sábado, 19 de março de 2016

Juntos Queimaremos Eternamente




Religião sempre foi muito forte em minha família
E em servidão entregamos as nossas primícias
Meus pais se orgulharam quando quis ser celibatário
E aos dezoito anos me mandaram para um seminário

O justo vive pela fé
Agradecemos a tudo o que Deus nos der
Se a castidade é o caminho para a santificação
À fé eu reservo o meu coração

Então ela vem
A garota visita o seminário
Em uma caravana de mercadores vendendo artesanatos

Eu estava na plantação quando a vi
Entre aquelas pessoas, simplesmente parada ali
O sentimento forte surgiu me causando ardência
Queimando meu peito, tomando minha consciência

Ela percebeu que eu a olhava
E em meus olhos soube o que minha boca não falava
Se aquilo era amor à primeira vista
Naquele momento soube que minha vida mudaria

Fiz um voto de castidade
Ajoelhado à cruz da mais altíssima Santidade
Jurei sempre me apartar das numerosas tentações
E com muita sabedoria controlar minhas emoções

Mas não consigo

“Estou confuso, padre!”
“Me ajude a conter esse desejo em meu peito”
“Que me tira da retidão das veredas do Senhor”
“E que engana minha mente, fazendo eu pensar que é amor”

Com muita autoridade
E um pouco de arrogância e vaidade
O padre me estende a mão para que eu a beije
E antes do sermão me ordena que eu ajoelhe

O padre me ameaça:
“A ti será cumprida a promessa para os pecadores”
“O castigo em um lugar de sofrimento, a casa das dores”
“Para aqueles que se abrasam na luxúria e na corrupção”
“Suas almas estarão eternamente perdidas no fogo da danação”

Cometi o pecado da concupiscência
O padre me recomenda uma penitência
Em meu quarto me aplico a punição
Orando e chorando enquanto me dilacero com a mão

Sangue espirra pelas feridas e cortes
Provocados pela inexorável fúria do chicote
Condenado por permitir que o amor crescesse em meu coração
E punido por me permitir que me aprofundasse nessa paixão

Passo noites e noites pensando nela
Sonho acordado olhando para a janela
Não consigo pensar direito e nem me concentrar
E na igreja não consigo mais orar ou louvar 

E quando será que ela volta?
Fico pensando quanto tempo será que isso demora
Passando de cidade em cidade que aparecer
Sozinha em suas carruagens, sem um homem para a proteger

E para a amar

Os outros seminaristas me detestam
Em seus olhos posso ver que me desprezam
Espalham boatos de que eu sucumbi às tentações
E que fui corrompido pelos vícios e as paixões

Certo dia eu estava trabalhando no lado de fora
Calmamente cuidando de uma pequena horta
E ao olhar casualmente para o lado
Vejo que a garota milagrosamente voltou ao seminário

Eu corro em sua direção
O suor em minha batina escorria por minhas mãos
Sem poder falar direito eu apenas exclamo
E totalmente sem jeito a digo “eu te amo”

Ela sorri
E apenas diz que ela deve partir
A caravana ia deixar aquela cidade
Mas de mim não queria sentir saudade

Eu estouro em euforia
E digo que a acompanharia
Mas me lembro que não posso partir
Pois meus votos me prendiam ali

“Então você deve fugir”
Foi a única coisa que ela respondeu
Antes de me beijar e me dizer adeus

Rapidamente volto ao meu quarto
Faço minhas malas e deixo o seminário
O padre aparece e me adverte com tremenda dureza
Que minha presença profanava a pureza da igreja

“Se você ir”
“Para ti os portões do Paraíso jamais irão se abrir”
“E sua alma será condenada ao tormento mais severo”
“Queimando eternamente no calor do tenebroso inferno”

Que assim seja

Alcançando-a pelo caminho eu a chamo
E ao me ver nos abraçamos e nos beijamos
Ela disse que sabia que eu viria
E eu respondo que sem mim ela jamais ficaria

Pelo gramado alto nós corremos
De mãos dadas, pelas flores que se curvam com o vento
Se o amor é um fogo que arde e não se sente
Então juntos queimaremos eternamente