[Trecho de um livro que comecei a escrever quando eu tinha uns 20 anos]
O guarda destranca o cadeado e abre a porta
da cela.
- Wilson, me acompanhe.
Os detentos o olham surpresos enquanto ele
deixa a cela superlotada, que de quinze passa a ter trinta e quatro presos.
A prisão era como um reality show, tudo o que acontecia entre eles era observado com
tremendo interesse, mais interessante que a própria televisão, talvez pela
falta de ocupação ou talvez para não cair na loucura de um cotidiano
entediante.
A sala empoeirada é arejada por um ventilador
de teto. A mesa no centro continha duas cadeiras, uma para o detento e outra
para o interrogador. Wilson se senta e se distrai olhando para a janela no alto
da parede, protegida por uma tela de aço no lado de fora.
A espera é longa, duas horas até alguém aparecer,
mas não tem problema. Wilson está preso e uma hora perdida é uma a menos na
pena.
O diretor entra sem cumprimenta-lo, faz
corizas, arruma suas calças e espirra, quase melecando o documento em sua mão. Ele
se senta e começa a folheá-lo, ainda fazendo corizas desagradáveis. Wilson se
mantém calado, os funcionários da prisão são muito ignorantes.
- Assine aqui, aqui e aqui. – diz o diretor,
apontando para os espaços na folha.
- O que é isso? – pergunta ele, desconfiado.
- Você não sabe ler, caralho?! – grita o
diretor, cuspindo.
Wilson percorre o documento com os olhos e
tem a impressão de ler “liberdade condicional”. Após assinar, ele o devolve ao
diretor.
O diretor se levanta e deixa a sala em silêncio.
Wilson não entende o que foi tudo aquilo, então outro guarda aparece e diz:
- Volte para a sua cela.
Enquanto caminha pelo corredor, o odor fétido
de urina e suor enche suas narinas, o típico cheiro que exala dos corredores e
celas daquele presídio imundo. Ele entra na cela e o guarda tranca o cadeado,
Wilson ainda não sabe o motivo de sua chamada.
Alguém aparece no lado de fora, para em
frente às grades e sorri para ele.
- Você se ferrou mesmo, hein?
- Do que você está falando? – responde ele ao
ver um detento rindo. A falta de seus dois dentes frontais compõem seu sorriso
malicioso.
- Não está sabendo? Que velho burro você é. Sabe
aquele requerimento de liberdade condicional que você pediu? Acabou de ser
negado.
Ao saberem do que se trata, os presidiários
riem dele também.
- Vai ter de passar mais alguns anos com a
gente, velho. – diz alguém.
- Que velho otário! Fingiu ser um bom menino
e se ferrou!
- Achou que ia enganar o juiz?
- Passou cinco anos sendo tímido como uma
moça, achando que ia sair e teve a condicional negada. É um palhaço!
Então todos riem e gargalham.
- “Uuuhh... Meu nome é Wilson, sou um maníaco
homicida e vou matar você!”
- Tu é psisco... pitiso... pisopi... ah, sei
lá! É assassino de mulherzinha! Com certeza matava aquelas meninas por que não conseguia
ter uma ereção na hora de transar!
Wilson ouve em silêncio os detentos rirem
dele, mas em sua mente fria e calculista de psicopata ele pensa calmamente no
que irá fazer.
“Hora do Plano B”.
Dois dias depois.
Um rapaz lê seu jornal enquanto espera pelo ônibus
num ponto qualquer do centro. Ele lê na seção de Polícia a seguinte notícia:
“Wilson de Souza, 47 anos, foge do Centro de
Detenção Provisória Estadual. Os carcereiros não conseguem explicar o que
aconteceu e os guardas ainda não o encontraram nas áreas ao redor do presídio. Wilson
é conhecido por matar a facadas e pauladas mulheres jovens e adolescentes. Ele também
matou uma menina de 10 anos sem motivo aparente. Ele teve seu pedido de
liberdade condicional negado há dois dias, e suspeita-se que a frustração o
levou a fugir misteriosamente”.
O rapaz continua lendo distraidamente quando alguém
aparece ao seu lado e pergunta:
- Tem um real aí, amigo?
O rapaz o encara de cima a baixo de maneira
arrogante. Sem olha-lo nos olhos, ele responde:
- Não.
- 50 centavos?
- Não.
- 10 centavos?
- Não.
- 10 centavos não vai enriquecer e nem empobrecer
ninguém, não acha?
- Se precisa de dinheiro, vá trabalhar ao invés
de mendigar por aí.
- Eu sei disso, mas acabei de sair da cadeia
e não tenho dinheiro pra voltar pra casa. Estou com saudades das minhas
meninas. Preciso comprar leite pra elas também.
- Por que foi preso? Deixe-me adivinhar, foi
por roubar? Você tem família e sai cometendo crimes por aí pra ser preso
depois? Não tem vergonha na sua cara?
- Não, mas tenho rugas. Trabalhei a vida
inteira, mas não tenho o que comer hoje. Se você é filho de Deus, então...
- Ah, vai apelar pra Deus? Que típico!
O homem se irrita.
- Escute aqui, cara. Você não sabe quem pode
encontrar na rua. Esta cidade está muito violenta hoje em dia, sabia?
- Achei mesmo que você ia apelar para as
ameaças...
O homem pega o revólver calibre 38 em sua
cintura, mas não a exibe.
- Ameaça? Quem disse que eu estou te
ameaçando?
Prestes a apertar o gatilho na cabeça do
rapaz, ele se levanta e diz:
- Meu ônibus chegou.
O rapaz então se levanta e vai embora.
O homem fica um momento olhando para a rua, e
então percebe que o rapaz esqueceu seu jornal no ponto de ônibus. Ao pegar o
jornal, o homem o folheia até achar a foto do fugitivo. Sorrindo para si mesmo,
ele diz:
- Caramba! Estou bonito como um artista!
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