quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O Dragão Que Subiu Do Mar




Suba, grande dragão do mar
Eleve-se sobre as ondas e as águas salinas
Revele-se a nós, seus fieis adoradores
E traga-nos a tão desejada cura das dores

Ascenda, ó grande dragão
Nós portamos a sua marca
Na areia da praia contemplamos sua chegada
Nos leve ao seu túmulo marítimo onde faremos morada

Venha, poderoso dragão do mar
Pois grande é a angústia em nossos corações
Levante seu corpo coberto de escamas
E nos revele sua aparência reptiliana

Nós, que temos uma lança transpassada em nossas almas
Que temos uma estaca cravada em nossos peitos
Nós, que sofremos com a tristeza e a depressão  
Que em nossas vidas não enxergamos mais solução

Nós, que nos sentimos sozinhos quando não estamos sozinhos
E como sombras pairamos sobre as multidões sem destino
Que vemos riquezas se acumularem em nossos bolsos e nossas mãos
Mas sentimos a impureza do ouro macular nossas mentes e nossos corações

Nós, que sentimos insatisfação por ter tudo o que se pode ter
E que experimentamos todas as delícias que este mundo tem a oferecer
Mas sentimos que ainda assim não é o suficiente
Por que todos os prazeres reunidos não podem curar as angústias de uma alma carente

Nós, que conhecemos a carne e a sexualidade
Libido, orgasmo, volúpia e sensualidade
O breve momento de satisfação provocado pelos estímulos
Mas como doença e sujeira contamina nossas almas nos deixando ridículos

Nós, que nos sentimos vazios por sermos poderosos e ricos
Extravagantes, narcisistas e arrogantes
Que somos pobres por dentro, com a mente ainda mais imoral
E que divinizamos o contato de nossas peles por nos dar prazer sexual

Nós, que choramos por sermos perfeitos
E que nos cortamos por sermos bonitos
Que nos embriagamos para esconder a dor
E que camuflamos nossa existência vazia e deficiente de amor

Nós, que somos belos e perfeitos
E que temos para nós o mundo inteiro
Mas quando olhamos no espelho vemos apenas defeitos
E vemos em nossa carne um verme sem forma com um sorriso estreito

Nós, que procuramos exaustivamente a cura para nossas almas
E essa dor enorme que castiga nossos corações
Que não encontramos mais alegria ou vontade de viver
E que agora só pensamos em morrer

Então suba, grande dragão dos mares
Você é nossa última esperança
Queremos partir dessa vida melancólica e insossa
E que não mais provemos amargura em nossas bocas

Grande dragão, rei do submundo
Debaixo de suas asas maiores que as montanhas do mundo
Abraçados ao teu corpo escamoso de serpente
Estaremos aquecidos e protegidos em teu reino para sempre

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Carta de Suicídio




Estou há trinta anos na Polícia
E nesses trinta anos nunca vi nada parecido
Um lunático se atirou de uma ponte
Mas antes deixou uma carta de suicídio
E nessa carta dizia:

“Escrevo essa carta para vocês, ‘papai e mamãe’. Desejo de coração que vocês tenham uma doença terrível que os devorem por dentro e lhes causem muita dor. Que os debilitem e os deixem agonizando à beira da morte. E quando a agonia for forte demais para suportar, então vocês saberão a dor que por culpa de vocês eu senti”.

“Pai, você é o culpado por tudo, você é o culpado pelo o que me tornei. Verme. Tão ávido para sufocar meus talentos. Tão ávido para me calar. Nunca disposto a me ouvir, mas sempre disposto a falar e falar. Você me quis constrangido. Você me quis um covarde. Você me quis um medíocre. Você só quis me invejar”.

“Te odeio, te odeio mais que tudo. Te odeio por não me tratar como filho, mas me tratar como um rival. Um refém em seu cativeiro de merda. Te odeio por não deixar eu crescer, por ter medo que eu fosse melhor do que você. Teve inveja de mim. Teve inveja por eu ser jovem e bonito e você ser um velho burro e ridículo”.

“Mãe, você é um lixo. Você é menos que gente. Você é tudo o que não presta. Chamar minha mãe de prostituta seria uma ofensa para elas, porque até as prostitutas valem alguma coisa quando se vendem. Você me deixou sozinho. Você me deixou triste. Você não me deu carinho. Me usou para conseguir o que queria. Se aproveitou da carência que havia em mim. Você me rejeitou, me excluiu, me ofendeu e me destruiu. Rejeitou o amor que senti por você. E como todas as vezes em que eu tentei gostar de você, você me abandonou por que é isso o que você gosta de fazer”.

“Mulher esperta. Cobra traiçoeira. Você é uma mulher venenosa, cínica e manipuladora. Sei muito bem que você só quer dinheiro. Você só age por interesse, e interesse por mim você nunca teve. Espero que o seu Deus te perdoe, se é que você realmente acredita nele ou o usa para manipular outras pessoas também”.

“Então eu chego à beira da ponte. Quando chegar ao chão meu corpo será estraçalhado e serei mais uma carcaça úmida de sangue deixada para apodrecer ao sol. Quando isso acontecer vocês terão um motivo verdadeiro para ter nojo de mim. Então aproveitem. Cuspam em mim. Demonstrem todo seu desprezo por mim. Aproveitem enquanto ainda não estou enterrado”.

“Pai, talvez eu ainda esteja vivo quando você chegar aqui, então você poderá mijar em minha carcaça e fazer a urina causar mais ardência em minhas feridas. Pise em mim como se eu fosse excremento sob seus pés. Chame minha mãe. Traga meus irmãos também. Me pisoteiem. Chutem meu rosto, acabem com a beleza que havia em mim. Quebrem o restante dos meus ossos. Batam em mim com pauladas. Perfurem meu corpo com facadas. Pintem seus rostos com meu sangue. Arranquem minha pele. Mastiguem minha carne. Dentro de mim só há ódio e rancor, e minha aparência patética de quem nunca teve amor”.

“Adeus, pai. Te espero no inferno. Não se iluda, é o lugar para onde você vai. Estarei lá te esperando com seus pais”.

“Adeus, mãe. Te espero no inferno também. Por acaso pensa que você vai para o Céu quando você morrer? Estarei ao lado de Cristo quando ele te condenar. E quando o lago de fogo e enxofre se abrir, estarei com os demônios para te levar”.

Esta carta foi a coisa mais horrível que já li
O suicida devia odiar muito seus pais
Mas ao investigar sua identidade foi então que eu vi
O suicida era órfão

Criado desde criança num orfanato
A família que ele descreve jamais existiu
Ao se tornar adulto ele fugiu para morar na rua
E desde aquele dia ninguém mais o viu

Estou há trinta anos na Polícia
E nesses trinta anos nunca vi nada parecido
O mundo está ficando cada vez mais depressivo
E não sei se eu serei forte para suportar isso


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Minha Amiga Prostituta




Na adolescência tive uma amiga que era uma prostituta. Passávamos bons tempos juntos. Ela era tão atenciosa... E eu também a ouvia quando ela queria falar. Estávamos sempre juntos, sempre unidos, mas tínhamos uma diferença de idade tão grande! Era de mais de vinte anos

Claro que tínhamos nossos momentos de sexo quando eu queria, desde que pagasse. Mas quando a luxúria não dominava nossos corpos e a carnalidade não falava mais alto, éramos grandes amigos.

Lembro que ficávamos a noite inteira juntos, apenas conversando enquanto ela fazia ponto nas ruas do centro à noite. E ela nem me cobrava mais por isso, embora eu insistisse em querer lhe pagar. Ela gostava de mim e eu gostava dela. Eu queria uma amiga e era isso o que eu tinha

Dias atrás eu a reencontrei. Ela estava varrendo a rua, agora ela trabalhava de gari. Após tanto tempo vestindo cinta liga,  corpete, decote e minissaia de oncinha, me surpreendi ao vê-la trabalhando com um uniforme de verdade.

Ela me vê e abre um sorriso; ela não se esqueceu de mim e isso me deixou muito feliz. Eu sorrio e lhe dou um abraço, um abraço carinhoso de velhos conhecidos. Como foi bom vê-la de novo. Ela era uma das poucas pessoas que realmente me conhecia

Perguntei como ela estava e ela disse que estava bem. Ela gostava desse novo trabalho, não ganhava tão bem quanto antes, mas conseguia sobreviver. Ela perguntou de mim e eu respondi que estava bem também. Eu disse que tinha casado e que não me sentia mais tão triste como antes.

Eu a conhecia muito bem e notei algo errado em seu olhar. Perguntei qual era o problema e em lágrimas ela disse que seu filho tinha ido embora. Disse que ele sentia vergonha dela; ele não queria que ninguém soubesse que sua mãe, que o criou desde pequeno, que o educou e o alimentou, e fez de tudo para que ele pudesse comer, era puta. 

Suas palavras me enchem de indignação e então eu me pergunto:
"Até onde vai a ingratidão das pessoas?"

Nos despedimos e vou embora. Foi um reencontro adorável, mas um pouco estranho. Me sinto triste por ela. Uma pessoa tão boa, que me ajudou tanto e me deu tanto conforto, acabar solitária agora. Abandonada pelo próprio filho

Passo dias pensando nisso; penso nela toda hora. Famílias não deveriam ser constituídas assim. A vida não deveria ser tão dura. Por que as pessoas boas sofrem tanto? Por que os maus sempre prosperam? Por que tem que ser assim? Então eu tenho uma ideia.

Eu pego meu carro e espero ela terminar seu turno. Eu a chamo e lhe ofereço uma carona. Nós conversamos enquanto eu a levo para casa e vejo que ela ainda mora na periferia. Ao descer eu a chamo e abro o porta-malas do meu carro, e então lhe revelo a surpresa.

No porta-malas havia panetones, chocolates, frutas e doces, garrafas de vinho, sucos, leite e outros alimentos. Também comprei roupas, perfumes e outros presentes para lhe agradar também. Ao ver a surpresa, ela leva as mãos ao rosto e começa a chorar, um daqueles choros confusos onde não sabemos se devemos chorar ou sorrir. E antes que ela pudesse me dizer alguma coisa, eu digo que aproveitei que era época de natal e comprei tudo aquilo com o pouco de dinheiro que tinha. E que apesar de não poder passar o natal com ela, aquilo era o meu presente; mas que o verdadeiro presente era sua amizade, uma amizade sincera e verdadeira, livre de qualquer falsidade. Eu a digo que, o tempo todo, o verdadeiro presente quem havia ganhado era eu.

Ela me abraça forte e chora. Sinto suas lágrimas molharem meu ombro. Ela estava triste por ser uma mãe abandonada, mas feliz por não ser totalmente esquecida. Então, em um tom de agradecimento e despedida, ela olha para o fundo dos meus olhos e diz:
“Na vida me aconteceram muitas coisas. Coisas ruins que eu gostaria de esquecer. Mas ainda assim me considera uma mulher muito sortuda".
"Por ter conhecido você”.
“Meu amigo”.

domingo, 9 de novembro de 2014

O Dia do Nosso Casamento



A igreja está tão bonita
Toda enfeitada, do jeito que você queria
Te aguardo ansiosamente no altar
De tão empolgado mal consigo falar
Meus padrinhos me cumprimentam
Eles estão felizes também

Daqui a pouco você chegará
E a trombeta começará a soar
Relembrando tudo o que aconteceu até esse dia
Me encho ainda mais de alegria
Estava tudo dando certo em nossas vidas
Finalmente teríamos a nossa casinha
Você queria um carro novo para nossa família
Comprei escondido e você nem sabia
Pretendia fazer uma surpresa

Escrevi meus votos para você em forma de poesia
Como nos conhecemos
Nosso primeiro beijo
O pedido de namoro
A primeira briga
A aliança de ouro que suei para pagar
Nossa festa de noivado
O aluguel do apartamento
Quando teríamos um filho
E o grande dia
O dia mais feliz da minha vida
O nosso casamento

Então eu me lembro
Esqueci meus votos
Minha declaração de amor a você
Chamo meu irmão e apressadamente saio
Deixando a igreja, o padre e os convidados
Antes de começar o casamento
Você ainda não havia chegado
Só espero que dê tempo

Guardo os votos em meu bolso
Meu irmão dirige o carro
Ele fala comigo mas estou distraído
Eu estava distante pensando em você

Não sei o que aconteceu
Eu vi o caminhão avançar contra o carro
De repente ouvi o som horrível do impacto
Do aço amassando e do vidro estilhaçado
A visão se tornou confusa
O carro tombava, tombava e tombava
O choque me deixou paralisado
Eu não piscava, respirava em ritmo acelerado
Tento desmaiar mas o susto me deixa agitado
Me lembro do meu irmão gritando ao meu lado
Chamando meu nome
Pedindo para eu ficar acordado

Não consigo me mexer
Meu corpo está preso nas ferragens
Olho ao redor e vejo sangue para todos os lados
Não consigo sentir minhas pernas
Eu entro em desespero
Será que eu não andarei novamente?
Meu irmão está em pânico
Ele diz que vai chamar a ambulância
Rapidamente ele pega o celular
Suas mãos estão sujas, viscosas com um líquido grosso
Em horror eu percebo
O líquido grosso é o meu sangue
Ele me pergunta como estou me sentindo
Mas eu só consigo responder
“O casamento...”
“O meu casamento...”

Luto para não perder a consciência
Quase não sinto dor, a hemorragia é forte demais
Os votos estão em meu bolso
Mas devem estar ensopados agora
O sangue o deixou ilegível para sempre
Então eu me lembro de você
Do seu rosto, do seu sorriso, do seu beijo
Onde está você agora?

Eu não posso morrer, não quero morrer agora
Esperamos tanto tempo por esse dia
Sei que é tão importante para você quanto é para mim
Um dia especial para toda mulher que ama
E cuida de seu marido
Quero tanto me casar com você
Quero tanto ficar com você para sempre
Temos tantos planos
Tantas coisas para fazer
Lugares para ir
Gente para conhecer
Isso não pode estar acontecendo

Não sei o que acontece comigo
Se é uma ilusão, alucinação ou colapso do meu espírito
Eu saio do meu corpo e vejo o acidente
Os carros parados, as pessoas olhando e a polícia à frente
E de repente estou na igreja
Te vejo sentada nos degraus da escada
Você está preocupada, em seu olhar está a pergunta
“Será que ele vem?”
Você segura o buquê de flores em sua mão
Balançando-o para conter a preocupação
Pretendia jogá-lo para que outra sortuda
Tenha esse dia tão lindo como o seu

Nossos padrinhos, parentes e amigos te consolam
Ninguém sabe o que aconteceu
Você está tão tensa, tão nervosa
Você sabe que eu nunca te deixaria
Não te trocaria por nenhuma mulher no mundo
Você está tão linda
O vestido de noiva ficou maravilhoso em você
Como eu queria te abraçar agora

Eu me aproximo
As lágrimas mancham sua maquiagem
Eu acaricio seu rosto e você sequer nota
Então eu finalmente percebo
Não havia mais vida em mim

Sinto que não tenho muito tempo
E que logo terei de partir
Estou ao seu lado e você não pode me ver
Queria tanto falar com você mas isso é impossível
A angústia rasga meu peito
Minha felicidade se transforma em tristeza
Morte no dia do meu casamento
Por quê, Deus? Por quê?
Por favor, me dê outra chance

Meu tempo acabou
Eu devo partir agora
Me aproximo de seu rosto e sussurro em seu ouvido:
“Eu te amo”
Estranhamente você parece me ouvir
E antes que eu desapareça
E deixe o mundo dos vivos para sempre
Eu digo:
“Adeus, meu amor”
“Nunca se esqueça de mim”