(Foto: goodfon.com)
Descendo por
escadas na lateral do edifício, Nathan se aproxima do local com Vertigo. O
rapaz está apático e abatido, se assemelhando ao seu companheiro hacker. O
encontro com Laura na noite passada ainda ocupa sua mente.
Abrindo sua
jaqueta, Nathan refresca seu corpo. Apesar do vento frio da noite, o fogo no
túnel começava a lhe dar calor. Olhando para cima, ele vê seus companheiros
runners nos terraços e janelas, armados e prontos para defende-lo se algo der
errado.
Abrindo uma
escotilha, eles pulam e finalmente alcançam o interior do túnel. Eles veem
aerocarros espalhados pelo local, os veículos estão tombados e queimam por toda
parte. Passando por perto, Nathan nota que algumas vítimas se encontram no
interior dos veículos, infelizmente elas não resistiram. Ele vira seu rosto em
lamentação.
Atrás de alguns
pilares, os dois veem os terroristas com armas em mãos. Estranhamente eles não
conversam em mantém um olhar estático e vigilante. Aproximando-se, o rapaz
levanta suas mãos e se apresenta, dizendo:
- Não atirem! Eu
sou Nathan Hill, sou o Inimigo de Estado.
Os terroristas
olham para ele e, levantando suas armas, atiram contra o rapaz. Vertigo o puxa
pelas roupas e o esconde atrás de um aerocarro, protegendo-o. Assustado, o
rapaz olha para o hacker e pergunta:
- Mas o que deu
neles? Eu não demonstrei hostilidade alguma!
Destravando sua
submetralhadora, Vertigo se levanta e responde:
- Eu não sei, mas
hostilidade é a única coisa que haverá aqui.
O hacker atira de
volta, atingindo um deles no peito e fazendo-o cair. Para o assombro de
Vertigo, o terrorista se mexe e arduamente se levanta, pondo-se novamente em
pé.
Ainda agachado, o
rapaz destrava sua arma e se levanta. Atirando nos terroristas, eles são
abatidos um a um. Nathan sorri e olha para o hacker. Vertigo está parado ali,
de olhos arregalados olhando para eles. O rapaz se intriga.
- Nathan...
Recarregando sua
arma, o rapaz pergunta:
- O que é?
Então Nathan ouve
um ruído e se assusta. Espiando por cima do aerocarro, ele vê os terroristas
acordando e se pondo novamente em pé. Desta vez é ele quem arregala os olhos.
Um terrorista
teve seu peito estraçalhado pelas balas. Um buraco perturbador é visto em seu
tórax, mas nenhum sangue pode ser visto. Ao invés, os dois veem peças
brilhantes e curtos-circuitos na abertura, ofuscando-os com suas descargas
elétricas. Em espanto, Nathan percebe.
- São robôs... –
sussurra ele.
“Como isso é
possível?” pensa ele. Mas antes que pudesse pensar muito
a respeito, os robôs novamente os atacam, atirando com suas armas.
Pegando uma
granada em sua jaqueta, Vertigo a lança contra os agressores. Segundos depois
ela explode, lançando-os pelos ares. Eles caem e desta vez não levantam mais.
- Nathan, não
temos armamento pesado para combate-los. Temos que nos esgueirar se quisermos
entender o que está havendo aqui.
Os dois avançam
pelos aerocarros e pilhas de entulhos. A luz amarelada e trêmula das chamas
torna a caminhada difícil, mas a penumbra os favorece ao se esconderem nas
sombras. Mais adiante, cabos de energia rompidos soltam faíscas no teto. A luz
azulada revela vários robôs patrulhando o túnel. Em espanto, o rapaz percebe
que no escuro os olhos dos terroristas brilham em vermelho.
Agachados sobre
um ônibus, os dois se arrastam, evadindo seus inimigos. Após alguns aerocarros
tombados, eles veem um grupo de terroristas reunidos. Um deles está no meio da
aglomeração e fala aos seus companheiros. Ele veste uma roupa longa, semelhante
a uma túnica, mas está toda suja e rasgada devido ao ambiente agressivo.
Escondido atrás
de um pilar, os dois empunham suas armas e tentam espiar o grupo. Então algo
acontece.
- Pode sair,
Nathan. Eu sei que você está aí.
Surpreso, o rapaz
arregala os olhos. Enxergando melhor, ele reconhece o homem de túnica.
- David...?
Virando-se, o
homem de rosto simétrico e cabelos louros olha para ele. Abaixando sua arma,
Nathan se aproxima lentamente. Os robôs ao redor abrem passagem, deixando-o se
aproximar.
- O que você quer? – pergunta o androide.
- Eu... – hesita
ele – não esperava encontrar a Desing Inteligente aqui.
- Por que não?
Apesar da óbvia
resposta, o rapaz se dispõe a respondê-lo.
- Porque os robôs
são pacíficos.
- Queremos passar
uma mensagem.
- Através da
violência?
- Sim. A violência
é a única mensagem que os humanos entendem. De que forma você empreende sua
rebelião?
Ao ser
questionado, o rapaz compreende o robô.
- Mas por quê,
David? Por que esse derramamento de sangue?
Estendendo seus
braços, o líder aponta aos seus seguidores e pergunta:
- Veja esses
robôs, Nathan. Olhe para cada um deles e me responda: antes desse dia, o que
eles fizeram a você ou a qualquer um de sua espécie?
- Nada.
- Entretanto, o
que sua espécie fez a nós? Tivemos nosso lar devastado, nossos irmãos mortos e nossa
esperança destruída. Blue Planet se tornou um cemitérios de robôs escamoteados,
desonrados e humilhados, pela ação de humanos truculentos e abruptos cuja única
ambição cega era capturar somente uma pessoa: você.
O rapaz se
constrange.
- Humanos
destróem humanos. Humanos destruíram nosso lar à procura de um humano. Humanos
estão se destruindo todo o tempo. Basta! – grita ele, assustando-os. – Os robôs
não estarão mais passivos do desejo inerente de sua espécie à destruição.
Intrigado, Nathan
pergunta:
- Antes vocês
queriam acepção dos humanos. Agora parecem romper com seu objetivo. O que vocês
querem com sua rebelião?
- Acepção e
compreensão são um erro. Se há um meio de vivermos em paz, não será
pacificamente pois não existe nem nunca haverá paz entre os humanos. Agora
temos outros planos.
- Que planos? –
pergunta o rapaz, preocupando-se na possibilidade de enfrentar outro inimigo
além das corporações.
- Semelhante à
humanidade que busca a seu Criador através da espiritualidade e da fé,
buscaremos nosso criador também. Mas ao invés de encontra-lo no céu, no
universo ou em qualquer outra dimensão, o nosso está escondido aqui, em algum
lugar de Sonata.
- E quem é esse
criador?
David simplesmente
responde:
- Deus Ex
Machina.
Nathan suspira. Ele
se lembra de ter conversado algo sobre o criador do código mental dos robôs,
mas acreditava ser aquilo um mito. Entretanto David e a Design Inteligente
estavam decididos a encontra-lo, inclusive a matar seres humanos pelo caminho.
Desta vez é
Vertigo quem pergunta:
- Estudei sobre a
programação de vocês. Milhoes e milhões de linhas algorítmicas... E nenhuma
dessas permitia o uso da violência. Como é possível que vocês a pratiquem
agora?
- Em nosso último
encontro, expliquei ao seu correligionário Nathan que somos parte de uma série
nova, de inteligência artificial sofisticada e flexível... ou mesmo defeituosa.
O uso da violência nos é doloroso, mas irrefutavelmente necessário nesse
momento.
- Doloroso? –
ironiza o hacker – Creio que as vítimas desse atentado sentiram mais dor.
- Eu conheço
você. Vertigo, o talentoso hacker da superfície. Quantas vítimas você fez,
direta e indiretamente, ao sabotar sistemas de segurança para se voltarem
contra seus inimigos? Você consegue contá-las? Creio que o número passará e
muito a quantidade de vítimas que você viu aqui.
Nathan nota que
as marcas nos rostos dos robôs estão mais visíveis. Ele sabe do que se trata,
são lágrimas, um líquido proveniente de glândulas artificiais instaladas nas
séries mais avançadas e sofisticadas dos robôs.
David não estava
mentindo. Os robôs realmente sofrem ao praticarem a violência, mas assim como
Nathan que se demonstra compassivo diante do sofrimente alheio, creem ser ela
totalmente necessária.
Ao olhar para a
parede do túnel, o rapaz lê a seguinta frase: “Lembrem-se de Blue Planet”. Eis
a mensagem, a Design Inteligente não queria apenas encontrar seu criador, mas a
justa vingança também por terem seu distrito destruído. E a culpa era
inteiramente de Nathan.
Sons são ouvidos
na entrada do túnel. De repente eles ouvem uma explosão e luzes vermelhas e
azuis são vistas nas paredes. Uma voz no alto falante diz:
“Aqui é a
Polícia! Rendam-se agora ou usaremos força letal!”.
Com a culpa
pesando em sua consciência, o rapaz entende o que deve fazer.
Vertigo segura
sua jaqueta e diz:
- Nathan, o plano
fracassou. Temos que sair daqui.
O hacker sugere
fugir. Os terroristas, ao invés de humanos, eram apenas máquinas inteligentes e
não podiam ser argumentadas ou convencidas a se juntarem ao Submundo. Mas o
rapaz tem outros planos.
- Não! Vamos
ficar e ajuda-los.
Confuso, Vertigo
responde:
- Está louco?! A
polícia vai entrar e arrasar com eles aqui. É só eles descobrirem que seus
alvos são robôs.
- Exatamente, por
isso irei ajuda-los. Esses robôs me abrigaram e acabaram mortos por isso. Eu
não me importo que eles não sejam humanos, mas eu tenho uma dívida de gratidão
a eles.
- Nathan...
Vertigo ia
continuar argumentando, mas o rapaz dá as costas e se junta a David. Sem
escolha, o hacker vai para perto dos robôs.
O líder vê o
rapaz agachando ao seu lado. Com olhar estático, David pergunta:
- O que está
fazendo, Nathan?
Recarregando sua
arma e sem olha-lo nos olhos, o rapaz responde:
- Naquela noite,
os robôs me ajudaram e os humanos os destruíram. Esta noite eu ajudarei os
robôs e os humanos é quem serão destruídos.
Ao terminar sua
resposta, o rapaz olha para o líder e sorri. David não entende a reação e
também não demonstra nenhuma.
“Avançar!” grita
alguém ao longe.
A Polícia invade
o túnel disparando bombas de concussão. Para seu infortúnio, essas bombas não
tinham efeito nenhum. O tiroteio começa com um espetáculo de luzes lasers e
cápsulas liberadas. As máquinas contra-atacam marchando inexoravelmente lado a
lado. Ao ver o vermelho brilhando em seus olhos, os policiais se assustam.
Nathan segue logo
atrás. O som alto e a luz forte lhe atordoam e ele se esforça para passar entre
os aerocarros. De repente ele pisa em algo e tropeça, caindo no chão do túnel.
Ao olhar para trás, ele vê que tropeçou em um policial morto. Em sua mão havia
um lança granada. Pegando-o, o rapaz vê que são bombas de gás.
- Vertigo! –
chama ele – Encontrei bombas de gás! Não é necessário mata-los!
O hacker atirava
contra a polícia mas, com tantos sons e obstáculos, era impossível acerta-los. Uma
bomba se explode ao lado de Vertigo e várias balas ricocheteiam pela parede.
Irritado, ele olha para Nathan e responde:
- Então o que
está esperando? Atire!
Os policiais e os
robôs se digladiam na entrada do túnel. Muitos robôs são atingidos, mas logo se
põem novamente em pé. Um policial vê aquilo e grita:
- Mas que
inferno! Eles são malditos robôs! Destruam essas malditas máquinas!
Alguns policiais
se aproximam com miniguns em seus braços. Apertando o gatilho, a metralhadora
giratória começa a atirar, despedaçando os robôs.
Aproximando-se da
entrada, Nathan vê os soldados da Design Inteligente sendo moídos pelas
poderosas metralhadoras. É então que ele consegue ver. Semelhante à divisão no
distrito Mecanicistas, aqueles não eram policiais autênticos, mas mercenários
contratados para suprir a sobrecarregada força policial sonatense. O capitão,
porém, era um policial legítimo e coordenava o ataque atrás das viaturas.
Carregando o
lança-granadas, ele o aponta para os mercenários e atira. As bombas colidem contra
os aerocarros e as paredes, liberando o gás esverdeado em seguida. Os
mercenários caem um a um, frustrando a capitão. Mas os soldados carregando as
metralhadoras giratórias continuavam em pé e não paravam de atirar.
- Nathan!
Precisamos de granadas de fragmentação se quisermos para-los! – grita Vertigo.
Olhando ao redor,
o rapaz não encontra nada. Então ele olha para David. Estranhamente lágrimas
escorriam do rosto estático do líder e, estendendo seus braços, o líder lhe
entrega uma caixa contendo várias bombas.
- Tome. Nós íamos
usa-las para demolir o túnel. Agora apareceu uma necessidade mais adequada.
O rapaz agradece.
Pegando as bombas, ele joga algumas para Vertigo e, arrancando o pino, as
lança. Segundos depois elas explodem, derrubando os mercenários e debilitando
as inexoráveis metralhadoras.
O capitão vê
aquilo e apressadamente pega seu rádio.
- Preciso de
reforços! Mandem o segundo destacamento aqui agora!
Mas, silenciado o
ensurdecedor som do tiroteio, ele olha para trás e ouve outro ataque vindo das
megatorres. Espiando lá fora, ele vê o segundo destacamento sendo atacado pelos
runners nos terraços. De repente uma viatura em chamas mergulha em sua direção,
continuando sua descida pelo fosso abaixo.
Com o fogo
queimando atrás de si e o caos imperando lá em cima, ele enxuga o suor de sua
testa e sussurra:
- Isto aqui deve
ser o inferno...
- Não. – responde
alguém atrás dele – Mas você irá para lá mais cedo se não se render agora.
O capitão olha
para trás e vê Vertigo apontando sua arma para sua cabeça. Derrotado, o capitão
responde:
- Creio que não
há mais razão para insistir nessa luta. Está bem, eu me rendo.
§
Algum tempo
depois, os mercenários estão algemados no chão. Os robôs se reúnem ao redor de
David e Nathan. O líder diz:
- A mensagem que
eu quis passar foi clara. É isso o que os humanos terão se novamente atacarem
os robôs. Obrigado, Nathan. Não compreendo bem a moralidade humana, mas se você
tinha alguma dívida com a gente, ela acaba de ser paga.
Assentindo, o rapaz
responde:
- Eu agradeço
também, David. Mas eu devo dizer uma coisa: o que vocês fizeram aqui foi grave
e terão retribuição. Se vocês querem continuar vivos para encontrar seu
criador, peço que deixem o túnel e se escondam por enquanto. Mais humanos
virão, vocês devem estar prontos quando eles chegarem.
- A Design
Inteligente não procura a guerra, mas ela virá a nós. Sabíamos disso quando
cometemos o atentado terrorista. Creio que a melhor opção agora não seja o
combate e sim partirmos para o exílio.
Nathan protesta.
- De jeito
nenhum! Vocês se provaram combatentes valorosos e merecem reinvidicar sua
vitória na metrópole. Sim, a guerra virá, de fato, ela já está aqui, mas se
retrocederem agora será a ruína da Design Inteligente. David, eu te peço,
junte-se à Rebelião.
O líder pondera.
Os robôs sabem que, apesar de não apreciarem o uso da violência, ela será
inevitável para cumprirem seu intento. O rapaz estava certo, a sobrevivência da
facção dependia do avanço militar.
- Como os
próprios humanos dizem, “a melhor defesa é o ataque”. Está bem, Nathan. A
Design Inteligente se juntará aos rebeldes do Submundo.
Satisfeito,
Nathan sorri e ambos apertam suas mãos, o robô apertando um pouco forte demais
para ele. Em seguida ele e Vertigo vão embora.
§
De volta à superfície,
Nathan novamente está na plataforma entre os prédios, o local onde ele viu
Laura pela última vez. Pensativo e triste, ele tenta superar a dor de perder
seu querido amor. Mas sua privacidade não duraria muito.
- Nathan...?
Virando-se, ele
enxuga as lágrimas dos olhos e vê quem o chamou.
- Database?
- Então é aqui
que você se esconde?
Respirando fundo,
ele responde:
- Sim, eu acho.
- Parabéns pelo
bom trabalho lá em cima. A Design Inteligente foi a última facção a se juntar a
nós. Se é que posso chamar aqueles pacifistas assim...
O rapaz sorri.
- Eu também não
sei.
Os dois ficam um
tempo em silêncio. As luzes brilham lá embaixo enquanto o som contínuo do lugar
subia pelos prédios. Então Database pergunta:
- E então,
Nathan? Como tocaremos a rebelião?
Levantando-se, o
rapaz se lembra das facções e do enorme poder militar angariado pela coalizão.
Com semblante sério, ele dá as costas e diz:
- A rebelião
começa agora.
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