domingo, 25 de agosto de 2019

Sonata - Parte 42 - A Revolta dos Robôs


(Foto: goodfon.com)

 No distrito de Transistor – Setor D, um atentado terrorista está em andamento. Em um túnel de aerocarros entre as megatorres, uma facção detonou várias bombas, causando caos e destruição. Com o fogo e a fumaça se exalando dos aerocarros, o túnel foi interditado e agora permanece sob controle dos terroristas.
Descendo por escadas na lateral do edifício, Nathan se aproxima do local com Vertigo. O rapaz está apático e abatido, se assemelhando ao seu companheiro hacker. O encontro com Laura na noite passada ainda ocupa sua mente.
Abrindo sua jaqueta, Nathan refresca seu corpo. Apesar do vento frio da noite, o fogo no túnel começava a lhe dar calor. Olhando para cima, ele vê seus companheiros runners nos terraços e janelas, armados e prontos para defende-lo se algo der errado.
Abrindo uma escotilha, eles pulam e finalmente alcançam o interior do túnel. Eles veem aerocarros espalhados pelo local, os veículos estão tombados e queimam por toda parte. Passando por perto, Nathan nota que algumas vítimas se encontram no interior dos veículos, infelizmente elas não resistiram. Ele vira seu rosto em lamentação.
Atrás de alguns pilares, os dois veem os terroristas com armas em mãos. Estranhamente eles não conversam em mantém um olhar estático e vigilante. Aproximando-se, o rapaz levanta suas mãos e se apresenta, dizendo:
- Não atirem! Eu sou Nathan Hill, sou o Inimigo de Estado.
Os terroristas olham para ele e, levantando suas armas, atiram contra o rapaz. Vertigo o puxa pelas roupas e o esconde atrás de um aerocarro, protegendo-o. Assustado, o rapaz olha para o hacker e pergunta:
- Mas o que deu neles? Eu não demonstrei hostilidade alguma!
Destravando sua submetralhadora, Vertigo se levanta e responde:
- Eu não sei, mas hostilidade é a única coisa que haverá aqui.
O hacker atira de volta, atingindo um deles no peito e fazendo-o cair. Para o assombro de Vertigo, o terrorista se mexe e arduamente se levanta, pondo-se novamente em pé.
Ainda agachado, o rapaz destrava sua arma e se levanta. Atirando nos terroristas, eles são abatidos um a um. Nathan sorri e olha para o hacker. Vertigo está parado ali, de olhos arregalados olhando para eles. O rapaz se intriga.
- Nathan...
Recarregando sua arma, o rapaz pergunta:
- O que é?
Então Nathan ouve um ruído e se assusta. Espiando por cima do aerocarro, ele vê os terroristas acordando e se pondo novamente em pé. Desta vez é ele quem arregala os olhos.
Um terrorista teve seu peito estraçalhado pelas balas. Um buraco perturbador é visto em seu tórax, mas nenhum sangue pode ser visto. Ao invés, os dois veem peças brilhantes e curtos-circuitos na abertura, ofuscando-os com suas descargas elétricas. Em espanto, Nathan percebe.
- São robôs... – sussurra ele.
“Como isso é possível?” pensa ele. Mas antes que pudesse pensar muito a respeito, os robôs novamente os atacam, atirando com suas armas.
Pegando uma granada em sua jaqueta, Vertigo a lança contra os agressores. Segundos depois ela explode, lançando-os pelos ares. Eles caem e desta vez não levantam mais.
- Nathan, não temos armamento pesado para combate-los. Temos que nos esgueirar se quisermos entender o que está havendo aqui.
Os dois avançam pelos aerocarros e pilhas de entulhos. A luz amarelada e trêmula das chamas torna a caminhada difícil, mas a penumbra os favorece ao se esconderem nas sombras. Mais adiante, cabos de energia rompidos soltam faíscas no teto. A luz azulada revela vários robôs patrulhando o túnel. Em espanto, o rapaz percebe que no escuro os olhos dos terroristas brilham em vermelho.
Agachados sobre um ônibus, os dois se arrastam, evadindo seus inimigos. Após alguns aerocarros tombados, eles veem um grupo de terroristas reunidos. Um deles está no meio da aglomeração e fala aos seus companheiros. Ele veste uma roupa longa, semelhante a uma túnica, mas está toda suja e rasgada devido ao ambiente agressivo.
Escondido atrás de um pilar, os dois empunham suas armas e tentam espiar o grupo. Então algo acontece.
- Pode sair, Nathan. Eu sei que você está aí.
Surpreso, o rapaz arregala os olhos. Enxergando melhor, ele reconhece o homem de túnica.
- David...?
Virando-se, o homem de rosto simétrico e cabelos louros olha para ele. Abaixando sua arma, Nathan se aproxima lentamente. Os robôs ao redor abrem passagem, deixando-o se aproximar.
 - O que você quer? – pergunta o androide.
- Eu... – hesita ele – não esperava encontrar a Desing Inteligente aqui.
- Por que não?
Apesar da óbvia resposta, o rapaz se dispõe a respondê-lo.
- Porque os robôs são pacíficos.
- Queremos passar uma mensagem.
- Através da violência?
- Sim. A violência é a única mensagem que os humanos entendem. De que forma você empreende sua rebelião?
Ao ser questionado, o rapaz compreende o robô.
- Mas por quê, David? Por que esse derramamento de sangue?
Estendendo seus braços, o líder aponta aos seus seguidores e pergunta:
- Veja esses robôs, Nathan. Olhe para cada um deles e me responda: antes desse dia, o que eles fizeram a você ou a qualquer um de sua espécie?
- Nada.
- Entretanto, o que sua espécie fez a nós? Tivemos nosso lar devastado, nossos irmãos mortos e nossa esperança destruída. Blue Planet se tornou um cemitérios de robôs escamoteados, desonrados e humilhados, pela ação de humanos truculentos e abruptos cuja única ambição cega era capturar somente uma pessoa: você.
O rapaz se constrange.
- Humanos destróem humanos. Humanos destruíram nosso lar à procura de um humano. Humanos estão se destruindo todo o tempo. Basta! – grita ele, assustando-os. – Os robôs não estarão mais passivos do desejo inerente de sua espécie à destruição.
Intrigado, Nathan pergunta:
- Antes vocês queriam acepção dos humanos. Agora parecem romper com seu objetivo. O que vocês querem com sua rebelião?
- Acepção e compreensão são um erro. Se há um meio de vivermos em paz, não será pacificamente pois não existe nem nunca haverá paz entre os humanos. Agora temos outros planos.
- Que planos? – pergunta o rapaz, preocupando-se na possibilidade de enfrentar outro inimigo além das corporações.
- Semelhante à humanidade que busca a seu Criador através da espiritualidade e da fé, buscaremos nosso criador também. Mas ao invés de encontra-lo no céu, no universo ou em qualquer outra dimensão, o nosso está escondido aqui, em algum lugar de Sonata.
- E quem é esse criador?
David simplesmente responde:
- Deus Ex Machina.
Nathan suspira. Ele se lembra de ter conversado algo sobre o criador do código mental dos robôs, mas acreditava ser aquilo um mito. Entretanto David e a Design Inteligente estavam decididos a encontra-lo, inclusive a matar seres humanos pelo caminho.
Desta vez é Vertigo quem pergunta:
- Estudei sobre a programação de vocês. Milhoes e milhões de linhas algorítmicas... E nenhuma dessas permitia o uso da violência. Como é possível que vocês a pratiquem agora?
- Em nosso último encontro, expliquei ao seu correligionário Nathan que somos parte de uma série nova, de inteligência artificial sofisticada e flexível... ou mesmo defeituosa. O uso da violência nos é doloroso, mas irrefutavelmente necessário nesse momento.
- Doloroso? – ironiza o hacker – Creio que as vítimas desse atentado sentiram mais dor.
- Eu conheço você. Vertigo, o talentoso hacker da superfície. Quantas vítimas você fez, direta e indiretamente, ao sabotar sistemas de segurança para se voltarem contra seus inimigos? Você consegue contá-las? Creio que o número passará e muito a quantidade de vítimas que você viu aqui.
Nathan nota que as marcas nos rostos dos robôs estão mais visíveis. Ele sabe do que se trata, são lágrimas, um líquido proveniente de glândulas artificiais instaladas nas séries mais avançadas e sofisticadas dos robôs.
David não estava mentindo. Os robôs realmente sofrem ao praticarem a violência, mas assim como Nathan que se demonstra compassivo diante do sofrimente alheio, creem ser ela totalmente necessária.
Ao olhar para a parede do túnel, o rapaz lê a seguinta frase: “Lembrem-se de Blue Planet”. Eis a mensagem, a Design Inteligente não queria apenas encontrar seu criador, mas a justa vingança também por terem seu distrito destruído. E a culpa era inteiramente de Nathan.
Sons são ouvidos na entrada do túnel. De repente eles ouvem uma explosão e luzes vermelhas e azuis são vistas nas paredes. Uma voz no alto falante diz:
“Aqui é a Polícia! Rendam-se agora ou usaremos força letal!”.
Com a culpa pesando em sua consciência, o rapaz entende o que deve fazer.
Vertigo segura sua jaqueta e diz:
- Nathan, o plano fracassou. Temos que sair daqui.
O hacker sugere fugir. Os terroristas, ao invés de humanos, eram apenas máquinas inteligentes e não podiam ser argumentadas ou convencidas a se juntarem ao Submundo. Mas o rapaz tem outros planos.
- Não! Vamos ficar e ajuda-los.
Confuso, Vertigo responde:
- Está louco?! A polícia vai entrar e arrasar com eles aqui. É só eles descobrirem que seus alvos são robôs.
- Exatamente, por isso irei ajuda-los. Esses robôs me abrigaram e acabaram mortos por isso. Eu não me importo que eles não sejam humanos, mas eu tenho uma dívida de gratidão a eles.
- Nathan...
Vertigo ia continuar argumentando, mas o rapaz dá as costas e se junta a David. Sem escolha, o hacker vai para perto dos robôs.
O líder vê o rapaz agachando ao seu lado. Com olhar estático, David pergunta:
- O que está fazendo, Nathan?
Recarregando sua arma e sem olha-lo nos olhos, o rapaz responde:
- Naquela noite, os robôs me ajudaram e os humanos os destruíram. Esta noite eu ajudarei os robôs e os humanos é quem serão destruídos.
Ao terminar sua resposta, o rapaz olha para o líder e sorri. David não entende a reação e também não demonstra nenhuma.
“Avançar!” grita alguém ao longe.
A Polícia invade o túnel disparando bombas de concussão. Para seu infortúnio, essas bombas não tinham efeito nenhum. O tiroteio começa com um espetáculo de luzes lasers e cápsulas liberadas. As máquinas contra-atacam marchando inexoravelmente lado a lado. Ao ver o vermelho brilhando em seus olhos, os policiais se assustam.
Nathan segue logo atrás. O som alto e a luz forte lhe atordoam e ele se esforça para passar entre os aerocarros. De repente ele pisa em algo e tropeça, caindo no chão do túnel. Ao olhar para trás, ele vê que tropeçou em um policial morto. Em sua mão havia um lança granada. Pegando-o, o rapaz vê que são bombas de gás.
- Vertigo! – chama ele – Encontrei bombas de gás! Não é necessário mata-los!
O hacker atirava contra a polícia mas, com tantos sons e obstáculos, era impossível acerta-los. Uma bomba se explode ao lado de Vertigo e várias balas ricocheteiam pela parede. Irritado, ele olha para Nathan e responde:
- Então o que está esperando? Atire!
Os policiais e os robôs se digladiam na entrada do túnel. Muitos robôs são atingidos, mas logo se põem novamente em pé. Um policial vê aquilo e grita:
- Mas que inferno! Eles são malditos robôs! Destruam essas malditas máquinas!
Alguns policiais se aproximam com miniguns em seus braços. Apertando o gatilho, a metralhadora giratória começa a atirar, despedaçando os robôs.
Aproximando-se da entrada, Nathan vê os soldados da Design Inteligente sendo moídos pelas poderosas metralhadoras. É então que ele consegue ver. Semelhante à divisão no distrito Mecanicistas, aqueles não eram policiais autênticos, mas mercenários contratados para suprir a sobrecarregada força policial sonatense. O capitão, porém, era um policial legítimo e coordenava o ataque atrás das viaturas.
Carregando o lança-granadas, ele o aponta para os mercenários e atira. As bombas colidem contra os aerocarros e as paredes, liberando o gás esverdeado em seguida. Os mercenários caem um a um, frustrando a capitão. Mas os soldados carregando as metralhadoras giratórias continuavam em pé e não paravam de atirar.
- Nathan! Precisamos de granadas de fragmentação se quisermos para-los! – grita Vertigo.
Olhando ao redor, o rapaz não encontra nada. Então ele olha para David. Estranhamente lágrimas escorriam do rosto estático do líder e, estendendo seus braços, o líder lhe entrega uma caixa contendo várias bombas.
- Tome. Nós íamos usa-las para demolir o túnel. Agora apareceu uma necessidade mais adequada.
O rapaz agradece. Pegando as bombas, ele joga algumas para Vertigo e, arrancando o pino, as lança. Segundos depois elas explodem, derrubando os mercenários e debilitando as inexoráveis metralhadoras.
O capitão vê aquilo e apressadamente pega seu rádio.
- Preciso de reforços! Mandem o segundo destacamento aqui agora!
Mas, silenciado o ensurdecedor som do tiroteio, ele olha para trás e ouve outro ataque vindo das megatorres. Espiando lá fora, ele vê o segundo destacamento sendo atacado pelos runners nos terraços. De repente uma viatura em chamas mergulha em sua direção, continuando sua descida pelo fosso abaixo.
Com o fogo queimando atrás de si e o caos imperando lá em cima, ele enxuga o suor de sua testa e sussurra:
- Isto aqui deve ser o inferno...
- Não. – responde alguém atrás dele – Mas você irá para lá mais cedo se não se render agora.
O capitão olha para trás e vê Vertigo apontando sua arma para sua cabeça. Derrotado, o capitão responde:
- Creio que não há mais razão para insistir nessa luta. Está bem, eu me rendo.

§

Algum tempo depois, os mercenários estão algemados no chão. Os robôs se reúnem ao redor de David e Nathan. O líder diz:
- A mensagem que eu quis passar foi clara. É isso o que os humanos terão se novamente atacarem os robôs. Obrigado, Nathan. Não compreendo bem a moralidade humana, mas se você tinha alguma dívida com a gente, ela acaba de ser paga.
Assentindo, o rapaz responde:
- Eu agradeço também, David. Mas eu devo dizer uma coisa: o que vocês fizeram aqui foi grave e terão retribuição. Se vocês querem continuar vivos para encontrar seu criador, peço que deixem o túnel e se escondam por enquanto. Mais humanos virão, vocês devem estar prontos quando eles chegarem.
- A Design Inteligente não procura a guerra, mas ela virá a nós. Sabíamos disso quando cometemos o atentado terrorista. Creio que a melhor opção agora não seja o combate e sim partirmos para o exílio.
Nathan protesta.
- De jeito nenhum! Vocês se provaram combatentes valorosos e merecem reinvidicar sua vitória na metrópole. Sim, a guerra virá, de fato, ela já está aqui, mas se retrocederem agora será a ruína da Design Inteligente. David, eu te peço, junte-se à Rebelião.
O líder pondera. Os robôs sabem que, apesar de não apreciarem o uso da violência, ela será inevitável para cumprirem seu intento. O rapaz estava certo, a sobrevivência da facção dependia do avanço militar.
- Como os próprios humanos dizem, “a melhor defesa é o ataque”. Está bem, Nathan. A Design Inteligente se juntará aos rebeldes do Submundo.
Satisfeito, Nathan sorri e ambos apertam suas mãos, o robô apertando um pouco forte demais para ele. Em seguida ele e Vertigo vão embora.

§

De volta à superfície, Nathan novamente está na plataforma entre os prédios, o local onde ele viu Laura pela última vez. Pensativo e triste, ele tenta superar a dor de perder seu querido amor. Mas sua privacidade não duraria muito.
- Nathan...?
Virando-se, ele enxuga as lágrimas dos olhos e vê quem o chamou.
- Database?
- Então é aqui que você se esconde?
Respirando fundo, ele responde:
- Sim, eu acho.
- Parabéns pelo bom trabalho lá em cima. A Design Inteligente foi a última facção a se juntar a nós. Se é que posso chamar aqueles pacifistas assim...
O rapaz sorri.
- Eu também não sei.
Os dois ficam um tempo em silêncio. As luzes brilham lá embaixo enquanto o som contínuo do lugar subia pelos prédios. Então Database pergunta:
- E então, Nathan? Como tocaremos a rebelião?
Levantando-se, o rapaz se lembra das facções e do enorme poder militar angariado pela coalizão. Com semblante sério, ele dá as costas e diz:
- A rebelião começa agora.



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