Do painel do meu carro
A noite se revelava
Cidade seca e esterilizada
Impermeabilizada
Terra macia e sufocada
Pelas ruas agora asfaltadas
Algumas árvores cortadas
O cimento duro na calçada
Do painel do meu carro
Eu vejo muitas desgraças
Ambulantes vendendo balas
Os mendigos pelas praças
Do painel do meu carro
Vejo montes de lixo deixados
Cachorros rasgando os sacos
Para comer alimentos estragados
Suspirando eu digo
Eu não quero mais voltar para casa
Eu não aguento mais aquela desgraçada
Roubou de mim os meus sonhos
Sempre esteve me enganando
Fez de mim um pobre cachorro
Encoleirado e jogado em um canto
Privado do direito de ter onde viver
Pois nunca foi meu o direito de ter
Apenas trabalhar e prover
E obedecer uma autoridade até morrer
O mais infeliz dos homens
A dura verdade me consome
Na vida nada faz sentido
Se conformar é tão esquisito
Uma vida inteira de trabalho duro
Só para se manter vivo
Então por que temos sonhos?
Por que os desejamos tanto?
Se não podemos realiza-los
Por que lutar pelo irrealizável?
Reflito no cruzamento
Enquanto espero no sinal vermelho
Minha raiva crescendo por dentro
Não há resposta para este lamento
Eu me lembro com um frágil sorriso
Que os únicos momentos em que eu me senti vivo
Foi quando eu tristemente chorava
Durante minha infância desgraçada
Pelo me pai que não me acolhia
Pela minha mãe que não me amava
Eu continuo dirigindo
Para me livrar dessa dor que eu sinto
Para fugir dessa angústia inexorável
E desse destino tão miserável
No máximo dos meus esforços
Com muitas lágrimas nos olhos
Com mãos trêmulas no volante
Minha passageira é a dor constante
E nesta noite eu digo
Do painel do meu carro
Vejo os carros estacionados
Motos para todos os lados
E caminhões lentos e pesados
Sob esta poderosa tempestade
De emoções em alta velocidade
Trabalhando sobre quatro rodas
Morto por dentro
Mas vivo por fora
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