quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Minha Amiga Prostituta




Na adolescência tive uma amiga que era uma prostituta. Passávamos bons tempos juntos. Ela era tão atenciosa... E eu também a ouvia quando ela queria falar. Estávamos sempre juntos, sempre unidos, mas tínhamos uma diferença de idade tão grande! Era de mais de vinte anos

Claro que tínhamos nossos momentos de sexo quando eu queria, desde que pagasse. Mas quando a luxúria não dominava nossos corpos e a carnalidade não falava mais alto, éramos grandes amigos.

Lembro que ficávamos a noite inteira juntos, apenas conversando enquanto ela fazia ponto nas ruas do centro à noite. E ela nem me cobrava mais por isso, embora eu insistisse em querer lhe pagar. Ela gostava de mim e eu gostava dela. Eu queria uma amiga e era isso o que eu tinha

Dias atrás eu a reencontrei. Ela estava varrendo a rua, agora ela trabalhava de gari. Após tanto tempo vestindo cinta liga,  corpete, decote e minissaia de oncinha, me surpreendi ao vê-la trabalhando com um uniforme de verdade.

Ela me vê e abre um sorriso; ela não se esqueceu de mim e isso me deixou muito feliz. Eu sorrio e lhe dou um abraço, um abraço carinhoso de velhos conhecidos. Como foi bom vê-la de novo. Ela era uma das poucas pessoas que realmente me conhecia

Perguntei como ela estava e ela disse que estava bem. Ela gostava desse novo trabalho, não ganhava tão bem quanto antes, mas conseguia sobreviver. Ela perguntou de mim e eu respondi que estava bem também. Eu disse que tinha casado e que não me sentia mais tão triste como antes.

Eu a conhecia muito bem e notei algo errado em seu olhar. Perguntei qual era o problema e em lágrimas ela disse que seu filho tinha ido embora. Disse que ele sentia vergonha dela; ele não queria que ninguém soubesse que sua mãe, que o criou desde pequeno, que o educou e o alimentou, e fez de tudo para que ele pudesse comer, era puta. 

Suas palavras me enchem de indignação e então eu me pergunto:
"Até onde vai a ingratidão das pessoas?"

Nos despedimos e vou embora. Foi um reencontro adorável, mas um pouco estranho. Me sinto triste por ela. Uma pessoa tão boa, que me ajudou tanto e me deu tanto conforto, acabar solitária agora. Abandonada pelo próprio filho

Passo dias pensando nisso; penso nela toda hora. Famílias não deveriam ser constituídas assim. A vida não deveria ser tão dura. Por que as pessoas boas sofrem tanto? Por que os maus sempre prosperam? Por que tem que ser assim? Então eu tenho uma ideia.

Eu pego meu carro e espero ela terminar seu turno. Eu a chamo e lhe ofereço uma carona. Nós conversamos enquanto eu a levo para casa e vejo que ela ainda mora na periferia. Ao descer eu a chamo e abro o porta-malas do meu carro, e então lhe revelo a surpresa.

No porta-malas havia panetones, chocolates, frutas e doces, garrafas de vinho, sucos, leite e outros alimentos. Também comprei roupas, perfumes e outros presentes para lhe agradar também. Ao ver a surpresa, ela leva as mãos ao rosto e começa a chorar, um daqueles choros confusos onde não sabemos se devemos chorar ou sorrir. E antes que ela pudesse me dizer alguma coisa, eu digo que aproveitei que era época de natal e comprei tudo aquilo com o pouco de dinheiro que tinha. E que apesar de não poder passar o natal com ela, aquilo era o meu presente; mas que o verdadeiro presente era sua amizade, uma amizade sincera e verdadeira, livre de qualquer falsidade. Eu a digo que, o tempo todo, o verdadeiro presente quem havia ganhado era eu.

Ela me abraça forte e chora. Sinto suas lágrimas molharem meu ombro. Ela estava triste por ser uma mãe abandonada, mas feliz por não ser totalmente esquecida. Então, em um tom de agradecimento e despedida, ela olha para o fundo dos meus olhos e diz:
“Na vida me aconteceram muitas coisas. Coisas ruins que eu gostaria de esquecer. Mas ainda assim me considera uma mulher muito sortuda".
"Por ter conhecido você”.
“Meu amigo”.

domingo, 9 de novembro de 2014

O Dia do Nosso Casamento



A igreja está tão bonita
Toda enfeitada, do jeito que você queria
Te aguardo ansiosamente no altar
De tão empolgado mal consigo falar
Meus padrinhos me cumprimentam
Eles estão felizes também

Daqui a pouco você chegará
E a trombeta começará a soar
Relembrando tudo o que aconteceu até esse dia
Me encho ainda mais de alegria
Estava tudo dando certo em nossas vidas
Finalmente teríamos a nossa casinha
Você queria um carro novo para nossa família
Comprei escondido e você nem sabia
Pretendia fazer uma surpresa

Escrevi meus votos para você em forma de poesia
Como nos conhecemos
Nosso primeiro beijo
O pedido de namoro
A primeira briga
A aliança de ouro que suei para pagar
Nossa festa de noivado
O aluguel do apartamento
Quando teríamos um filho
E o grande dia
O dia mais feliz da minha vida
O nosso casamento

Então eu me lembro
Esqueci meus votos
Minha declaração de amor a você
Chamo meu irmão e apressadamente saio
Deixando a igreja, o padre e os convidados
Antes de começar o casamento
Você ainda não havia chegado
Só espero que dê tempo

Guardo os votos em meu bolso
Meu irmão dirige o carro
Ele fala comigo mas estou distraído
Eu estava distante pensando em você

Não sei o que aconteceu
Eu vi o caminhão avançar contra o carro
De repente ouvi o som horrível do impacto
Do aço amassando e do vidro estilhaçado
A visão se tornou confusa
O carro tombava, tombava e tombava
O choque me deixou paralisado
Eu não piscava, respirava em ritmo acelerado
Tento desmaiar mas o susto me deixa agitado
Me lembro do meu irmão gritando ao meu lado
Chamando meu nome
Pedindo para eu ficar acordado

Não consigo me mexer
Meu corpo está preso nas ferragens
Olho ao redor e vejo sangue para todos os lados
Não consigo sentir minhas pernas
Eu entro em desespero
Será que eu não andarei novamente?
Meu irmão está em pânico
Ele diz que vai chamar a ambulância
Rapidamente ele pega o celular
Suas mãos estão sujas, viscosas com um líquido grosso
Em horror eu percebo
O líquido grosso é o meu sangue
Ele me pergunta como estou me sentindo
Mas eu só consigo responder
“O casamento...”
“O meu casamento...”

Luto para não perder a consciência
Quase não sinto dor, a hemorragia é forte demais
Os votos estão em meu bolso
Mas devem estar ensopados agora
O sangue o deixou ilegível para sempre
Então eu me lembro de você
Do seu rosto, do seu sorriso, do seu beijo
Onde está você agora?

Eu não posso morrer, não quero morrer agora
Esperamos tanto tempo por esse dia
Sei que é tão importante para você quanto é para mim
Um dia especial para toda mulher que ama
E cuida de seu marido
Quero tanto me casar com você
Quero tanto ficar com você para sempre
Temos tantos planos
Tantas coisas para fazer
Lugares para ir
Gente para conhecer
Isso não pode estar acontecendo

Não sei o que acontece comigo
Se é uma ilusão, alucinação ou colapso do meu espírito
Eu saio do meu corpo e vejo o acidente
Os carros parados, as pessoas olhando e a polícia à frente
E de repente estou na igreja
Te vejo sentada nos degraus da escada
Você está preocupada, em seu olhar está a pergunta
“Será que ele vem?”
Você segura o buquê de flores em sua mão
Balançando-o para conter a preocupação
Pretendia jogá-lo para que outra sortuda
Tenha esse dia tão lindo como o seu

Nossos padrinhos, parentes e amigos te consolam
Ninguém sabe o que aconteceu
Você está tão tensa, tão nervosa
Você sabe que eu nunca te deixaria
Não te trocaria por nenhuma mulher no mundo
Você está tão linda
O vestido de noiva ficou maravilhoso em você
Como eu queria te abraçar agora

Eu me aproximo
As lágrimas mancham sua maquiagem
Eu acaricio seu rosto e você sequer nota
Então eu finalmente percebo
Não havia mais vida em mim

Sinto que não tenho muito tempo
E que logo terei de partir
Estou ao seu lado e você não pode me ver
Queria tanto falar com você mas isso é impossível
A angústia rasga meu peito
Minha felicidade se transforma em tristeza
Morte no dia do meu casamento
Por quê, Deus? Por quê?
Por favor, me dê outra chance

Meu tempo acabou
Eu devo partir agora
Me aproximo de seu rosto e sussurro em seu ouvido:
“Eu te amo”
Estranhamente você parece me ouvir
E antes que eu desapareça
E deixe o mundo dos vivos para sempre
Eu digo:
“Adeus, meu amor”
“Nunca se esqueça de mim”


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Garota Das Ruínas



Ela veste um casaco longo e empoeirado
Minissaia rasgada e botas até o joelho
Seus cabelos são pretos, cortados até a altura dos ombros
Seus olhos são azuis, carentes de atenção
Seu corpo é esbelto e atlético
Tão sensual...

Ela sobe em um carro enferrujado na estrada
E com um pé no teto e outro no capô
Ela põe a mão na altura dos olhos, protegendo-se do sol
Olhando para o horizonte, ela respira fundo e sorri
E bem-humorada, indica o caminho a seguir
Tão menininha...

Ela gosta tanto de falar o que pensa
Ela gosta de expressar o que está em seu coração
Ela gosta tanto de me ouvir
Aprender com minhas palavras frias que não existe mais mundo bom
Quando ela me ouve ela me faz um olhar curioso
Como se precisasse muito de proteção
Tão frágil...

Ela me faz esquecer quem eu sou
Essa nova corja de gente que o novo mundo criou
Debaixo desse sol que nos esgota
E o suor que escorre nos deixando com odores horríveis
Não existem mais perfumes ou coisa desse tipo
Mas quando estou perto dela
Sinto apenas seus feromônios me deixando louco
Será que estou muito velho para o amor?
Será que eu sei o que é o amor?
Eu olho para esta garota e me perco em pensamentos bons
Mesmo eu não sendo nada de bom

E quanto a ela?
Ela é nova demais para o amor?
Será que alguém tão linda precisa do meu amor?
Nesse novo mundo ela me faz ter esperança
Coisa que eu tirei de muita gente

Mas e o que somos nós?
Capangas de capangas?
Mercenários em um mundo sem lei?
Facínoras que não apenas matam para viver
Mas também por prazer?

Ela não invade os prédios abandonados
Para caçar os doentes e viciados por diversão
Ela não diz palavrões e nunca se irrita
Nem se lamenta ou sente ódio quando pensa na vida
Tão equilibrada...

Ela chora quando eu mato
E sente compaixão de quem é fraco
Ela se assusta quando eu aponto a arma para alguém
E me implora para eu não matar mais ninguém
Tão compassiva...

Ela não gosta do sabor do álcool
E não se droga para suportar a dor como eu
Ela não suporta o cheiro do cigarro
E quando atiro nas pessoas ela não ri de quem morreu
Tão virtuosa...

Ela ignora o olhar maldoso dos homens
E que eles fortemente a desejam
Que eles poderiam possuí-la a força se quisessem
Mas diz que nisso eles não pensam
Tão inocente...

Ela fala de esperança
E quer recuperar o que foi perdido
Fala que os homens ainda são bons
E que o mundo será novamente um lugar bonito
Tão ingênua...

Ela está pensativa
Algo tirou o brilho de seu bom humor e levou seus sorrisos embora
Gostaria tanto de acariciar seu rosto
Mas minhas mãos calejadas
Cobertas de sangue e cheirando a pólvora
Só machucariam sua pele

Ela olha para mim e pergunta:
“Que futuro teremos se continuar agindo dessa maneira?”
“Que futuro terá o mundo se continuarmos pensando em nós mesmos?”
Sem perder minha postura de homem durão
E escondendo o amor crescente que sinto em meu coração
Eu respondo com semblante sério
Sem olhá-la nos olhos, me escondendo por dentro
“O futuro...”
“É Agora”


sábado, 1 de novembro de 2014

A Pessoa Que Mais Amei



Nesta guerra eu vi meninos se transformarem em homens
E vi homens chorarem como crianças
E esses meninos dóceis e ingênuos
Que ainda não sabem nada sobre a vida
Se tornaram homens embrutecidos pela selvageria da guerra

Meninos cujos sorrisos alegres, típicos da juventude
Se tornaram semblantes carrancudos de angústia e desespero
Vejo nos olhos dessas crianças o medo
Vejo o vigor de seus corpos se desvanecer no horror
Crianças cheias de vida, tão cheias de vontade de viver
Tendo de encarar a face infernal da morte

Mais uma vez um ataque
Mais uma vez um bombardeio
Mais uma vez cairá uma chuva de explosões
Os badalos dos sinos do próprio inferno
O som de Lúcifer cavalgando sobre a terra
Hoje as bombas do inimigo levarão mais vidas

E esses meninos tornados homens, tornados soldados
Morrem às centenas em montes de terra, fogo e fumaça
E antes de partir eles agonizam dolorosamente
Em gritos horríveis e choros extensos
E em seus últimos minutos
Eles chamam por suas mães

Chamam por aquela que mais os amou
Pela pessoa que os amou desde quando estavam em seus ventres
Que sempre cuidou deles
Que sempre lhes deu amor e carinho
Que os alimentou
Que os vestiu
Que os educou
Que os ensinou a serem bons meninos
Que prometeu protegê-los
Que nunca os deixaria sozinhos

Diferente deles eu não tive uma mãe para chamar
O que eu tive foi uma mãe leviana e dissimulada
Uma mãe que nunca me deu amor e carinho
Uma mãe que foi uma vadia barata
Uma mãe que me odiava
Uma mãe que me deixou passando fome
Alguém que me desprezou
Alguém que nunca me educou
Uma mãe que me deixou passando frio
Uma mãe que logo cedo me abandonou

Mas a vida me presenteou com uma mulher
Que mais que tudo no mundo me amou
Uma esposa carinhosa e dedicada
Que jamais me abandonou
Abro o meu colar e vejo a foto dela
E passo a ponta dos dedos em seu rosto
Sinto tanta saudade
Deus sabe como sinto saudade
Maldita guerra que separou meu amor de mim
Não sei dizer se sairei vivo daqui
Talvez ninguém sobreviva ao conflito
Então eu me pergunto:
Será que a verei novamente?

Começa outro ataque
Correria e pânico se alastram pelo front
Se esquivar das bombas é como se esquivar das investidas de Satanás
Os jovens soldados morrem novamente
Eles não têm experiência em combate
Eu corro de um lado ao outro
A fumaça densa ofusca meus olhos
Então a bomba explode ao meu lado
E voo pelos ares em meio a lama e a fumaça
Ao cair no chão tudo perde o sentido
Meu corpo estava destruído
A guerra acabou para mim

A morte se aproxima
As feridas se abrem e meu corpo sangra
Incapaz de resistir ao choque
Eu percebo que não vou sobreviver
Eu sinto medo
Eu sinto muito medo
Finalmente sei o que aqueles meninos sentiram antes de morrer
Solitários e assustados sem suas mães para os socorrerem

Lágrimas se formam em meus olhos e eu sofro
Estou com tanto medo
Me sinto tão fraco, solitário e desprotegido
A dor é forte, mas a dor maior é em meu peito
Onde está você, meu amor?

Encho meus pulmões e grito
Chamo o mais alto que posso pela única pessoa que pode me ajudar
Eu peço socorro
Na vã tentativa que ela venha e me diga que a guerra acabou
Que eu estou a salvo
E que eu não mais sentirei dor
Me diga que eu não ficarei sozinho de novo
E que ela cuidará sempre de mim
Que juntos iremos para casa
E que tudo vai ficar bem

Chamo pela pessoa que mais amo
Sim, a pessoa que mais amei
A pessoa que cuidou de mim
A pessoa que faria tudo por mim
Eu grito:
“Talita!”
“Talita!”
Mas não há resposta
Nunca haverá resposta
Por que ela nunca me ouvirá
E nunca virá ao meu socorro

A morte vem e põe um véu negro sobre meu rosto
Meus olhos arregalados veem apenas escuridão
Minha respiração intensa perde a força e cessa
E aquela dor intensa se esgota e logo vai embora
Mas a imagem dela fica em minha mente
E ficará até o dia em que eu viver novamente

Quando morreram, os meninos chamaram pela pessoa que mais amaram
Eu também