sábado, 10 de outubro de 2015

Quem Dera Eu Ter Morrido Em Auschwitz





Quem dera eu ter morrido em Auschwitz
Ao lado dos meus calorosos amiguinhos
Eu vi todos eles partindo
Mas eu sobrevivi

Eu vi meus amiguinhos morrer
Sufocados pelos Zyklon B
Banhos que os limpavam da impureza da vida
Culpados por terem descendência judia

“As crianças! Eles poupam as crianças!”
Alguém gritou e fez minha mãe ter esperança
Aos choros ela me entregou aos alemães de braços fortes
E eles me levaram ao terrível médico,
O famoso Anjo da Morte

Doutor Mengele era um homem educado e eloquente
E quando falava era sempre sorridente
Ao me ver chorando ele abriu um sorriso
E bondosamente me ofereceu um pirulito

Nas crianças eles fizeram experimentos
Dos mais simples aos mais violentos
Em seus olhos eles injetaram clareador
Para assim mudarem a sua cor

E o pior foi feito com os gêmeos
Que ainda vivos foram serrados ao meio
Costurando-os de volta diversas vezes
Para se criar gêmeos siameses

Gêmeos foram infectados com doenças
E quando o vírus os matava nas mesas
Mengele fazia autópsia tanto no doente quanto no saudável
Para se estudar os efeitos no organismo contaminado

Crianças tiveram seus braços e pernas congelados
Para se estudar os efeitos em seus membros gangrenados
Ossos e músculos foram transplantados
Para se determinar a regeneração do tecido alterado

Meninos de apenas doze anos
Foram cobaias no teste de traumatismo craniano
Eles foram amarrados firmemente a cadeiras
E um martelo mecânico batia ordenadamente em suas cabeças

Vi meu amiguinho ficar mudo
Num experimento médico absurdo
Em sua garganta injetaram solventes
Para alterar sua voz artificialmente

Membros humanos foram serrados
E com membros de outras pessoas foram recosturados
Muitos ficaram mutilados
E ao uso de próteses foram condenados

Ninguém sobrevivia às cirurgias
Em nenhuma delas havia anestesia
Tudo era válido naquela carnificina insana
Para a destinada ascensão da “gloriosa raça ariana”

A Estrela de Davi foi quebrada
Eles nos vestiram com roupas listradas
O fogo que ilumina o famoso Candelabro
É o mesmo que nos queima naqueles fornos macabros

Não pude nem mesmo enterrar meus pais
Eles eu não verei nunca mais
Minha mãe foi envenenada pelo gás assim que chegou
E meu pai morreu de exaustão de tanto que trabalhou

Se ao menos os alemães me deixassem entrar
Naquela sala abarrotada de sapatos
Ou na sala abarrotada de óculos arredondados
Eu teria algo para me lembrar do meu pai e da minha mãe

E as lembranças...
São algo que me consomem

Com o fim da guerra veio a libertação
E sai vivo do campo de concentração
Ergui os braços e agradeci ao céu
Quando finalmente me mudei para Israel

Me casei com uma bela mulher judia
E com ela constituí uma família
Tive muitos filhos e filhas
Pensei que tudo tivesse dado certo em minha vida

O ódio envelheceu junto comigo
Dos meus filhos me tornei um inimigo
Eu os eduquei com violência e opressão
Os batia sempre porque me dava satisfação

Talvez eu tenha herdado isso dos nazistas
Violência, sadismo e covardia
A incapacidade de amar
Fui educado desde criança para odiar

Meus filhos cresceram ressentidos
Como pai eu falhei em lhes dar carinho
De mim eles sentem ódio e rancor
Pois eu mesmo não aprendi o que é sentir amor

Meus filhos me deixaram
Minhas filhas me abandonaram
Minha mulher se divorciou
E sozinho agora estou

Alguns voltaram para a Ucrânia
E outros foram para a Polônia
E eu fui deixado sozinho aqui
Na grande cidade de Tel Aviv

E sozinho eu me lembro
De Auschwitz e do tormento
O infame campo de concentração
Que levou a todos e me deixou na solidão

Meus amiguinhos
Eu me sinto tão sozinho
Mamãe, onde você está?
Papai, queria te abraçar
Queria tanto vê-los outra vez
Queria tanto ter morrido com vocês

domingo, 4 de outubro de 2015

Assassino Psicopata




[Trecho de um livro que comecei a escrever quando eu tinha uns 20 anos]

O guarda destranca o cadeado e abre a porta da cela.
- Wilson, me acompanhe.
Os detentos o olham surpresos enquanto ele deixa a cela superlotada, que de quinze passa a ter trinta e quatro presos.
A prisão era como um reality show, tudo o que acontecia entre eles era observado com tremendo interesse, mais interessante que a própria televisão, talvez pela falta de ocupação ou talvez para não cair na loucura de um cotidiano entediante.
A sala empoeirada é arejada por um ventilador de teto. A mesa no centro continha duas cadeiras, uma para o detento e outra para o interrogador. Wilson se senta e se distrai olhando para a janela no alto da parede, protegida por uma tela de aço no lado de fora.
A espera é longa, duas horas até alguém aparecer, mas não tem problema. Wilson está preso e uma hora perdida é uma a menos na pena.
O diretor entra sem cumprimenta-lo, faz corizas, arruma suas calças e espirra, quase melecando o documento em sua mão. Ele se senta e começa a folheá-lo, ainda fazendo corizas desagradáveis. Wilson se mantém calado, os funcionários da prisão são muito ignorantes.
- Assine aqui, aqui e aqui. – diz o diretor, apontando para os espaços na folha.
- O que é isso? – pergunta ele, desconfiado.
- Você não sabe ler, caralho?! – grita o diretor, cuspindo.
Wilson percorre o documento com os olhos e tem a impressão de ler “liberdade condicional”. Após assinar, ele o devolve ao diretor.
O diretor se levanta e deixa a sala em silêncio. Wilson não entende o que foi tudo aquilo, então outro guarda aparece e diz:
- Volte para a sua cela.
Enquanto caminha pelo corredor, o odor fétido de urina e suor enche suas narinas, o típico cheiro que exala dos corredores e celas daquele presídio imundo. Ele entra na cela e o guarda tranca o cadeado, Wilson ainda não sabe o motivo de sua chamada.
Alguém aparece no lado de fora, para em frente às grades e sorri para ele.
- Você se ferrou mesmo, hein?
- Do que você está falando? – responde ele ao ver um detento rindo. A falta de seus dois dentes frontais compõem seu sorriso malicioso.
- Não está sabendo? Que velho burro você é. Sabe aquele requerimento de liberdade condicional que você pediu? Acabou de ser negado.
Ao saberem do que se trata, os presidiários riem dele também.
- Vai ter de passar mais alguns anos com a gente, velho. – diz alguém.
- Que velho otário! Fingiu ser um bom menino e se ferrou!
- Achou que ia enganar o juiz?
- Passou cinco anos sendo tímido como uma moça, achando que ia sair e teve a condicional negada. É um palhaço!
Então todos riem e gargalham.
- “Uuuhh... Meu nome é Wilson, sou um maníaco homicida e vou matar você!”
- Tu é psisco... pitiso... pisopi... ah, sei lá! É assassino de mulherzinha! Com certeza matava aquelas meninas por que não conseguia ter uma ereção na hora de transar!
Wilson ouve em silêncio os detentos rirem dele, mas em sua mente fria e calculista de psicopata ele pensa calmamente no que irá fazer.
“Hora do Plano B”.

Dois dias depois.
Um rapaz lê seu jornal enquanto espera pelo ônibus num ponto qualquer do centro. Ele lê na seção de Polícia a seguinte notícia:
“Wilson de Souza, 47 anos, foge do Centro de Detenção Provisória Estadual. Os carcereiros não conseguem explicar o que aconteceu e os guardas ainda não o encontraram nas áreas ao redor do presídio. Wilson é conhecido por matar a facadas e pauladas mulheres jovens e adolescentes. Ele também matou uma menina de 10 anos sem motivo aparente. Ele teve seu pedido de liberdade condicional negado há dois dias, e suspeita-se que a frustração o levou a fugir misteriosamente”.
O rapaz continua lendo distraidamente quando alguém aparece ao seu lado e pergunta:
- Tem um real aí, amigo?
O rapaz o encara de cima a baixo de maneira arrogante. Sem olha-lo nos olhos, ele responde:
- Não.
- 50 centavos?
- Não.
- 10 centavos?
- Não.
- 10 centavos não vai enriquecer e nem empobrecer ninguém, não acha?
- Se precisa de dinheiro, vá trabalhar ao invés de mendigar por aí.
- Eu sei disso, mas acabei de sair da cadeia e não tenho dinheiro pra voltar pra casa. Estou com saudades das minhas meninas. Preciso comprar leite pra elas também.
- Por que foi preso? Deixe-me adivinhar, foi por roubar? Você tem família e sai cometendo crimes por aí pra ser preso depois? Não tem vergonha na sua cara?
- Não, mas tenho rugas. Trabalhei a vida inteira, mas não tenho o que comer hoje. Se você é filho de Deus, então...
- Ah, vai apelar pra Deus? Que típico!
O homem se irrita.
- Escute aqui, cara. Você não sabe quem pode encontrar na rua. Esta cidade está muito violenta hoje em dia, sabia?
- Achei mesmo que você ia apelar para as ameaças...
O homem pega o revólver calibre 38 em sua cintura, mas não a exibe.
- Ameaça? Quem disse que eu estou te ameaçando?
Prestes a apertar o gatilho na cabeça do rapaz, ele se levanta e diz:
- Meu ônibus chegou.
O rapaz então se levanta e vai embora.
O homem fica um momento olhando para a rua, e então percebe que o rapaz esqueceu seu jornal no ponto de ônibus. Ao pegar o jornal, o homem o folheia até achar a foto do fugitivo. Sorrindo para si mesmo, ele diz:
- Caramba! Estou bonito como um artista!