terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Vovô Já Está Indo




Voltando da igreja no trem metropolitano
Após uma noite de adoração orando e louvando
Levo comigo minha bíblia
Minha companheira fiel nesta cidade sofrida

Trago comigo bananas e biscoitos
Dentro de uma sacola plástica de mercado
Com fome decido comer alguns biscoitinhos
Mas não tudo, pois vou deixar para os meus netinhos

O trem está cheio, mas não precisei esperar
Porque logo me dão lugar para eu me sentar
Agradeço bondosamente e me sento
Com a velhice sinto dores que não aguento

Passando normalmente pelas estações
A noite ia bem, sem grandes preocupações
Então o trem para em outra plataforma
E tudo muda ao abrir as portas

No trem entram alguns jovens violentos
E ao me verem eles se enfurecem por dentro
Eles me ofendem e me xingam com escárnio
Me chamando até de macaco

Eles me aterrorizam
Aterrorizam todos ao redor
Riem e zombam de mim como se eu fosse alguém ruim
Eu não podia mais suportar ser tratado assim

Abro minha boca e pergunto se nos conhecemos
Mas ao me ouvirem eles me batem sem mais nem menos
Com suas mãos eles me dão socos e me estapeiam
Batendo em meu rosto, dizendo que me odeiam

Eu tento me proteger com as mãos
Mas eles me puxam pelas roupas, me derrubando no chão
Os alimentos que levo também caem comigo
Com suas botas eles me pisoteiam e me chutam como lixo

Enquanto me xingam e me batem
Todos ao redor olham e não fazem nada
Todos estão com medo daqueles jovens impiedosos
Aterrorizados por seus ataques dolorosos

Um deles pisa na sacola com meus alimentos
E ao olhar para mim ele diz:
“Está aqui sua banana, seu macaco!”
E então as esmaga sob seus sapatos

Ao parar na próxima estação o trem abre as portas
E então finalmente eles vão embora
Os passageiros rapidamente vêm me ajudar
Ainda caído, eu estava prestes a desmaiar

Há cortes horríveis em meu rosto e minha boca
E muito sangue escorre pelas minhas roupas
Estou atordoado, não consigo me levantar
A dor que eu sinto é difícil de suportar

O trem se movimenta novamente
As pessoas ao redor tentam me manter consciente
Elas cuidam de mim e limpam minhas feridas
E depois perguntam se eu não queria chamar a polícia

Então eu respondo:

“Eu não irei chamar a polícia
Pois a polícia não pode ajudá-los
Estes jovens são frustrados e também sofrem
E punição alguma tirará a dor que os consomem”

Eles me perguntam por que eu estava dizendo aquilo
Depois de tudo o que fizeram comigo
Então eu continuo:

“Se alguém lhe bater na face direita
Lhe ofereça também a face esquerda
E mesmo que tenham te causado aflição e dor
Devemos odiar o pecado e não o pecador”

“Quando tudo é dor e ausência
Alguns recorrem à violência
Para aliviar a grande insatisfação
Que eles sentem em seu coração”

“Se alguém lhes der amor de que precisam
Eles jamais voltarão a fazer isso
E eles precisam de Deus
Para perdoá-los e chamá-los de seus”

“Eles não odeiam, não odeiam a gente
O problema é sua vida espiritual que está doente
E apesar da selvageria que trazem
Estes jovens não sabem o que fazem”

“Devemos orar para que Deus mude suas vidas
Pois é isso o que ensina a bíblia”

Após meu discurso as pessoas apenas me olham
E pouco a pouco elas se lamentam e choram
Pois elas também são pessoas que sofrem
Vivendo num mundo onde o mal as consome

Apagando o brilho dos nossos olhos
Roubando o nosso amor ao próximo
Tirando o sorriso dos nossos rostos
E trocando nossa felicidade por desgostos

Eu pego o pouco que restou das bananas
E o pouco que restou dos biscoitos
Os coloco novamente no saco plástico
E carrego minha bíblia debaixo do braço

É minha estação, o trem havia chegado
Então eu deixo o trem com passos determinados
Sob os olhares daquelas pessoas tristes e solitárias
Que assim como os jovens, não tiveram ninguém para amá-las

“Só mais um pouco, meus netinhos”
“Vovô já está indo”

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Reflexões Filosóficas #3




[Passagens retiradas do primeiro livro que eu escrevi. São trechos filosóficos no contexto do capítulo]

Felicidade

A Felicidade é logicamente relativa, mas o ébrio, o êxtase e o prazer dela derivados são exatamente a interrupção momentânea da Tristeza, analogicamente sendo a reles minoria das ilhas no imenso oceano.
Não existe sorte, não existe técnica, não existe milagre, a tristeza é tão perene e presente que sufoca a breve felicidade, impedindo que sua vida seja mais do que a possível ruína.
Se pararmos para nos lembrar dos raros dias felizes que tivemos, veremos que na verdade eles foram péssimos e ilusórios. Não existe fim para a tristeza, estamos sujeitos a elementos e fatores que drenam a força e a coragem diariamente.
Fatalmente não existe limite para a insatisfação, o que puder ser mudado será por consequência de nós mesmos, ou o que fizermos de nós mesmos.


O Corpo, a Carne e os Ossos

Além das inúmeras habilidades e capacidades da inteligência humana, existem os dons contrários da carne, que são a porta de entrada quando conhecemos os outros. A presunção do Homem em achar que é superior, regente dos animais e da natureza é tão irrisória quanto absurda.
O Homem inteligente e racional é seu atributo secundário, o Instinto é seu ditador, o homem reage segundo suas vontades mais básicas. O orgulho, a inveja, a avareza são provenientes deste instinto deturpado, aprisionam o homem e o destroem, fazem de si um escravo de seu próprio egoísmo. Não devemos nos apegar às coisas materiais, não devemos ser presunçosos em relação ao futuro e nem em relação ao amor.
O Homem inteligente jamais será superior ao animal denominado erroneamente de irracional. Suas semelhanças e formas de organização são tão próximas que se tornam idênticas. Os fortes atacam e humilham os mais fracos como os leões e suas presas. O homem é regido por um monarca como as abelhas e sua rainha. O gênero masculino luta entre si pela fêmea como os alces. Em situação de fome extrema, a raça humana comete canibalismo como os ratos. Todas estas aproximações são válidas no nível social de comportamento, por mais misantrópica que seja.
A carne jamais será superiora ao aço, ao fogo, à velhice ou à morte. Seus limites nunca serão sobrepujados por mais que a inteligência e a técnica evoluam.  
             


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Reflexões Filosóficas #2




[Passagens retiradas do primeiro livro que eu escrevi. São trechos filosóficos no contexto do capítulo]

Quem Disse que o Tempo Cura Todas as Feridas?

Quando a ferida é tão profunda e a angústia é tão forte, nos sentimos fracos e abalados a ponto de sermos derrotados por nossa própria mente.
A vergonha mancha nossa estima e o fracasso inibe nossa coragem.
A ferida é tão severa que não se cicatriza, não se cura facilmente.
É então que o instinto nos induz a dar as costas a esta grande injúria e prosseguirmos com nossas vidas.
Não importa para onde você vá, não importa o que você faça, não importa quantas vezes você se convença que já superou, a lembrança da dor estará sempre atrás de você, crescendo e se fortalecendo enquanto você a ignora, como um furacão que reaparece para destruir sua casa e sua vida mais uma vez.



Privilégios são para Poucos

Algumas pessoas têm, outras não têm. Algumas pessoas são, outras não são.
A Oportunidade inibe a Liberdade, ou esta condição pode ser vencida com o Tempo?
O que somos nós além do que temos? O que somos nós além do que somos? Existe um Ser que pode ser modificado integralmente como uma casa que tem seus alicerces trocados depois de pronta? A resposta é óbvia: não.
Que privilégio existe no infortúnio? Enquanto não se abster da ilusão e da mentira, a pessoa jamais terá privilégio algum.



Origem

Pode a origem interferir no desenvolvimento do Homem? Tradições, hábitos, costumes, religião, os padrões e valores aprendidos na infância que moldam sua direção e personalidade como a talhadeira no gesso? Que elo tem sua origem com os seus atos na idade adulta?
O Homem deve ser passivo de adaptação, mutável, evolutivo, nunca deve se prender a um paradigma, nunca se deixar sofrer o efeito de cristalização.
O Homem é um ser de desenvolvimento infinito, como uma planta que cresce e se estica tentando alcançar o sol.
Jamais o Homem deve se limitar à sua Origem ou, sob influência dela, tomar decisões e atitudes erradas.


O Amor

O Amor foi roubado. Desde o dia do roubo, seu ladrão vive a prosperidade mais sublime de sua vida sentimental.
Com o amor em seu poder, o ladrão agradou , beneficiou, manipulou e magoou muitas mulheres. Enquanto seu ego crescia e se enaltecia, o ladrão se cansou e decidiu passar o resto de sua vida com apenas uma. A felizarda viveria ao lado do homem com a maior prosperidade amorosa de todos.
Mas, sob a ação da típica esperteza feminina, a mulher roubou o Amor do ladrão. Enquanto o ego da bela jovem crescia e se enaltecia, o ladrão sofreu todas as ilusões e mentiras que ele mesmo fez enquanto se apoderava dele.
A mulher o deixou para viver os efeitos do grande Amor em sua posse, e o ladrão assistiu ela partir ao cair de muitas lágrimas de seus olhos.
Deste dia em diante, o desiludido homem aprendeu a nunca mais confundir emoção com sentimento outra vez, bem como usá-los para manipular os sentimentos de alguém.



A Verdade

A Verdade é como um único guerreiro que pode destruir uma legião de soldados da Mentira. Uma única verdade desfaz uma imensa teia de mentiras, tão numerosa quanto as areias do mar, como se fosse uma onda que arrasta e destrói todas as consequências de sua falsidade.



Adendo sobre o Tempo

Talvez o Homem não fracasse em vencer sua Condição.
Talvez, sob os caprichos do soberano Destino, ele obtenha tardiamente sua vitória. Tardiamente, quando seus próximos já a obtiveram há muito tempo.