sábado, 1 de agosto de 2015

O Chamado de Conrad



[Trecho do meu terceiro livro, de tema Cyberpunk]

Correndo através das movimentadas passarelas, Conrad foge. Atrás dele estão alguns membros da Frente Ateísta, apenas outros ativistas fanáticos que contaminam Sonata.
Devido à forte presença comercial naquele distrito, as passarelas mais largas estão abarrotadas de barracas e ambulantes. Todos falam alto e chamam seus clientes, na mais antiga maneira de promover seus produtos. O cheiro de comida preparada recentemente lhe abre o apetite, apesar de estar fugindo de alguns homicidas atrás de si.
Os clientes e transeuntes casuais atrapalham seu caminho, forçando-o a empurrá-los e causando grande confusão. Nos televisores e hologramas Conrad vê o rosto de Nathan, inclusive em centenas de panfletos com seu rosto colados nas paredes. Seu discurso, que todos se referem como a “Grande Revelação”, repete-se incessantemente pelos televisores da metrópole, tornando-se um vídeo tão viral que nenhum mecanismo corporativo foi capaz de censurar.
O vídeo de Nathan causou um distúrbio social generalizado que virtualmente estremeceu as fundações da distópica sociedade corporativa, mergulhando a populosa megalópole numa espiral decadente de caos e violência. Para os cidadãos que têm suas vidas confortáveis baseadas no consumo, a consequência foi trágica. Para os cidadãos que são explorados diariamente nas desgastantes linhas de produção, a desordem não pôde vir em melhor hora. E para pessoas como Conrad, que lucram do caos e da violência e que se importam somente consigo mesmas, a desordem não passa de mais um motivo para tratar a metrópole como um enorme parque de diversões.
Os Ateístas o avistam e então disparam suas armas. Os tiros atingem algumas garrafas de vidro, fazendo as pessoas se assustarem. Ao perceber a ação terrorista diante de seus olhos, as pessoas imediatamente se desesperam e começam a correr pela passarela. Algumas se deitam e são pisoteadas, outras correm na direção dos Ateístas e são baleadas, e outras se esbarram em Conrad e são atingidas nas costas. O agente se assusta ao vê-las se atirando do parapeito das passarelas para a morte certa lá embaixo.
Ativando uma bomba de fumaça, Conrad a lança para trás e continua correndo. Logo toda a passarela desaparece numa cortina de fumaça tão grande que mesmo os aerocarros sobrevoando acima e abaixo são afetados.
Após criar a distração necessária, ele pula sobre alguns dutos de ventilação e escala a lateral da megatorre. Os gigantescos painéis de neon brilham em centenas de cores, Conrad passa por trás deles continua seu caminho. Estando à beira do precipício, seu pé escorrega e ele se empalidece de horror. Paralisado, ele observa os fragmentos do edifício caírem lentamente entre a infindável frota de aerocarros abaixo.
Prosseguindo em seu caminho, Conrad pendura-se num cabo de aço e desce à uma plataforma adjacente. As pessoas observam atônitas a passarela acima ser tomada por gritos e uma misteriosa fumaça branca. Enquanto as pessoas estão ocupadas, Conrad põe as mãos nos bolsos e passa discretamente, evitando chamar atenção. Ao longe ele vê um velho gesticulando e falando sozinho, suas roupas são velhas e rasgadas, a barba em seu rosto é comprida e ele fala impetuosamente, esforçando-se para ser ouvido.
O velho também avista Conrad e logo o encara. “É apenas um velho louco e doente” pensa ele. Com o abrandamento da opressão policial após os distúrbios, está aumentando o número de vagabundos por aí. Ignorando-o, o agente ia continuar seu caminho quando o velho se põe à sua frente. Ele aponta para algo atrás de Conrad. Incomodado, o agente olha para trás e não vê nada. Virando-se, o agente o empurra e continua caminhando, até ouvir alguém gritar atrás de si:
- Cuidado!
Um aerocarro repleto de bombas voa deliberadamente em direção à passarela, explodindo com a colisão. A explosão é tão forte que ilumina a movimentada noite, lançando Conrad vários metros pelo ar.
Em meio a intervalos de consciência, Conrad ouve gritos, choros e prantos. Ele sente que alguém está puxando-o pelas roupas. Pessoas correm ao seu lado, várias vezes ele as ouve dizer “atentado terrorista”.
- Não se preocupe. – diz alguém. – Estou levando-o para um lugar seguro.
Recobrando a consciência, Conrad segura o pulso do desconhecido e o puxa para perto de si. Ele se surpreende. É o velho.
- Como sabia... – o agente tenta falar. – Como sabia que aquilo ia acontecer?
- Eu não sei, eu simplesmente tento avisar, eu tento alertar... Mas ninguém ouve...!
Encostando-o na parede do túnel, o velho gesticula freneticamente. Ele parece estar delirando.
- Do que está falando?
O velho olha para trás e vê os transeuntes com manchas enormes de sangue em suas roupas. Apontando para eles, ele responde:
- Isto é o que eu vejo todos os dias, morte e sofrimento em toda parte! Eu tento avisá-los, mas eles sempre me ignoram. Não há como escapar... Por que avisá-los então?
Conrad o puxa pela camisa e diz:
- Me diga como sabia que aquilo ia acontecer senão eu estouro seus miolos!
- Por que se importa? Ninguém nunca se importa. E quando ninguém se importa você morre por dentro muito antes de realmente morrer. Mas eu tentei avisá-los, as visões me alertaram, meus sonhos pareciam se cumprir... Mas ninguém quis me ouvir, agora temo que nosso tempo esteja acabando...
Sem conseguir entendê-lo, o agente pergunta:
- Quem é você, afinal?
- Sou isso que você está vendo, um velho decrépito à beira da insanidade. Meu corpo está se deteriorando, minhas palavras cheias de desgraça e tragédia me consumiram. E esse câncer dentro de mim me destrói. Quando eu estiver morto alguém se lembrará das palavras que eu tentei dizer? Quando eu estiver apodrecendo no chão, abandonado e sozinho, vocês se importarão?
O velho termina gesticulando-se como se quisesse expressar a tremenda agonia dentro de seu peito. Ainda confuso, o agente pergunta:
- O que está tentando dizer?
- Você não entende? Estas... premonições... tiram a vida de mim. E agora nada me dá paz, nada me deixa satisfeito... Não deixarei nada para trás se minhas palavras caírem em ouvidos surdos. Ouça, você tem que me ajudar, você tem que me ouvir! – o velho tenta se controlar antes de prosseguir. – Eu vi a decadência, eu vi o que está prestes a acontecer. As visões me mostraram o redemoinho vazio e ilógico de caminhos que nos levam ao ápice de nosso destino. O que ocorre aqui hoje é somente uma fração do que está prestes a acontecer, é o prelúdio de algo ainda maior!
O agente sorri desta grande loucura. O velho se enfurece.
- Como eu odeio o jeito que vocês olham para mim! Zombando e ridicularizando como se eu fosse uma aberração! Malditos olhos sem alma! Neguem, ignorem, acobertem minhas visões na sombra de sua arrogância! Isso será a sua destruição!
Cheio de ódio e desprezo, Conrad responde:
- Louco...!
O velho parece se consternar.
- Ouça-me, eu te imploro. Você é o único que pode detê-lo, que pode apelá-lo à razão! Não deixe que ele se engane, ideais nobres são sabotagens, liberdade é rebelião! Mais do que nunca, o futuro de nossa metrópole depende de você... Conrad!
Então o agente se intriga. Agarrando-o, ele pergunta:
- Espere um momento. Como você sabe o meu nome?!
Mas o velho se desvencilha e foge, correndo pelo túnel e desaparecendo na multidão.    

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