém quis me ouvir, agora temo que nosso tempo
esteja acabando...
Sem conseguir entendê-lo, o agente pergunta:
- Quem é você, afinal?
- Sou isso que você está vendo, um velho
decrépito à beira da insanidade. Meu corpo está se deteriorando, minhas
palavras cheias de desgraça e tragédia me consumiram. E esse câncer dentro de
mim me destrói. Quando eu estiver morto alguém se lembrará das palavras
que eu tentei dizer? Quando eu estiver apodrecendo no chão, abandonado e sozinho,
vocês se importarão?
O velho termina gesticulando-se como se
quisesse expressar a tremenda agonia dentro de seu peito. Ainda confuso, o
agente pergunta:
- O que está tentando dizer?
- Você não entende? Estas... premonições... tiram a vida de mim. E agora
nada me dá paz, nada me deixa satisfeito... Não deixarei nada para trás se
minhas palavras caírem em ouvidos surdos. Ouça, você tem que me ajudar, você
tem que me ouvir! – o velho tenta se controlar antes de prosseguir. – Eu vi a
decadência, eu vi o que está prestes a acontecer. As visões me mostraram o
redemoinho vazio e ilógico de caminhos que nos levam ao ápice de nosso destino.
O que ocorre aqui hoje é somente uma fração do que está prestes a acontecer, é
o prelúdio de algo ainda maior!
O agente sorri desta grande loucura. O velho
se enfurece.
- Como eu odeio o jeito que vocês olham para
mim! Zombando e ridicularizando como se eu fosse uma aberração! Malditos olhos
sem alma! Neguem, ignorem, acobertem minhas visões na sombra de sua arrogância!
Isso será a sua destruição!
Cheio de ódio e desprezo, Conrad responde:
- Louco...!
O velho parece se consternar.
- Ouça-me, eu te imploro. Você é o único que
pode detê-lo, que pode apelá-lo à razão! Não deixe que ele se engane, ideais
nobres são sabotagens, liberdade é rebelião! Mais do que nunca, o futuro de
nossa metrópole depende de você... Conrad!
Então o agente se intriga. Agarrando-o, ele
pergunta:
- Espere um momento. Como você sabe o meu
nome?!
Mas o velho se desvencilha e foge, correndo
pelo túnel e desaparecendo na multidão.
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